Dentro do pânico global, a América Latina ficou deslocada. O Ibovespa encerrou a segunda-feira, 5 de agosto, com queda de 0,46% e a bolsa do México fechou o dia em alta de 0,35%. As principal bolsas de valores globais viveram um dia diferente. Nasdaq e Dow Jones caíram -3,38% e -2,6%, respectivamente. Na Europa, os mercados recuaram em torno de 2%.
Esses movimentos foram brandos se comparados ao índice Nikkei, do Japão, que recuou 12,4% e teve o seu pior dia desde 1987.
Mas o que explica essa "resistência" de Brasil e México? Para Stefano Del Papa, head de gestão de ativos da América Latina do Grupo global Azimut, os investidores globais já saíram desses mercados, por isso eles tendem a sofrer menos.
"O Brasil está fora do radar há muito tempo por problemas internos", diz Del Papa. "O problema do mercado mexicano é o risco político e a mudança da tese do nearshoring."
O gestor da Azimut diz que os grandes investidores estão avessos ao risco e desmontando suas posições, principalmente nas ações ligadas à tecnologia. Os países emergentes ficam de fora "pois já não há mais tantos investidores".
Confira, a seguir, a entrevista dele ao NeoFeed:
No pânico global de segunda-feira, 5 de agosto, as bolsas latino-americanas caíram menos do que as dos grandes mercados desenvolvidos, como Japão (epicentro da crise), Europa e Estados Unidos. Por quê?
O que estamos vendo é um desmonte de trades que estavam muito crowdeados, como se diz no mercado, quando tem muita gente na mesma posição. Depois de 10 anos, o Banco Central Japonês subiu a taxa de juros, e todo mundo que estava fazendo dívida em iene e investindo nos mercados desenvolvidos teve que desmontar posição. E, além disso, dados da economia americana abaixo da expectativa levaram a um movimento de risk off.
E a América Latina?
A América Latina está fora do radar dos grandes investidores, então não há um movimento desmonte de posições, nem mesmo de saída pelo risk off. O único mercado latino que de fato estava tomando atenção internacional era o México, pela tese do nearshoring, de que os EUA iriam montar suas fábricas no país por estar mais perto. Essa era uma posição crowdeada no mercado também, mas que foi desmontada desde as eleições mexicanas, que elegeu um partido mais a esquerda e levou medo aos investidores internacionais de que mude a constituição. Já o Brasil está fora do radar há muito tempo por problemas internos.
Por que estamos fora do radar?
Não há interesse no Brasil por uma questão basicamente de política fiscal. O mercado de renda variável está pouco valorizado já há alguns anos. Por conta disso, para quem tem uma visão de longo prazo o Brasil pode ser interessante. Por isso, dizemos que o Brasil é um value call, mas não vemos um catalizador para mudar de direção nos próximos meses.
"O Brasil é um value call, mas não vemos um catalizador para mudar de direção nos próximos meses"
O México também?
Já o problema do mercado mexicano é o risco político e a mudança da tese do nearshoring. O mercado está esperando setembro, quando o presidente Andrés Manuel López Obrador vai apresentar as suas propostas para mudar a constituição ao novo parlamento, antes que chegue a nova presidente presidente Claudia Sheinbaum em outubro, para ter uma visão mais clara da política por lá. Nossa aposta é que vai ser mostrado que houve um exagero, não serão feitas mudanças tão radicais e os investidores irão voltar.
Como você lê essa correção no mercado? Ela pode seguir por mais tempo?
O mercado desenvolvido, em especial os EUA, estava renovando máximas. Essa correção agora foi rápida, mas não só era esperado como achamos que era necessária para tirar esses trades lotados de investidores. E essas correções podem durar mais alguns dias e que isso seja saldável, tem que seguir mais tempo. Quando acabar, vai gerar um nível de entrada interessante nos mercados globais.
Essa maior aversão ao risco pode impactar na atratividade dos mercados emergentes?
Não achamos. Esse movimento de risk off é a saída dos investidores do risco onde estavam, como tecnologia nos EUA etc. Já os emergentes, cair também um pouco, mas muito menos, pois já não há mais tantos investidores. Os investidores internacionais já deixaram o Brasil há um tempo. Essa é a verdade. Como se diz no mercado, os vendedores marginais são muito poucos...
Também vimos uma grande desvalorização do real e de outras moedas latinas. Isso deve continuar?
O peso mexicano deve continuar depreciando. Já o real já desvalorizou bastante, pelo tema do risco fiscal e agora teve mais esse movimento. Não achamos que tem mais margem para desvalorização. O que vai levar ou não a uma valorização é a conjuntura fiscal.
Essas moedas podem se tornar interessantes novamente?
De fato, se pensarmos que o Brasil está com ativos desvalorizados e com a moeda já no máximo de sua desvalorização seria um ponto de entrada interessante. Mas a verdade é que os investidores globais estão olhando outras coisas. Os problemas internos aqui no Brasil, que não ajudam a valorizar os ativos, e que depois dessa correção provavelmente os ativos lá fora ficaram bem interessantes. Mas se haverá alguma retomada de atratividade para a América Latina acreditamos que será para o México, que tem uma tese interessante com o nearshoring e foi duramente punido por ruídos políticos.