A tradicional gestora de ações Guepardo Investimentos está na contramão do cambaleante mercado de ações, com o melhor resultado da sua história de 23 anos.
Seu principal fundo acumula valorização de 310% nos últimos cinco anos fechados, enquanto o Ibovespa ficou com 37%, bem perto do CDI. O resultado díspar, em um período tão difícil para a bolsa de valores, levou a gestora a quase multiplicar por oito seu patrimônio em cinco anos, chegando a R$ 4,5 bilhões sob gestão.
No ranking dos melhores fundos de ações dos últimos cinco anos, a Guepardo está no seleto grupo dos 25% mais rentáveis anualmente no período. Por trás desse desempenho estão principalmente apostas em grandes nomes como Itaú, Petrobras, Klabin e Gerdau. Mas também um olhar para o valor de empresas menores, como Vulcabrás, Grupo Ultra e Allos Shopping.
O que essas empresas têm em comum? São boas companhias que estavam mal precificadas. Apesar de parecer óbvio, não é o que todo mundo faz.
“Comprar empresa boa é fácil. O problema é comprar barato. Muito gestor compra empresa boa cara, esperando algum deslocamento no futuro. Não acho que dá certo”, diz Octávio Magalhães, sócio-fundador e gestor da Guepardo, ao NeoFeed.
“Empresas descontadas geralmente estão em um momento ruim. É preciso entender se ela pode virar o jogo e, quando acontecer, tem de vender, não segurar o papel porque a empresa é boa”, complementa ele.
Hoje, o maior investimento do fundo está na fabricante de celulose Klabin. Mas a ação já saiu e voltou algumas vezes para o portfólio. Em 2019, por exemplo, a Guepardo entrou no papel e surfou a alta do preço da celulose, que fez o mercado reprecificar o Klabin, que subiu cerca de 80% passando de R$ 27. A gestora vendeu a posição.
E só quando o preço da celulose caiu de novo e as ações voltaram para a faixa dos R$ 16, a Guepardo voltou a comprar - uma posição ainda maior.
Mas a gestora acredita que o diferencial para ter conseguido resultados tão diferentes do restante da indústria de fundos é, simplesmente, não “seguir a manada”. Relatórios e análises macroeconômicas, por exemplo, são proibidos na análise da casa.
“Existe muita sobreposição no mercado. Quase todo mundo olha a mesma coisa e prefere errar junto a tentar acertar sozinho. Buscamos as nossas ideias dentro de casa, sem olhar relatório de ninguém para não ser contaminado”, conta Magalhães.
Apesar do desânimo do mercado com a bolsa, o gestor acredita que há agora ainda mais oportunidades na mesa, porque a bolsa está, de fato, muito descontada. O difícil é escolher e avaliar corretamente.
As constantes mudanças regulatórias estão tornando difícil prever os resultados das empresas. Até maio, o principal fundo da gestora está caindo 6,5%, enquanto o Ibovespa recuou 9%.
“O Brasil está um grande caos de insegurança jurídica, que é ainda maior com esse governo. O arcabouço fiscal virou um imperativo de arrecadação que ninguém sabe onde vai parar. Os cálculos dos tributos estão mudando e afetando toda a expectativa de ganho das empresas”, explica Magalhães.
“Mas tem de trabalhar com o que tem. Por isso, decidimos nos especializar em tributação. Estamos olhando isso o dia inteiro. Eu diria que, hoje, para ser gestor no Brasil, tem que entender mais de tributo do que de gestão”, completa ele.
A gestora fora do radar
Não é de agora que a Guepardo sabe ganhar dinheiro. Seu fundo de ações mais antigo, com 20 anos, tem retorno de 4.240% desde a fundação, enquanto o Ibovespa entregou 422% - é um dos fundos com melhor resultado nessa janela.
Mas, antes do salto de captação desses últimos anos, a gestora passou quase duas décadas como boutique de ações com poucos investidores fiéis e sem chamar a atenção do mercado.
Algumas coisas explicam por que uma gestora com resultados tão consistentes estava fora do radar de grande parte do mercado financeiro.
E uma delas é que o seu fundador e gestor, Octávio Magalhães, sempre preferiu se manter escondido: nunca almejou ter uma veia comercial forte e estimular a captação.
“Nunca sonhei em ser um grande gestor de fundo. Eu queria operar ações e ganhar dinheiro com isso. E foi acontecendo de mais gente querer participar do que eu fazia, as coisas foram crescendo com family and friends e depois vieram gente institucional e importante”, diz o gestor da Guepardo.
Crescer continua fora dos planos da gestora, que tem os nove sócios como acionistas importantes e mantém no seu passivo quase todos os primeiros investidores da casa.
Porém, a expansão pode ser uma consequência do sucesso. Hoje, mais da metade dos investidores institucionais são fundos de pensão, seguradoras e fundos de previdência. Outra parte relevante são os family offices que foram se aproximando. O varejo, de plataformas e bancos, é muito pouco.
“Não tenho a menor intenção de crescer, por isso não tenho estratégia para isso. Quero ter o melhor resultado para mim e minha equipe no fundo. Agora, se você gosta da nossa filosofia e tem interesse em participar da festa também, é bem-vindo”, diz Magalhães.
