Uma grande contradição tem marcado os primeiros cinco meses de mandato do presidente da Argentina, Javier Milei.
Enquanto enfrenta greves e protestos no país, além de colecionar desafetos na política argentina, recusando-se a negociar diretamente com líderes da oposição no Congresso Nacional, Milei vem colhendo seguidos elogios no exterior.
O mais recente apoio veio do Fundo Monetário Internacional (FMI), que nesta segunda-feira, 13 de maio, anunciou ter chegado a um acordo com o governo argentino sobre a oitava etapa de revisão do empréstimo-ponte de US$ 44 bilhões ao país.
O FMI disse que a decisão, que irá desbloquear um desembolso de cerca de US$ 800 milhões se obtiver a aprovação final do conselho de administração do fundo, seguiu-se a um desempenho fiscal melhor do que o esperado – Milei fechou março obtendo o primeiro excedente fiscal trimestral da Argentina em 16 anos, além de reduzir a trajetória de alta da inflação.
“A implementação decisiva do plano de estabilização por parte do governo resultou num progresso mais rápido do que o previsto na restauração da estabilidade macroeconômica”, afirmou o FMI em comunicado.
Nas últimas duas semanas, Milei foi elogiado pelo empresário multibilionário Elon Musk – que aconselhou empresários americanos a investir na Argentina – e pelo analista político Ian Bremmer, fundador da Eurasia, uma das mais influentes consultorias de risco político do mundo.
Bremmer, que há alguns meses chegou a dizer que Milei levaria a Argentina a um ‘colapso econômico iminente’, publicou um vídeo nas redes sociais na semana passada com um surpreendente elogio ao presidente argentino: “Não há dúvidas de que, durante seus primeiros meses no governo, esse cara merece respeito pelo que realmente vem conseguindo alcançar.”
O apoio do FMI é essencial na estratégia de Milei de obter mais recursos para impulsionar a recuperação da economia argentina. Seu objetivo é obter, além dos US$ 800 milhões, outros US$ 15 bilhões com o Fundo para dar seguimentos ao seu plano de eliminar os rigorosos controles de capital da Argentina, que os economistas dizem ser uma grande barreira ao crescimento.
Para o economista Nicolás Alonzo, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, de Buenos Aires, o acordo do governo argentino com o FMI não chegou a surpreender.
“Em termos gerais, o programa do governo é mais agressivo do que o indicado pelo FMI, pelo que é compreensível que as conversações cheguem a bom termo”, diz Alonzo. “Mas, neste momento, não se fala em novos fundos, que é o que mais preocupa o mercado”, acrescenta, afirmando que Milei terá de esperar alguns meses pelos US$ 15 bilhões.
Ajuste duro
Parte da contradição que cerca Milei se deve ao custo social causado pelo ajuste econômico. A taxa de inflação anual da Argentina atingiu 287% em março, uma das mais altas do mundo, agravando a pobreza e estimulando greves e protestos.
Para combater a inflação, Milei lançou uma reforma fiscal abrangente, restringindo drasticamente os gastos do governo, eliminando milhares de empregos no setor público. Também congelou projetos de obras públicas e cortou subsídios.
Na área monetária, desvalorizou o peso, em queda livre, em mais de 50%, ajudando-o a estabilizar, mas fazendo com que os preços dos bens básicos disparassem.
Os elogios do FMI não chegaram a emocionar o argentino comum, que mantém uma relação pouca amistosa com o Fundo.
Afinal, a Argentina precisa do dinheiro para pagar ao FMI os empréstimos contraídos por governos anteriores junto ao próprio fundo, do qual a Argentina é o seu maior devedor – foram 22 empréstimos do FMI desde 1958, muitos deles com planos de ajustes duríssimos.
O empréstimo atual, que originalmente valia US$ 57 bilhões quando foi contraído em 2018, foi refinanciado em 2022.
A esperança de Milei de usar o acordo com o Fundo para pressionar o Congresso a passar seu pacote de leis conhecido como Lei Ônibus, porém, não é considerado pelos analistas.
O governo do presidente argentino controla menos de 15% dos assentos no Congresso. Até agora, ele usou decretos para conseguir o superávit fiscal do primeiro trimestre, como os que cortaram despesas sociais e projetos de obras públicas.
No mês passado, Milei até obteve o apoio da Câmara dos Deputados para as suas primeiras peças legislativas, incluindo um amplo projeto de reforma econômica e um conjunto de aumentos de impostos. Mas são esperadas duras batalhas sobre ambos os projetos no Senado.
Para Alonzo, o apoio de Musk e Bremmer não são relevantes para os argentinos. Ele tampouco acredita que terão impacto nas negociações no Senado.
“De qualquer forma, algo que está sendo observado nas pesquisas locais é que a popularidade da Milei sofreu pouco apesar do ajuste e da queda da atividade”, diz o economista. “Isso é positivo para o governo.”