O Ibovespa está amargando uma queda de 8,5% em 2024. E a verdade é que já faz tempo que a bolsa brasileira não anda bem. Em cinco anos, sua valorização é de 18%, enquanto a Selic acumula alta de 47% sem dar sustos nos investidores.
A consequência desses resultados é um ambiente desafiador para os gestores de ações. A classe encolheu 17% em valores constantes nos últimos cinco anos, segundo dados da Anbima. E muitos não têm conseguido sequer acompanhar o Ibovespa.
Mas quais são os gestores que estão conseguindo ficar consistentemente no primeiro quartil de resultados, ou seja, entre os 25% com melhores performances absolutas? A pedido do NeoFeed, a gestora Fundamenta analisou a capacidade dos fundos de brasileiros de ações se manterem entre os melhores de forma persistente.
Com a base de dados da consultoria Economática, foram analisados os fundos ativos a partir de 1996 até agora. Mas foram excluídos os fundos restritos, aqueles com Master no nome (por não terem taxas), monoações ou setoriais e os com menos de 20 cotistas. Ao todo, foram analisados 6.214 fundos.
Para essa análise, foram considerados períodos de cinco anos em janelas móveis (1996- 2000; 1997-2001; e assim por diante até 2019-2023) por ser um tempo considerado de médio prazo para maturar uma alocação.
Em dois períodos seguidos, 24% dos fundos conseguem se manter no primeiro quartil. E à medida que se prolonga o período, o percentual de vencedores persistentes cai drasticamente. Em cinco janelas quinquenais, apenas 6,8% aparecem no topo. E em 8 janelas, apenas 1,3%.
Dentro deste funil das gestoras com mais persistência no primeiro quartil em oito períodos estão Dynamo, GTI, Squadra, Atmos e Real Investor, cujo fundo Real Investor Institucional FIC FIA rendeu 1.902% desde o início em 2008, contra 248% do Ibovespa.
“Seguimos a estratégia de valor no longo prazo, procurando empresas descontadas. Muita gente diz que está em busca do longo prazo, mas na verdade querem o retorno da ação de 2 anos a 3 anos. E, de fato, os últimos anos pós-pandemia têm sido muito desafiadores”, afirma Cesar Paiva, sócio-fundador da Real Investor, com R$ 6 bilhões sob gestão.
No entanto, nenhuma dessas cinco gestoras esteve entre as melhores em uma janela mais curta – que reflete mais um momentum da gestora e o olhar ano a ano acompanhado pelos investidores. Procuradas, Dynamo, GTI, Squadra e Atmos não quiseram dar entrevista.
Em uma análise de quais foram os fundos que ficaram entre os 25% melhores em anos seguidos, considerando o período como apenas um ano, o resultado é um percentual ainda menor. Apenas 19% conseguiram ficar entre os melhores por dois anos seguidos. Por três anos seguidos, 6,4%, e por cinco anos somente 1%.
Entre as gestoras que ficaram entre as melhores nos últimos três anos (de 2021 a 2023) estão Alaska, SPX, Charles River, Fundamenta, Oceana, Absolute, Tarpon e Guepardo.
“Esses três anos foram, de fato, bem peculiares. A alta de juros nos EUA mudou paradigmas e aqui no Brasil houve muito ruído político”, afirma Valter Bianchi Filho, sócio e fundador da Fundamenta Investimentos, responsável pelo estudo.
“Como uma casa quantitativa, nosso processo de investimento pode ter nos ajudado a ter o pé no chão e nos ater a fundamentos”, diz ele, cujo fundo rendeu 40% no período, contra 12,7% do Ibovespa.
O que deu certo?
Do ano pré-pandemia até aqui, os grandes vencedores são Tarpon e Guepardo. Desde 2019, os fundos de ações dessas gestoras acumulam retornos de 261% e de 310%, respectivamente. Ao se pegar os últimos 5 anos fechados, entre dezembro de 2018 até dezembro de 2023, o Ibovespa acumulou, no período, 37% de alta, colado nos 36% do CDI.
Analisando o retorno ao longo do tempo das melhores gestoras, é possível ver que mesmo com o Ibovespa sofrendo para dar um resultado acima do CDI, é possível conseguir retornos estrondosamente grandes na bolsa. Mas o que essas gestoras viram que ninguém viu?
“Em várias janelas, o Ibovespa empata ou perde para o CDI. Mas nós temos conseguido bater consistentemente os índices usando a mesma filosofia de investimento de 22 anos: apostar em poucas e boas empresas baratas, descorrelacionado do índice. Que só estão nesse preço porque estão fora do radar do mercado, muitas vezes por serem pequenas”, afirma André de Escobar, sócio da Tarpon, com R$ 7 bilhões sob gestão.
A gestora tem como objetivo ter uma carteira com apenas seis empresas. Nesse período de maré baixa, a Tarpon colheu muitas oportunidades ao comprar papéis valendo pechinchas.
Um exemplo foi o investimento em 2019 na companhia de armazenagem Kepler Weber. Na época, a empresa tinha um Ebtida de R$ 70 milhões e o papel KEPL3 valia cerca de R$ 3 na bolsa. No ano passado, o Ebtida foi de R$ 400 milhões e a ação chegou a valer mais de R$ 11.
Outra aposta vencedora da Tarpon foi a operadora de portos Wilson Sons, que viu os fretes marítimos crescerem no pós-pandemia e obteve uma grande alta de receita. E a autopeças Fras Le, líder no mercado de freios.
