Em condições normais de temperatura e pressão, as decisões sobre taxa de juro pelo Federal Reserve (Fed) e Banco Central do Brasil – em posições opostas nos ciclos monetários – seriam o principal evento no início de novembro. Mas a política monetária cairá à segunda divisão.
O calendário será sequestrado pela eleição americana, marcada para terça-feira 5 de novembro, com resultado incerto e consequências idem. Bem ao contrário do desfecho esperado para a definição de juros no Brasil e EUA.
As reuniões seriam coincidentes, terça-feira e quarta, mas a eleição americana explica o adiamento do encontro do Fed que terá início na quarta, 6 de novembro, e conclusão na quinta, 7. No Brasil, o Copom mantém o ritual – começa na terça, 5, e termina na quarta, 6. “Superquarta” só ano que vem.
Para os dois encontros da próxima semana, as projeções estão sedimentadas. O mercado aposta na aceleração da alta da Selic a 0,50 ponto percentual, para 11,75%. E, para o mercado americano, na desaceleração do corte da taxa a 0,25 ponto, para o intervalo de 4,5% a 4,75%.
A precificação firme das taxas básicas é bem-vinda. Limita surpresas e permite que os mercados redobrem a atenção às eleições americanas. Atenção necessária, inclusive, porque pesquisas não apontam, por ora, um vencedor inconteste na disputa pela Casa Branca: se a democrata Kamala Harris ou o republicano Donald Trump.
Analistas de mercado estão debruçados sobre as propostas dos candidatos. E, embora distintas, ambas apontam para expansão fiscal que evidencia temores quanto à escalada da dívida pública dos EUA que já é de 123% do PIB.
“Seja quem for o eleito, as perspectivas são piores para o mundo e para o Brasil. Não pelo risco de que tarifas ampliadas possam comprometer o comércio internacional, mas pelo cenário de manutenção do juro alto, ou em queda muito mais lenta, e dólar forte”, avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator e professor da FEA-USP.
“O esperado aumento de tarifas, sinalizado por Trump, não vai coibir o comércio, até porque não se tem onde comprar determinados bens, a não ser na China. Mas as tarifas elevarão os preços. Portanto, a mais inflação, agravando o cenário para juro e câmbio nos EUA. Variáveis que, combinadas, prejudicam a atividade e a situação fiscal no Brasil, onde o juro já está alto e o dólar também”, afirma.
Em entrevista ao NeoFeed, Gonçalves lembra que Trump ou Harris terá o desafio de atender à classe média norte-americana “que é quem vota”. Uma percepção que fortalece a expectativa de que as políticas públicas serão expansionistas, seja quem for o candidato vitorioso.
Gonçalves alerta também para o pós-eleição. A despeito do resultado, a transição será “horrorosa” – fator de instabilidade para os mercados, diz.
“A eleição não termina no dia seguinte. E, se Trump perder, a galera vai para a rua. Tempos tumultuados virão, inclusive, com possível contestação de resultados ou judicialização do processo eleitoral. Mesmo depois da posse, o quadro é preocupante”, avalia o economista.
Analistas internacionais lembram que um governo Trump tende à redução de impostos, aumento de tarifas de importação, mais protecionismo portanto, e possíveis retaliações. Uma combinação inflacionária que desafiará o Fed.
Um governo Harris, avaliam, deverá prosseguir com políticas lançadas por Biden, especialmente na área ambiental, e mantendo o foco na classe média com redução de impostos para 100 milhões de pessoas e reeditando benefícios fiscais e incentivos para construção e compra de moradias.
“Relações perigosas”
Seja quem for o futuro presidente, a política de imigração tende a ser mais rigorosa. E a transição para uma economia de baixo carbono, um desafio. As relações externas estarão na ordem do dia e serão pautadas por maior tensão com a China, inclusive, por sua (forte e crescente) influência na América Latina.
A Moody’s Investors Service destaca, em relatório, a posição da China como o principal parceiro comercial da América do Sul e fonte de empréstimos na região em energia, infraestrutura e “nova-infraestrutura” – que inclui fabricação de veículos elétricos e outras indústrias de ponta, telecomunicações, energia renovável e linhas de transmissão de ultra-alta tensão.
Na contramão, a América do Sul tem relevância ao exportar para a China principalmente soja, petróleo e outras matérias-primas que o país precisa para seu desenvolvimento industrial, monitorado, aliás, pelo planeta.
Celeiro de matérias-primas, América Latina será, portanto, alvo de invulgar atenção na Casa Branca, pontua a Moody’s para quem o Partido Republicano ou o Democrata tentará combater o domínio chinês. Um governo Trump deverá buscar uma abordagem bilateral, em vez de colaborativa.
Já um governo Harris fortaleceria as relações com aliados e parceiros, no sentido de desenvolver respostas coordenadas às políticas da China que prejudicam as indústrias dos EUA, mantendo restrições específicas e interagindo com instituições multilaterais.
Para os especialistas da Moody’s, um governo Harris provavelmente faria um esforço mais consciente do que um governo Trump para oferecer aos governos latinos acesso ao mercado norte-americano e maiores oportunidades de financiamento de infraestrutura e investimentos.
E, nesse quesito, a energia limpa contribui para combater a influência chinesa na região. Harris provavelmente dará continuidade às políticas ambientais do governo Biden. Em contraponto, Trump deverá reduzir algumas das ações de Biden. Não à toa, o Partido Republicano sinaliza a eliminação de créditos fiscais de energia verde e apoia a indústria de combustíveis fósseis.
As eleições na maior economia do mundo têm implicações globais, não há dúvida. Mas também abrem um mar de incertezas para a América Latina em geral e, em particular, para o Brasil que, em 2025 assumirá a presidência dos Brics e a COP30. Novos desafios vão se impor ao governo Lula que não tem chance de errar. Inclusive, porque a “vitrine” do G20 está por um triz. Em 1º de dezembro, o Brasil passará o bastão para a África do Sul.