Prestes a completar 60 anos, Mark Dixon em nada lembra o estereótipo dos empreendedores à frente de startups. Mas ele foi o pioneiro de um conceito que se consolidou nos últimos anos: os escritórios compartilhados. Em 1989, Dixon fundou a IWG, cujas unidades se tornaram uma extensão dos ternos sóbrios usados pelo empresário britânico.
Acostumada a dividir espaços, a IWG cedeu lugar, no entanto, a outro rival, a partir de 2010. Fundada por Adam Neumann, um típico empreendedor do Vale do Silício, o americano WeWork atraiu clientes, mídia e cheques bilionários de investidores, como o Softbank. E ajudou a popularizar o termo coworking, ao apostar em escritórios com uma aura cool e descolada.
Desde setembro, porém, o jogo virou. A visibilidade do WeWork só ampliou os impactos de sua fracassada abertura de capital. E enquanto a badalada startup americana tem seu futuro colocado em xeque, a britânica IWG parece ter o caminho livre pela frente.
“Não cabe a mim julgar o que aconteceu com o WeWork. Desejo o melhor para a companhia e seus funcionários”, afirma Dixon, em entrevista exclusiva ao NeoFeed, na qual destaca os reflexos desse contexto. “Sempre há uma procura pela qualidade em momentos como este. Os clientes querem um parceiro confiável. E como uma empresa sustentável há muito tempo no mercado, somos uma escolha estável para as empresas.”
Os números atestam, de fato, esse discurso. No primeiro semestre de 2019, a IWG reportou um lucro de £ 294,9 milhões (US$ 374 milhões), dando sequência a série de resultados positivos em sua última linha do balanço. No período, a receita cresceu 10,3%, para £ 1,3 bilhão (US$ 1,65 bilhão).
O resultado é um contraponto à cultura de queima de caixa do WeWork, expressa no prejuízo de US$ 689,7 milhões da companhia nesse mesmo intervalo. Entre janeiro e junho, a receita da companhia ficou em US$ 1,54 bilhão.
O maior contraste, no entanto, está na avaliação das duas empresas. Enquanto o WeWork tinha um valor de mercado pré-IPO estimado em US$ 47 bilhões, a IWG é avaliada em £ 3,4 bilhões (US$ 4,3 bilhões).
“O WeWork soube trabalhar a sua marca e atraiu muita publicidade, o que deu visibilidade à companhia, inclusive para o que ela não tinha de bom”, diz Rob Enderle, analista-chefe da consultoria americana Enderle Group. “A IWG, por sua vez, teve uma comunicação insuficiente. Mas não têm um CEO fora de controle e parece ser administrada com responsabilidade, o que a torna, potencialmente, um investimento mais atrativo.”
Choque de realidade
Essa distância foi reduzida, porém, com o IPO frustrado do WeWork. Inflada pelos cheques de investidores como o Softbank, a startup não resistiu à pressão de ver expostas as fragilidades do seu modelo.
Além dos resultados deficitários, o prospecto e o caminho para a abertura de capital trouxeram à tona sérios problemas de governança corporativa, bem como transações suspeitas envolvendo recursos da companhia e seu fundador.
“O WeWork se vendeu como uma empresa de tecnologia, inovadora. Mas ela é, na verdade, uma companhia de real estate, e com números extremamente comprometidos”, diz uma fonte do setor. “Eles ganharam fama dando café e chopp de graça. Mas isso não é sustentável. No fim do dia, é um negócio. E o mercado de IPO e de investidores quer ver resultados.”
Especialista em inovação e negócios, Fernando Seabra reforça essa visão. “Eles cresceram muito rápido na esteira do hype das startups”, diz. “Mas na hora de mostrar os seus números, o castelo de cartas ruiu.”
Com a desistência do processo, no fim de setembro, a empresa mergulhou em uma crise, com a possibilidade concreta de ficar sem caixa já em novembro. O socorro veio com uma nova injeção de recursos do Softbank, que assumiu o controle da operação e avaliou a companhia em US$ 8 bilhões.
A ajuda teve seu preço. Neumann, que já havia sido afastado do cargo de CEO em setembro, deixará também o posto de presidente do Conselho de Administração. Mas sairá com um bom reforço na conta bancária. Pela compra de sua participação, o empreendedor deve embolsar cerca de US$ 1,7 bilhão.