Se a Tarpon obteve grande parte do seu resultado com small caps fora do radar, a Guepardo apostou em grandes nomes como Itaú, Petrobras, Klabin e Gerdau, ao mesmo tempo em que achou valor em empresas menores, como Vulcabras. No portfólio, sempre 14 papéis.
Para Octávio Magalhães, sócio-fundador e gestor da Guepardo, com R$ 4,5 bilhões sob gestão, o segredo está tanto em encontrar boas empresas a bons preços como também em ter uma expectativa de recuperação rápida, caso contrário, o retorno relativo ao tempo fica baixo.
“Tem gestor que compra empresa boa cara, esperando algum deslocamento no futuro. Não acho que dá certo segurar papel a qualquer preço porque a empresa é boa”, afirma Magalhães.
“Nos nossos 23 anos de história, Itaú já entrou e saiu umas seis vezes. Sempre foi uma ótima empresa, mas quando está caro a gente vende para comprar uma outra boa empresa que está barata”, complementa ele.
Um ponto que ambas as gestoras têm em comum é ter em grande parte investidores institucionais e sofisticados no passivo, como wealths, family offices e fundos de pensão, e pouca representatividade do varejo (que é mais sensível aos soluços do fundo ou quedas da bolsa).
Outro ponto comum é que para Tarpon e Guepardo a bolsa brasileira está muito barata. “Desde que fundamos a Tarpon em 2002, esse é o terceiro ciclo de bolsa mais barata já visto. É uma oportunidade única de alocação de capital. O desafio está sendo quais empresas baratas escolher alocar com tantas opções. Mas convencer o investidor disso não está sendo fácil”, diz Escobar.
Até quando o investidor vai fugir da bolsa?
Não é só o investidor de varejo que está fugindo da bolsa. O estrangeiro tem resgatado para capturar oportunidades em seus próprios países com taxas de juros mais altas. E os fundos de pensão estão confortáveis com a rentabilidade da renda fixa (com as NTN-Bs acima de 6%) ao mesmo tempo que não estão confiantes de que a bolsa possa decolar em breve. A opção, então, é o conservadorismo.
A fundação Prevcom (previdência complementar de servidores públicos de São Paulo), com cerca de R$ 3,4 bilhões sob gestão, tem um mandato para investir até 20% em ações, mas está com 5,5% de alocação.
“Não vemos fundamentos para aumentar a exposição em bolsa, mesmo que ela esteja descontada, não há fluxo comprador. O volume de negociação está abaixo de 2020, no auge da pandemia. Estamos tendo muito ruído político e questões fiscais estão minando a confiança”, afirma Francis Nascimento, diretora de investimentos da Prevcom.
O mesmo acontece na Fundação Copel, com cerca de R$ 14 bilhões sob gestão. Em seu maior plano, o unificado, apenas 2,7% está alocado em ações.
“O ambiente não está favorável para ativos de risco no mundo com juros altos, e mesmo assim empresas americanas de tecnologia têm tido recordes de valorização. Com tanta opção de rentabilidade, o estrangeiro está longe de países emergentes e, em especial, do Brasil, com a deterioração do cenário fiscal”, afirma Ruben Doege, gerente executivo de investimento da Fundação Copel.
A competição com o mercado internacional está cada vez maior também dentro de casa. Nos últimos quatro anos, os investidores brasileiros ganharam um acesso facilitado a alocação em ativos internacionais. Com isso, um pedaço do portfólio de risco está ganhando ações globais e tirando espaço das companhias locais.
Quem também tem contribuído com um fluxo negativo para a bolsa são os fundos multimercados, que possuem uma parte relevante de investimento em ações, mas estão sofrendo uma onda de resgates. Por esse motivo, eles vendem suas posições para ter liquidez. Em 12 meses, acumulam menos R$ 188 bilhões.
Um empurrão na bolsa
Mesmo com o cenário predominantemente negativo para a bolsa, no Itaú a recomendação é manter a alocação estrutural para renda variável - 14% para um perfil moderado, olhando para o retorno de longo prazo.
“É preciso ter bolsa de forma estrutural na carteira, porque quando há uma valorização acontece muito rápido. Se você não está alocado, perde. E há gestores que se deslocam muito do índice, conseguindo altos retornos absolutos. Mas não tem sido fácil convencer o cliente disso”, afirma Rodrigo Giordano, superintendente da área de fund of funds do Itaú.
Levantamento da Elos Ayta Consultoria, a pedido do NeoFeed, mostra que, neste ano, 56% dos fundos de ações estão conseguindo bater o Ibovespa, um resultado semelhante ao do ano passado, quando 50% bateram o principal índice da bolsa brasileira.
“Os investidores e os profissionais se questionam o que acontece. O Ibovespa não virou um S&P 500 impossível de bater, mas houve, nos últimos anos, mudanças estruturais importantes, reversões de expectativas, que talvez ainda estão sendo ajustadas”, afirma Rafael Mazzer, sócio e head de portfólio solutions Brasil do BTG Pactual.
Os grandes alocadores olham quais são os gestores que se mantêm fiéis à filosofia de investimento mesmo em adversidades, possuem uma boa cultura de governança para reter talentos que trarão resultado e possuem uma série gestão de riscos para controlar eventuais perdas. Um time coeso que consegue extrair as melhores oportunidades.
“Podemos estar em um momento ruim há um tempo muito longo, mas há empresas incríveis no Brasil e gestores incríveis que tem capturado retorno mesmo nessa dificuldade. E tudo é cíclico, quando o momento virar é preciso estar preparado”, diz Mazzer, do BTG.