Na urgência da crise climática, frente à demanda crescente por minerais, o ecossistema global de inovação minerária vibra. Na busca por soluções rumo ao futuro verde, gigantes do setor se unem a startups e universidades. Novas aceleradoras e incubadoras são lançadas. E os cheques de venture capital (VC) ganham robustez.
Um levantamento realizado pela plataforma PitchBook é revelador do interesse crescente dos capitalistas de risco pelas novas empresas de tecnologia. No primeiro trimestre de 2019, no mundo todo, foram registrados seis aportes em startups de mineração. No mesmo período de 2023, cinco. Em dinheiro, porém, a soma das transações, de um ano para outro, cresceu 7,5 vezes. Saltou de US$ 27,1 milhões para US$ 204,7 milhões.
Outra prova da efervescência do mercado: duas em cada dez empresas iniciantes nasceram a partir de 2019. E dois terços têm menos de 15 anos, informam os analistas da InvestMETS, no relatório The Mining Tech Report, divulgado no fim de 2023.
Nunca houve tantos negócios fechados em tecnologia de mineração quanto nos últimos dois anos, dizem os especialistas do mercado. Inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), realidade virtual, visão computacional, aprendizado de máquina, impressão 3D e big data. As novas ferramentas vêm para aumentar a produtividade e reduzir custos, mas também garantir a preservação do planeta e a segurança dos trabalhadores.
E, o Brasil, como um dos dez maiores países mineradores do mundo, desempenha um papel fundamental na transformação socioambiental do setor.
A sustentabilidade das operações está prevista ser o segundo maior foco de investimentos das mineradoras no país, depois dos projetos em minério de ferro, aponta o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Entre 2024 e 2028, devem ser injetados na área US$ 10,7 bilhões — 16,6% do volume total de aportes e 62% mais do que os financiamentos estimados para o período 2023-2027.
O futuro é colaborativo
Uma das iniciativas mais importantes foi o lançamento, em 2019, do Mining Hub. Sediado em Belo Horizonte, ele é a primeira comunidade de inovação aberta do mundo focada única e exclusivamente na cadeia da mineração.
Apontado como um dos pilares da economia 4.0, esse modelo de gestão muda radicalmente a forma como as grandes corporações sempre lidaram com o desenvolvimento disruptivo.
De uma estrutura vertical e fechada para um sistema colaborativo, onde os conhecimentos e as ideias são compartilhados — inclusive, entre concorrentes.
Quando uma mineradora associada ao Mining Hub tem um problema a vencer, é lançado um edital e as startups interessadas apresentam suas propostas. Encontrada a solução, todas as outras companhias do ecossistema passam também a ter acesso à tecnologia.
Em cinco anos, foram mapeados quase 900 desafios, para os quais se estabeleceram mais 760 conexões. Das cerca de 1,5 mil soluções propostas, realizaram-se 130 provas conceito.
Como explica Leandro Rossi, diretor-executivo do Mining Hub, ao NeoFeed, os temas são priorizados por sua relevância para o setor.
Um exemplo? As correias transportadoras são máquinas imprescindíveis para as companhias mineradoras. Possibilitam o trânsito de grandes quantidades de minerais, de forma contínua e ágil, sem a necessidade do uso de caminhões, o que aumenta as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
O rasgo da correia, porém, traz enormes prejuízos para a empresa. Além dos custos de reparo, há a perda do material já minerado, o que implica em novas extrações. E, enquanto o problema não é resolvido, as atividades na mina têm de ser interrompidas — frequentemente, por dias.
Recentemente, a Vale lançou o desafio no Mining Hub: um mecanismo que tornasse o sistema mais resistente. Fundada em 2008, a mineira LLK trouxe a solução.
“A startup criou um dispositivo capaz de detectar, o mais rápido possível, o início do rasgo antes que ele aconteça em toda a extensão da correia", conta Rossi.
Usando visão computacional, a nova tecnologia, batizada Radec, se revelou capaz de identificar rasgos de borda inferiores a 15 milímetros. Dessa forma, é possível intervir precoce e rapidamente, antes que o dano comprometa toda a operação.
O "big brother" das minas
Graças aos avanços das tecnologias emergentes, hoje é possível economizar tempo, dinheiro e recursos naturais ao longo de toda a cadeia de produção.
Nas fases iniciais de um projeto de mineração, drones, ferramentas de inteligência espectral e satélites fazem o mapeamento minucioso da área a ser explorada e indicam os locais com maior probabilidade de conter os depósitos minerais, reduzindo a necessidade de furos de sondagem, entre outros procedimentos.
Com tais tecnologias, é possível ainda monitorar as minas, rastrear áreas de escavação, identificar zonas de risco, prevenir invasões, acompanhar programas de reflorestamento e chegar a lugares de difícil acesso — um trabalho antes, caro, demorado e, por vezes, arriscado.
A plataforma da startup goiana GeoInova, por exemplo, usa IA, visão computacional e big data para analisar as imagens produzidas a centenas de quilômetros da superfície da Terra.
“Os dados captados são então transmitidos para uma plataforma automatizada, que produz os relatórios”, diz Ivan Gonçalves, CEO da GeoInova, ao NeoFeed. As tomadas de decisão ganham agilidade e assertividade.
As pessoas no centro
Os esforços da indústria minerária passam também por seus colaboradores. Para atingir a meta net zero até 2050, a economia global exigirá seis vezes mais insumos minerais em 2040 do que hoje, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).
Se a demanda aumenta, a necessidade de mão de obra também. No Brasil, entre 2021 e 2022, o número de postos de trabalho diretos foi de 185 mil para 204 mil, nas contas do Ibram.
Entre as startups nacionais focadas na segurança dos trabalhadores está a capixaba Dersalis. Fundada em 2018, em Vitória, no Espírito Santo, a empresa recebeu, há dois anos, o prêmio People Breakthrough of The Year, concedido pela consultoria Gartner.
O engenheiro e CEO Pedro Guizardi e o médico André Soares criaram uma pulseira de monitoramento de fadiga. Combinando biotecnologia e IA, o dispositivo acompanha, em tempo real, os sinais vitais do usuário. Assim, é possível prever não só a sonolência, como quedas de pressão, tonturas ou qualquer mal-estar que possa ameaçar a segurança do trabalhador.
Além dos alertas instantâneos, a plataforma emite relatórios sobre a evolução do estado clínico do funcionário. Com base neles, a empresa tem um panorama geral da saúde de seus colaboradores e consegue aprimorar seus protocolos de prevenção a acidentes.
A tecnologia da Dersalis pode ser usada por empresas de diversos setores. Na mineração, a pulseira se mostra útil tanto dentro das minas, onde o calor tende a ser elevado, quanto fora delas, na operação de máquinas gigantescas.
É o caso das empilhadeiras–retomadoras, usadas para gerenciar o armazenamento do material minerado. Enormes, com até 40 metros de altura, chegam a ocupar área equivalente a meio campo de futebol. Seu operador fica em uma cabine, em geral, climatizada, com cadeira ergométrica — e o trabalho é repetitivo. “É como se o trabalhador estivesse sendo ninado", diz o médico Soares, ao NeoFeed.
Nessas condições, o risco de acidente é alto. Tradicionalmente, as companhias monitoram o estado de vigília do funcionário por um sistema de câmeras, equipadas com sensores de movimento.
Um alarme é disparado quando o operador começa a ficar com os olhos pesados, prestes a cair no sono. O alerta da Dersalis soa antes, quando o corpo entra em estado de sonolência, enquanto há ainda tempo de sobra para agir.