Numa cerimônia aguardada com expectativa, o governo federal abrirá na quarta-feira, 13 de março, a consulta pública sobre a modelagem de construção do túnel Santos-Guarujá – um dos projetos viários mais antigos do País que jamais saiu do papel.
A expectativa é grande porque, a despeito da longa espera pelo túnel, a modelagem final do empreendimento foi negociada e concluída praticamente nas últimas semanas em conjunto pelo governo federal e o governo de São Paulo, que vinham brigando pela paternidade da obra desde o ano passado.
Depois de 96 anos de espera – o primeiro projeto, de 1927, previa a escavação de um túnel para a passagem de um bonde elétrico –, a obra deve sair do papel em tempo recorde.
Maior empreendimento do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a construção do túnel é orçada em R$ 5,8 bilhões, que serão bancados em partes iguais pelos governos federal e paulista via Parceria Público Privada (PPP).
O projeto do túnel faz parte de um pacote de investimentos de R$ 12,6 bilhões no âmbito do PAC, entre 2024 e 2028, que inclui obras no Porto de Santos. Metade do dinheiro será usado na construção do túnel de 860 metros de extensão e o restante em recursos privados para melhorias no complexo portuário.
Estão previstos também outros R$ 8,6 bilhões em recursos de empresas que atuam no porto em parte dos 11 projetos de modernização, totalizando o montante conjunto nas duas obras de mais de R$ 21 bilhões.
Na cerimônia de quarta, 13 de março, com participação do ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e do governador Tarcísio de Freitas, será anunciado o edital para a PPP, previsto para setembro. O leilão na B3 (bolsa de valores brasileira) foi marcado para 20 de novembro e a assinatura do contrato, em 15 de dezembro. A expectativa é de que a obra seja aberta ao tráfego no final de 2027.
Os planos atuais do túnel estão sendo conduzidos pela Autoridade Portuária de Santos (APS), autarquia ligada ao governo federal. Há cerca de R$ 3 bilhões no caixa da autarquia, que devem ser investidos no projeto. A gestão do túnel, por 70 anos, será entregue ao vencedor do leilão.
O pacote que engloba a construção do túnel e a reforma do complexo portuário deverá desafogar um dos grandes gargalos de infraestrutura do País. O porto, o maior da América Latina, é responsável por 30% de toda a movimentação desse modal em território nacional.
Já o túnel, que será o primeiro imerso da América Latina, deverá impactar 5 milhões de pessoas — 1,6 milhão de habitantes da Baixada Santista e 4 milhões de turistas que anualmente visitam o Guarujá e o litoral paulista.
Riscos embutidos
Se não há dúvidas da importância dos dois empreendimentos, resta o temor de que essas obras caíam na vala comum de outros grandes projetos de infraestrutura das últimas décadas, estruturados às pressas, sem planejamento adequado, que acabam tendo dois destinos: viram obra parada ou acabam tendo os contratos repactuados.
O caso do túnel é exemplar. Foram anunciadas nada menos que cinco modelagens diferentes para sua construção nos últimos dois anos, em meio à polêmica sobre a privatização do porto, fruto do debate polarizado das eleições presidenciais de 2022.
No governo Jair Bolsonaro, quando o atual governador paulista era ministro da Infraestrutura, foi estudada a privatização do Porto de Santos seguida de construção do túnel, mas o projeto não andou.
Já no governo Lula, no início do ano passado, começaram a ser analisadas outras opções: obra federal com pouca participação privada e sem recurso estadual; depois, o atual governador sugeriu financiar o empreendimento com recursos federais combinado com concessão à iniciativa privada.
Num sinal de disputa política pela obra, o Ministério de Portos e Aeroportos, sob gestão do antigo ministro Marcio França, anunciou então a possibilidade de o projeto ser executado com recursos da União e do porto de Santos, sem necessidade de PPP ou de financiamento cruzado com o governo estadual.
Por fim, houve acordo entre Lula e Tarcísio há um mês para bancarem juntos a obra. E a modelagem, a toque de caixa, já está pronta.
Especialistas ouvidos pelo NeoFeed admitem que a definição da modelagem em curto período de tempo é sempre um risco. Mas apontam aspectos que permitem assegurar que o projeto tende a avançar conforme a expectativa dos governos federal e estadual.
Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto Advogados e especialista em infraestrutura, diz que o padrão de obras públicas brasileiras de grande porte deve ser evitado no caso do túnel.
“Enquanto em países como o Japão gasta-se mais tempo no planejamento do que na execução da obra, para evitar custos, aqui no Brasil é o inverso, com pouco tempo de planejamento e mais na execução, mesmo porque parte do planejamento é feita durante a própria execução da obra, e por quem ganhou a licitação”, diz Favacho.
No caso do túnel, porém, o especialista destaca alguns fatores que reduzem os riscos. Um deles é que o projeto de engenharia já tinha uma configuração pronta – traçado, modelo de engenharia, etc - feito pela APS desde 2021, por meio de audiências públicas e estudos.
Favacho diz que os contratos de PPP são mais simples de serem geridos e também destaca que as duas autarquias envolvidas – a Artesp, de concessões rodoviárias estaduais, e a Antaq, de gerenciamento de portos federais – têm expertise em acompanhar o processo: “O risco maior é as agências brigarem entre si para ver quem tem mais protagonismo político”.
Para Renato Otto Kloss, sócio do escritório VAK Advogados, o fato de o modelo de contrato ser por meio de PPP traz mais segurança do que por meio de concessão. “Na licitação que precede a PPP, a disputa deve se basear na oferta da menor contraprestação pública, ou na menor tarifa a ser cobrada do pedágio, o que permite maior economia no orçamento final do projeto”, diz Kloss.
Ponte levadiça
Antigo sonho dos paulistas, a construção do túnel é vista como grande agregador de votos nas eleições municipais deste ano, aí a pressa em modelar rapidamente o empreendimento.
Além do projeto de 1927, inúmeros outros foram apresentados desde então. Entre eles, a sugestão de erguer uma ponte levadiça no local, em 1948. Mais de duas décadas depois, em 1970 – época de obras faraônicas do regime militar –, foi discutida uma sugestão que previa uma ponte com acesso helicoidal, que permitia a passagem de navios.
Mas, recentemente, em 2010, o então governador José Serra chegou a apresentar uma maquete de ponte estaiada.
Pelo projeto atual, o túnel terá faixa para veículos com pedágio (mesmo preço da atual balsa Santos-Guarujá), uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e ciclovia. Em vez do uso de uma tuneladora (o famoso “tatuzão”), o projeto prevê que blocos de concreto com 127 metros de comprimento sejam construídos em terra, levados ao canal e submersos a 21 metros de profundidade.
Em relação às obras no porto, a modelagem só começou a ser analisada depois que a privatização foi descartada, logo no início do governo Lula, há 14 meses. Estão previstos R$ 1,4 bilhão para dragagem do canal em duas etapas, até atingir 17 metros.
Outro investimento significativo (R$ 1 bilhão) é a ampliação da Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS), com a Rumo – que detém o direito de administrar, operar, expandir e manter a FIPS - assumindo a maior parte do investimento.