A polarização política nos Estados Unidos, que vem dividindo o país em dois blocos com rigoroso equilíbrio em termos de preferência popular pela terceira eleição presidencial consecutiva, explica em parte a impossibilidade de se prever com segurança um vencedor na disputa pela Casa Branca.

Até a véspera das eleições americanas, que ocorrem nesta terça-feira, 5 de novembro, todas as pesquisas continuaram cravando um empate técnico entre os dois candidatos presidenciais, a democrata Kamala Harris – vice-presidente na gestão atual de Joe Biden– e o republicano Donald Trump, que ocupou a Casa Branca entre 2017 e o início de 2021.

Iguais em tudo nas pesquisas, as duas campanhas bem que tentaram explorar um trunfo para “desempatar” essa disputa: a análise do desempenho da economia dos EUA sob os mandatos de Donald Trump e Joe Biden, os dois últimos presidentes dos EUA, ambos de partidos rivais.

Confrontando os dados, o resultado apenas reforçou esse equilíbrio. É o que revela uma comparação de quatro indicadores-chave - crescimento do PIB, inflação, taxa de desemprego e aumento da renda.

Sob Biden, o PIB cresceu mais e a taxa de desemprego foi a mais baixa em 70 anos. Sob Trump, a inflação foi muito mais baixa e o crescimento da renda, muito mais elevado que no governo que o sucedeu.

Analistas advertem, porém, que os resultados das gestões Biden e Trump foram fortemente impactados pela pandemia, que teve início no último ano de mandato do republicano e virou de cabeça para baixo os planos de governo do democrata.

Trump tem recorrido aos resultados econômicos de seu mandato para celebrar uma suposta vantagem em relação a Harris, que representa o legado de Biden nesse tema. A ironia é que o indicador mais importante para se medir o desempenho econômico de um país, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), é amplamente favorável aos democratas.

Durante os primeiros três anos de Trump no cargo, o PIB ajustado pela inflação cresceu a uma taxa anual de 2,8%, do quarto trimestre de 2016 ao quarto trimestre de 2019. Então veio a pandemia e o PIB foi duramente atingido. Com isso, a taxa média anual de todo o mandato do republicano ficou em 1,8%.

O PIB sob o governo Biden cresceu mais em parte porque o país começou a se recuperar fortemente dos efeitos da pandemia durante seu primeiro ano no cargo. Do fim de 2020 até o segundo trimestre deste ano, o PIB real cresceu a uma taxa anual de 3,2%, índice maior do que o esperado antes da pandemia.

No acumulado, o PIB dos EUA cresceu 7,6% durante os quatro anos de Trump no cargo – bem menos que o avanço de 11,8% durante a gestão Biden. O democrata deve fechar seu mandato com maior crescimento do PIB desde a presidência de Bill Clinton (1993-2001).

Fator inflação

Se na pandemia o PIB ajudou Biden, a inflação dela decorrente prejudicou – e muito – a avaliação do seu governo e as chances de Harris vencer a disputa pela Casa Branca. Neste tema, Trump leva grande vantagem.

De janeiro de 2017 a janeiro de 2021, a inflação dos EUA com o republicano na Casa Branca subiu 7,8% no acumulado. Sob Biden, disparou – até setembro, o índice de preços ao consumidora subiu quase 20% acima dos níveis de janeiro de 2021, maior aumento desde o primeiro mandato de Ronald Reagan (1981-1985).

Da mesma forma que a grande queda do PIB em 2020 foi mais reflexo da pandemia do que da liderança de Trump, o surto de inflação durante o mandato de Biden é em parte um efeito dos problemas na cadeia de suprimentos provocados pela pandemia, além do aumento nos preços do petróleo provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

O aumento da inflação pós-pandemia foi um fenômeno global, mas duramente sentido pelo americano comum, o que explica a percepção indicada pelas pesquisas de que Trump faria uma gestão econômica melhor que a candidata democrata.

O forte impacto causado pela pandemia também se estendeu aos índices referentes a emprego. Nos primeiros três anos de Trump na Casa Branca, até fevereiro de 2020, foram criados 6,7 milhões empregos.

A chegada da pandemia, porém, fechou 21,9 milhões de vagas de trabalho apenas entre março e abril daquele ano. A recuperação posterior não foi suficiente, e no fim de 2020 havia 2,7 milhões de empregos a menos do que no final de 2016.

Sob Biden, o crescimento do emprego tem acompanhado o crescimento do PIB. Em setembro, os EUA já haviam adicionado 16,2 milhões de empregos desde janeiro de 2021.

Outro índice correlato, a taxa de desemprego, também favoreceu Biden no geral, embora Trump tenha tido bom desempenho neste quesito. Caiu de 4,7% quando Trump assumiu o cargo para 3,5% na véspera da pandemia. Depois, atingiu seu nível mais alto já registrado e fechou em 6,4% em janeiro de 2021, quando Trump passou o cargo.

Sob Biden, o índice de desemprego foi caindo até atingir 3,4% - a menor taxa em 70 anos. Mas, desde então subiu e hoje está em 4,1%.

Por fim, Trump levou a melhor na comparação com o democrata no quesito renda familiar, que cresceu fortemente durante os primeiros três anos do republicano no cargo e depois caiu em seu último ano, também efeito das distorções relacionadas à pandemia.

Ao longo do mandato de Trump, a renda média real foi 8,2% maior em 2020 do que em 2016. Enquanto isso, sob Biden, a inflação pesou muito sobre a renda familiar, especialmente em 2022.

No ano passado, a renda média real aumentou 1,3% em relação a 2020, mas mesmo a estimativa de que a renda dos americanos avance mais até o final do mandato de Biden não vai impedir que, neste quesito, Trump vença de goleada.

A rigor, a comparação das gestões dos últimos dois presidentes, de partidos rivais, reforça outra certeza: a capacidade limitada do ocupante de turno da Casa Branca de influenciar algo tão grande e complexo quanto a economia dos EUA, que movimenta US$ 28,78 trilhões e representa 26,1% do PIB mundial.