Fundada em 1577, no noroeste da Índia, Amritsar é a cidade do Harmandir Sahib; o Templo Dourado, centro espiritual do siquismo. Colada na fronteira com o Paquistão, Amritsar é também o lugar onde se costuram as camisas masculinas perfeitas.

Mas essa história é bem mais recente. Nascido e criado no local, o cientista da computação Akshat Jain, em 2006, parte rumo à Holanda, para cursar o MBA, na Escola de Negócios, da Universidade de Rotterdam.

Já formado, a convite de um banco de investimento, o jovem vai para Amsterdam, conhece a economista cingalesa Varvara Maslova e se casa. Eles, porém, se cansam da rotina corporativa e decidem mudar de vida.

Mas fazer o quê? Vindo de uma família com cerca de 200 anos de tradição têxtil, Akshat só entende de fios e tecidos, além de finanças.

Ele sugere então tocar o pequeno ateliê dos Jain, onde trabalham apenas cinco costureiros. Proposta aceita, em 2014, Akshat e Varvara fundam a 100Hands.

Por meses, os dois investigam como produzir a camisa masculina perfeita.

Como viriam a descobrir, a peça ideal exige entre 16 e 34 horas de um trabalho artesanal, minucioso, realizado por 50 artífices – ou 100 mãos, daí o nome da empresa.

Corta para 2024. No ano de seu décimo aniversário, a 100Hands se firma como uma das marcas mais cobiçadas do menswear de luxo.

O maior elogio

Recentemente, o escritor e consultor inglês Simon Crompton, editor do site Permanent Style, bíblia da moda masculina, definiu as peças confeccionadas em Amritsar como “provavelmente as melhores camisas do mundo”.

A 100Hands já foi agraciada com o prêmio Robb Report Best of the Best, referência de estilo para os ricos e famosos.

E, em junho de 2022, mereceu artigo do jornal americano The New York Times, com o título At a Luxury Shirtmaker in India, Obsessing over de Tiniest of Details (“Um fabricante de camisas de luxo da Índia obcecado pelos mínimos detalhes”). Não é pouca coisa.

O maior elogio, porém, é a consolidação da 100Hands em um mercado restrito, pouco afeito a novidades, como o da alta alfaiataria masculina.

O sucesso da  filosofia imposta à marca por Akshat e Varvara é tão grande que a 100Hands costuma ser convidada para colaborações com algumas das grifes mais exclusivas.

Uma das parcerias mais exitosas é com a italiana centenária Loro Piana, símbolo máximo do quiet luxury. E isso é muita coisa.

"Esnobismo industrial"

Se, para qualquer grife, já é difícil entrar em um universo tão fechado, quiçá para uma marca “made in India”.

O país tem uma rica tradição em artesanato têxtil, mas, nos últimos anos, é alvo frequente de críticas. Por causa da mão-de-obra barata, marcas de fast fashion instalaram suas fábricas na região.

Em vários desses locais, as condições são precárias, até perigosas. Vira e mexe, pipocam denúncias de exploração infantil e trabalho análogo à escravidão.

Não foi fácil, portanto, para Akshat e Varvara, convencer as grandes alfaiatarias de que a 100Hands, além de produzir peças de qualidade, estava comprometida com os preceitos socioambientais da moda responsável.

Quando começaram a divulgar a  filosofia da 100Hands para o mundo, eles tiveram de enfrentar o que Varvara define como “esnobismo industrial”.

Akshat Jain e Varvara Maslova fundaram a 100Hands em 2014 (Crédito: 100hands.nl)

Na fábrica da empresa, trabalham hoje cerca de 200 artesãos (Crédito: 100hands.nl)

A 100Hands é reconhecida pela qualidade de seus materiais, como o linho irlandês (Crédito: 100hands.nl)

A camisa de algodão egípcio custa Є 489; cerca de R$ 2,6 mil (Crédito: 100hands.nl)

A Є 2,3 mil (R$ 12,3 mil), a jaqueta de cashmere foi criada em parceria com a grife italiana Loro Piana (Crédito: 100hands.nl)

“Mas, depois de apresentarmos nossas peças, costumávamos ouvir: ‘Nunca ninguém falou de uma camisa com tanta profundidade e amor”, conta Akshat, em um texto no site da empresa.

Não foi apenas paixão, não. A 100Hads venceu o preconceito e conquistou o menswear de luxo graças também à obsessão do casal em fazer bem feito; muito bem feito. E sempre à mão.

Para se ter ideia, uma única casa de botão leva 45 minutos para ficar pronta e tem 25 pontos por polegada - SPI, na siga em inglês, indica a quantidade de pontos a cada 2,5 centímetros de tecido.

Quanto maior o SPI, mais meticulosa é a costura. Entre as grifes mais sofisticadas, esse índice é, em média, de 18.

Pode parecer firula, mas no mundo ultradetalhista da alta costura faz toda a diferença. Nesse universo, muitas vezes, o essencial é invisível aos olhos. Quem conhece, reconhece uma casa de botão costurada à perfeição.

Assim, a 100Hands fechou 2023 com quase US$ 6 milhões, em receitas.

Nos endereços mais sofisticados

Hoje é possível encontrar a marca nos endereços mais chiques do mundo - a Savile Row, rua de Londres, famosa por seus ateliês de alta costura masculina; a norueguesa Cavour; a honconguesa The Armoury, a japonesa Isetan Men; a austríaca Dantendorfer e a americana Bloomingdale's, entre outras.

Os produtos confeccionados em Amritsar são vendidos ainda na plataforma da empresa. As camisas custam entre Є 325 e Є 535 (de R$ 1,7 mil a R$ 2,8, mil aproximadamente).

Atualmente, a 100Hands também fabrica jaquetas – cada unidade leva, em média, 40 horas para ficar pronta. As mais caras, feitas em colaboração com a Loro Piana, chegam a cerca de Є 2,3 mil (R$ 12,3 mil).

Os itens mais caros são confeccionados apenas sob encomenda e, por um acréscimo de 25%, o cliente pode alterar as medidas das peças.

Como toda grife de luxo, Akshat e Varvara só trabalham com materiais de altíssima qualidade.

A linha vem da Alemanha; os botões forrados, da Itália; o denim, do Japão; o linho da Irlanda; o algodão, do Egito; o cashmere fabricado pela Loro Piana... e, por aí vai o rigor da marca.

A excelência da 100Hands se faz também com a força de sua mão-de obra, como faz questão de frisar constantemente o casal.

Todos os cerca de 200 artesãos, mesmo os mais experientes, passam por um programa intenso de treinamento. Na fábrica de Amritsar, costurar bem apenas não basta. É preciso costurar segundo os padrões acirrados determinados pela marca.

Entre os analistas do ecossistema fashion, o compromisso socioambiental da empresa é condição sine qua non para o sucesso e, consequentemente, a internacionalização da 100Hans.

Os salários oferecidos são maiores do que a média praticada na Índia. Além disso, os trabalhadores contam com uma série de benefícios pouco usuais nos contratos da indústria têxtil do país, como plano de saúde, vale transporte e bolsa de estudos.

A camisa masculina perfeita, como se vê, não se costura apenas a 100 mãos e muita dedicação. A trama da peça ideal se tece também com os fios da ética e da transparência.