Por coincidência, o montante é exatamente igual à fortuna estimada de Dixon. E, reforçando esse paralelo, a IWG também teve a sua própria crise para superar. Em 2003, o grupo entrou com um pedido de proteção contra falência de sua operação nos Estados Unidos.
Mas ao contrário de sua concorrente, emergiu desse momento crítico sob o comando de seu fundador. “Nós sabemos como operar nesse mercado, com toda a resiliência que ele exige”, afirma Dixon.
Hoje, a rede da IWG inclui 3.334 locações em mais de mil cidades e mais de 110 países. Essa escala é justamente um dos seus pilares. Enquanto o WeWork, que tem 528 escritórios em 111 municípios, privilegia mais os grandes centros, o grupo britânico investe em uma operação mais descentralizada, que passa também pelo que ela classifica como mercados secundários.
A expansão nessa última frente passa pela consolidação de uma outra vertente que ajuda a explicar os resultados positivos da empresa: o modelo de franquias. Nesse formato, a IWG estabelece parcerias com proprietários de imóveis. E compartilha os riscos e custos de seu crescimento.
Um exemplo dessa abordagem veio em um acordo fechado no primeiro semestre. O grupo japonês TKP pagou £ 320 milhões (US$ 393 milhões) para se tornar a franqueadora das marcas da IWG no Japão.
O foco em clientes empresariais é mais uma via que difere a companhia de seus pares. Assim como seu portfólio, que inclui cinco marcas e atende diferentes públicos. A mais conhecida é a Regus.
Outra opção é a Spaces, uma espécie de reação ao WeWork, com prédios inteiros que trazem um ambiente mais descontraído, próximo do perfil que caracteriza as unidades da concorrente.
O leque inclui ainda a HQ, com unidades funcionais e mais baratas, instaladas em vias secundárias, além das marcas premium Signature e N⁰18.
“A principal força da IWG é o fato dela ser administrada de uma forma tradicional”, diz Fernando Seabra. “O grupo têm consciência de que não é uma startup. Eles sabem o que são: uma empresa de aluguel de espaços.”
No Brasil
O mercado brasileiro ilustra bem a abordagem e as perspectivas da IWG, presente no País há 25 anos. No início de 2019, a companhia desenhou um plano de R$ 100 milhões para a operação local, com a meta de superar 100 unidades. Atualmente, a rede inclui 66 unidades próprias, além das franquias, cujos números não são divulgados.
“O ano de 2019 tem sido de consolidação do nosso negócio e seguimos com nosso mapa de aberturas dentro do que foi planejado”, diz Tiago Alves, CEO da Regus e Spaces para a América Latina. “Grandes empresas, como a Petrobras, aderiram ao nosso modelo, e hoje mais da metade dos nossos espaços já são ocupados por esse perfil de cliente.”
Um dos focos de 2019 é impulsionar o modelo de franquias, lançado no início do ano no País. Para os parceiros, a entrada nesse formato exige uma área mínima de mil metros quadrados e um aporte entre R$ 3,5 milhões e R$ 5 milhões.
Com a vertente, a IWG está expandindo seu mapa local para cidades como Ribeirão Preto (SP), São José dos Campos (SP), Manaus (AM), Belém (PA) e Florianópolis (SC). “Começamos a atrair a demanda de muitos shopping centers e de family offices e fundos de private equity que possuem ativos regionais”, afirma Alves.
Já no crescimento orgânico, uma das prioridades tem sido a inauguração de unidades em capitais nas quais o grupo já estava presente. Além de São Paulo e Rio de Janeiro, o pacote passa por cidades como Fortaleza (CE), Vitória (ES), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS).
A expansão das marcas no País é mais uma via de crescimento. Hoje, a IWG opera com a Regus e a Spaces. Lançada por aqui em 2017, essa última tem quatro unidades locais. Alves planeja a estreia da HQ ainda neste ano. E projeta para o começo de 2020 a chegada da Signature e da N⁰18.
A ampliação dos investimentos no País vem na esteira da visão de CEO do grupo. “Os últimos três anos foram um período de forte crescimento no Brasil. O mercado realmente adotou o conceito de espaço de trabalho flexível”, diz Dixon. “Certamente, vemos potencial para muitos outros centros e a diversificação da nossa oferta. Vamos sempre considerar mais investimentos onde houver uma forte demanda.”
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