Além do óbvio no mercado
Outro ponto relevante é que a Guepardo não é uma história óbvia no mercado financeiro. Ao contrário das gestoras criadas por grandes executivos de bancos, que usam sua experiência para ter sua própria casa para ouvir e atender as demandas do mercado, Magalhães criou um clube de investimento ainda na faculdade de administração. Esse clube ficou grande demais e acabou virando um fundo.
Sua inspiração sempre foi Warren Buffett e um primo do seu pai, um grande investidor pessoa física que depois veio a se tornar um dos sócios-fundadores da Alaska Asset Management: Luiz Alves Paes de Barros.
Magalhães seguiu Luiz Alves por 10 anos e “estagiou” para aprender como operar no mercado. Com ele, surgiu o mantra de comprar boas empresas que estejam baratas.
Talvez exatamente por ter surgido e seguido “à margem” do padrão Faria Lima, a Guepardo criou uma metodologia de investimento de valor diferente da maioria das outras gestoras, algo que foi aperfeiçoado ao longo dos anos.
A seleção das ações passa primeiro por uma análise qualitativa através de questionários para avaliar a gestão da companhia e sua cultura, o setor em que ela está inserida, sua liquidez no mercado entre outras coisas. Desta análise, foram extraídas apenas 70 empresas consideradas de valor. Então é aplicado uma análise quantitativa para entender quais estão descontadas e escolher até 14 papeis.
Apesar da metodologia própria, a análise é simplesmente um value investing raiz, do qual muitos acreditam que não faz sentido no Brasil, onde a volatilidade e interferências do mercado imperam. O que isso significa? Uma correlação pequena entre os pares, principalmente porque boa parte da indústria de ações no Brasil atua por meio de análise top down.
“Eu não perco um segundo com análise macroeconômica. Não faz sentido ter de depender se o PIB vai crescer, ou um setor vai ser beneficiado para investir em uma empresa. Porque há o risco de isso não acontecer. E não lemos nada de fora exatamente para não ser contaminados por essas ideias que todo mundo segue”, explica Magalhães.
Uma gestora com cicatrizes
Esse processo de investimento da gestora não apareceu da noite para o dia. É resultado desses mais de 20 anos de trajetória com erros e acertos. E um erro da gestora, mesmo que cometido há quase 10 anos, ainda ecoa no mercado financeiro: BRF.
Em 2015, o fundo Guepardo FIC FIA afundou 36%, subiu 51% no ano seguinte, mas caiu novamente nos anos subsequentes, 1% e depois 9%.
“Esse foi o nosso único erro com uma large cap e grande posição. Errar faz parte. Tivemos em empresas menores, com menor exposição, mas esse foi realmente fatal. De melhor fundo do Brasil, sofremos resgates e vimos os concorrentes nos ultrapassar. Mas nos trouxe muitas lições”, conta Magalhães.
O fundo tinha uma posição grande na BRF, em uma aposta que a fusão das duas mega empresas – Sadia e Perdigão - traria grandes resultados com sinergias. Com a subida das ações, a posição chegou a 35% do fundo. Só não foi maior porque esse era o teto por política de investimentos.
Mas o management da companhia cometeu diversos erros, deixou grandes executivos irem para a Seara e, para piorar, em 2018 a companhia se viu envolvida na operação Trapaça, da Polícia Federal, que comprovou a fraude de testes de seus produtos.
Após o ocorrido, a gestora reviu o seu processo de gestão e mudou o regulamento, não permitindo mais que nenhuma empresa tenha mais de 25% do fundo. Foram colocados critérios mais rigorosos, também, na análise qualitativa.
Após quatro anos, o fundo da Guepardo se recuperou. Em 2019, a performance foi de 109%, enquanto o Ibovespa ficou com 32%.
Segundo apurou o NeoFeed com grandes alocadores do mercado, a gestora ficou com fama de “concentradora de posições", e por isso arriscada, até por não diversificar tanto as posições como o restante do mercado, que costuma ter cerca de 25 investidas - a Guepardo se restringe a 14 papeis. Por esse motivo, muitos preferem não recomendar os fundos para seus investidores.
Na visão de Octávio Magalhães, essa análise é fruto de desconhecimento do mercado e do momento atual da gestora, cuja maior posição hoje é de 17% do portfólio: "O remédio para esse risco é ser mais criterioso na análise qualitativa”.
“Ter um monte de posição é diluição e não diversificação, uma grande destruição de alpha. A solução para não cair no mesmo erro não é diluir posições. Quem faz isso não sabe o que está fazendo, não tem convicção nas posições que toma", explica.
Para ele, a prova de que a maioria do mercado não sabe o que faz, e que uma grande diversificação não é uma boa estratégia, é que pouquíssimos fundos conseguem bater o Ibovespa constantemente no longo prazo, como mostrou o NeoFeed. A diluição de posições leva a compra de mais Beta que Alpha ao longo do tempo. E que, como resultado, apenas cerca de 10% dos fundos de ações sobrevivem a uma janela maior que 10 anos.
“Um presidente de um banco me disse há poucos anos que agora sim ia apostar na Guepardo. Não porque não gostava de nós antes, mas porque ele só investia em gestores com cicatrizes”, conta Magalhães. “Temos orgulho das nossas e estamos colhendo os seus benefícios em um grande momento da gestora".
Pelos resultados, a Guepardo parece ter chegado aos seus 23 anos com lições valiosas do que funciona e o que não funciona no delicado universo da gestão de recursos.