Quando a Aeris abriu o capital, em 2020, a companhia trouxe ao mercado uma tese de investimento alinhada a um dos principais temas do século XXI: a descarbonização das matrizes energéticas. Fabricante de pás para geradores eólicos, a expectativa é de que a companhia aproveitasse de forma tranquila o que se mostra uma tendência secular.
Mas o que se viu nos últimos três anos foi um cenário bem mais complicado. Com a alta dos juros pelo mundo freando investimentos de longo prazo e os preços baixos de energia no Brasil inviabilizando novos parques eólicos, as ações da Aeris sofreram. Os papéis acumulam queda de 89,3% desde o IPO, com o valor de mercado caído de R$ 4,1 bilhões a R$ 722 milhões, segundo cálculos de Einar Rivero, sócio fundador da Elos Ayta Consultoria.
Com ação negociada abaixo de R$ 1 (a cotação era de R$ 0,55, queda de 6,8% no pregão de sexta-feira, 15 de março), a Aeris aprovou o grupamento dos papéis na proporção de 20 para 1. A proposta precisa da aprovação dos acionistas na Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária (AGOE) em 11 de abril de 2024.
A medida se insere dentro de uma série de iniciativas tocadas desde o começo de 2023 para colocar a Aeris em ordem. “Entendemos que era preciso melhorar a operacionalização, o preço dos produtos e readequar nossa estrutura de capital”, diz Alexandre Sarnes Negrão, CEO da Aeris, ao NeoFeed.
Um dos primeiros passos foi justamente a volta de Xandinho, como ele é conhecido, ao cargo de CEO. Membro da família controlada da Aeris, que detém 37% do capital da empresa, ele já havia liderado a companhia entre 2017 e 2021, e deu a partida à reestruturação.
Para ajustar a sua estrutura de capital, a Aeris realizou um follow on de R$ 400 milhões no final do ano passado para desalavancar a companhia e deixá-la mais leve para encarar o futuro. A operação ajudou a reduzir a relação entre a dívida líquida e o Ebitda de 3 vezes (x) para cerca de 2x.
“A ideia é levar a empresa a uma alavancagem entre 1,5x e 2x”, diz José Azevedo, CFO da Aeris, que chegou à companhia em agosto para ajudar na reestruturação financeira.
Para isso, ele diz que a companhia quer adequar o endividamento com dívidas mais longas e com papéis incentivados. No quarto trimestre, a empresa iniciou a recompra de duas séries de debêntures, no montante total de R$ 41 milhões, apenas 3% dos R$ 1,3 bilhão emitidos com vencimentos em 2025 e 2026.
Para ajudar a acelerar o processo de desalavancagem, o NeoFeed apurou ainda que a Aeris está em conversas para fechar até o final do primeiro semestre um acordo de sale and leaseback das estruturas da fábrica da Aeris na zona industrial de Pecém, no Ceará.
Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, a operação deve ajudar a desalavancar a companhia em R$ 400 milhões a R$ 500 milhões. Questionado sobre o tema, Azevedo não quis comentar.
Já na frente operacional, a Aeris contratou, também em 2023, Marcelo Nasser. Com uma passagem de 27 anos pela Gerdau, ele assumiu o cargo de diretor de operações e revisou todos os processos, corrigindo problemas passados.
Embora boa parte do que a companhia passou seja consequência da contração do mercado eólico, Negrão admite que a Aeris passou por uma “dor de crescimento”. De cerca de 2 mil funcionários, com um faturamento entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões, a companhia passou a contar com 6 mil empregados e potencial de receita de quase R$ 3 bilhões até o IPO.
A Aeris também mexeu em seus produtos. Quase 90% das pás produzidas tinham até 60 metros de envergadura e a ideia era pular para quase 80 metros, situação que gerou complexidades operacionais maiores do que as antecipadas.
Ventos de fora
A companhia vem reestruturando suas operações e ajustando sua estrutura de capital para lidar com o novo cenário no País. Principal mercado da Aeris, o Brasil apresenta preços de energia para contratos de longo prazo pouco atrativos para novos investimentos em parques de energia eólica.
Diante desta situação, a empresa trabalha para ampliar suas fontes de receita. E a principal aposta é o mercado externo. “No ano que vem podemos ver as exportações representando algo em torno de 30% a 40%, e neste ano algo em torno de 5%, depois de não termos exportado no ano passado”, diz Negrão.
Esse forte aumento previsto pelo CEO vem do fato de a tendência de descarbonização permanecer. Em meio aos juros em queda e os subsídios sendo aprovados em economias avançadas, a expectativa é de uma retomada dos projetos de parques eólicos pelo mundo.
Em 2022, o governo do presidente Joe Biden conseguiu aprovar a chamada Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), em que cerca de US$ 430 bilhões serão destinados para fortalecer a segurança energética dos Estados Unidos, com foco em matrizes renováveis.
"Depois que os Estados Unidos soltaram o IRA e a extensão do PTC [sigla em inglês para Produção de Hidrogênio Limpo] dentro do IRA, o país deve subir dos atuais 7 gigawatts (GW) sendo instalados para algo em torno de 21 GW”, estima Negrão.
No caso da Europa, a expectativa do CEO da Aeris é de que o Velho Continente saia dos atuais 15 GW para algo em torno de 30 GW no mesmo período, puxado por um pacote de incentivos lançado em março de março de 2023.
Para atingir esses mercados, a Aeris conta com seus clientes, que veem um aumento de demanda por projetos eólicos no mundo. A produtora de aerogeradores dinamarquesa Vestas, por exemplo, registrou um aumento de 36% em carteira de pedidos em 2023, para € 26 bilhões (R$ 140,8 bilhões), puxada pela forte atividade onshore nos Estados Unidos.
No começo do ano, a Vestas fechou um aditivo com a Aeris, prorrogando o contrato de fornecimento até 2028. A expectativa é de que o acordo resulte em aumento de receitas de até R$ 7,6 bilhões até o fim do prazo do contrato. A companhia fechou 2023 com uma receita de R$ 2,8 bilhões, queda de 3% frente 2022 e prejuízo líquido de R$ 106,6 milhões, redução de 11,2%.
Além do mercado externo, a Aeris também aposta em seu braço de serviços. Criada em 2010 para atender os clientes da companhia, a Aeris Service provê serviços de manutenção em pás em parques eólicos em toda a América, inclusive para produtos concorrentes.
Negrão diz que a Aeris está investindo na expansão dessa frente para ter entre 10% e 20% oriunda desta vertical nos próximos cinco anos, dos 5% registrados em 2023, apostando na necessidade de manutenção de parques eólicos, que começam a apresentar sinais de envelhecimento.
Para Ygor Bastos, analista de indústria e transporte da Genial Investimentos, as iniciativas de diversificação da Aeris são positivas, especialmente a busca pelo exterior, considerando as fracas perspectivas para o mercado eólico brasileiro nos próximos anos. No começo deste ano, a Aeris se viu obrigada a descomissionar cinco linhas de produção, para lidar com a demanda interna menor.
“Olhando para 2024 e 2025, estamos falando de cerca de 2 GW de capacidade adicionada no Brasil, e para 2026 e 2027 o que vemos é algo em torno de 1,5 GW nos dois anos”, diz Bastos. “Se a Aeris quiser manter sua capacidade de produção, ela tem que mirar o exterior, senão vai ficar com muita capacidade ociosa.”