No início de setembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, demonstrou estar confiante na recuperação do grau de investimento pelo Brasil. Nas palavras dele, o País já “tem o grau de investimento, mas além dos modelos matemáticos, há o fator subjetivo”.

O caminho, porém, não parece tão simples. Na Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s, as três principais agências de rating, o Brasil precisa de dois degraus para chegar ao grau de investimento. E existem desafios importantes a serem vencidos pelo País antes da mudança na nota soberana.

“Vemos como um sinal positivo que o governo está comprometido com as metas fiscais. Mas, enquanto essas medidas não surtem efeito, o déficit geral continua sendo um desafio muito grande para o país”, diz Samar Maziad, vice-presidente e analista sênior de riscos soberanos da Moody’s, ao NeoFeed.

Maziad estará presente no Brazil Climate Summit, evento que ocorre em 18 de setembro, em Nova York, e afirma que o Brasil está vivendo uma mescla de situações. Por um lado, o crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2024 veio acima do esperado pelos analistas de mercado e foi o segundo maior do mundo no período, o que anima os investidores internacionais.

Na outra ponta, porém, o déficit fiscal exerce mais força do que o crescimento econômico, pois o indicador ainda está muito alto, em 10% do PIB. No primeiro semestre de 2024, o déficit primário do Brasil atingiu R$ 68,6 bilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Para base de comparação, no ano anterior, o Governo Central havia registrado resultados primários negativos de R$ 43,2 bilhões no mesmo período. Ao mesmo tempo, nos primeiros seis meses deste ano, a receita total alcançou R$ 1,3 trilhão, elevação real de 8,5% sobre o mesmo período do ano anterior.

Até o ano passado, o governo dizia que a meta de 2025 seria de um superávit nas contas de 0,5% do PIB. Porém, a nova meta estabelecida em abril deste ano é a de equilibrar receitas e despesas, zerando o déficit no período.

“Não acreditamos que as metas são muito ambiciosas. Porém, elas não são simples de atingir e, mesmo que sejam alcançadas, o país terá um desenvolvimento negativo”, afirma Maziad.

“No momento, para nós, é importante mostrar que existem ferramentas e medidas que serão implementadas para alcançar essas metas e assim conquistar a credibilidade do mercado”, complementa.

Com perspectiva conservadora, a executiva da Moody’s acredita que é preciso pensar mais em gastos do que em receita no momento, algo que o governo ainda dá pouca atenção. Para o Itaú Unibanco, por exemplo, a deterioração do quadro fiscal brasileiro vem de uma série de falhas do governo federal em controlar as despesas com programas sociais, o que pode tornar o arcabouço fiscal insustentável em 2025.

Maziad afirma que essa é uma conversa complexa, mas que deve entrar em pauta se o foco é conseguir equilibrar as contas do País. “A chave para isso é reduzir os gastos obrigatórios e a indexação de saúde e educação. Essas questões retornaram à pauta com o novo arcabouço fiscal, o que torna o corte de gastos muito difícil, mas ele é necessário se o país busca um equilíbrio fiscal”, diz ela.

Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista:

O que o Brasil precisa fazer para recuperar sua classificação de grau de investimento?
Temos tanto pontos positivos como menos positivos. Acredito que, do lado positivo, o desempenho do crescimento tem sido muito melhor do que era antes, isso é certo. Isso ajuda, é bom para a economia e para a dinâmica em geral. Por outro lado, o déficit geral continua a ser um desafio para o Brasil. É um sinal positivo que o governo está comprometido com as metas fiscais e que não estamos discutindo revisá-las, embora já tenham sido revisadas para baixo consideravelmente.

Então, qual é, de fato, o desafio?
O desafio é que não consideramos essas metas fiscais particularmente ambiciosas, mas mesmo que sejam difíceis de atingir, isso terá um desenvolvimento negativo. Para nós, é importante mostrar que existem ferramentas e medidas que serão implementadas para alcançar essas metas.

Quais são as expectativas em relação ao cumprimento das metas?
Temos expectativas mais conservadoras para o cenário fiscal. Quer dizer, as metas de déficit primário deveriam ficar zeradas para este ano e para o próximo. Porém, para nossa previsão, acreditamos que haverá um déficit primário maior neste ano e talvez no próximo, a menos que sejam implementadas mais medidas.

"Nossa previsão, acreditamos que haverá um déficit primário maior neste ano"

Falta clareza do governo?
Em nossa visão, ainda não está claro quais serão as medidas de receita no próximo ano. Além disso, é importante focar no lado dos gastos, que é algo sobre o qual o governo começou a falar, mas é uma conversa complexa.

Você acredita que o período prolongado de altas taxas de juros está impactando a alavancagem do País?
Os juros fazem diferença no lado fiscal, porque uma das principais restrições para a dívida soberana é o alto custo dos juros. A medida que consideramos é a relação entre juros e receita, ou seja, quanto da receita está sendo destinada ao pagamento de juros. No caso do Brasil, em comparação com outros países, essa relação é muito mais alta.

O ideal seria baixar a Selic?
Quanto mais tempo as taxas de juros permanecerem elevadas, mais isso impacta o custo de empréstimo do governo, e a um nível alto, isso se acumula. No entanto, é importante também saber que não é apenas a classificação de crédito que afeta o custo dos empréstimos, mas também o prêmio de risco, particularmente para prazos mais longos, e isso está mais relacionado à incerteza em torno do caminho fiscal.

Em resumo: vocês não estão confiantes?
Se tivermos mais confiança em relação à trajetória fiscal do mercado, se o mercado estiver mais confortável com a ideia de que as metas primárias serão cumpridas e eventualmente alcançar um superávit primário, isso ajudará a reduzir o custo dos empréstimos devido ao componente do prêmio de risco.

Quais efeitos a economia brasileira deve experimentar com uma possível redução da taxa de juros pelo Fed?
Acho que, ao longo do último ciclo, desde 2021, o Banco Central do Brasil tem seguido, de certa forma, uma política monetária mais independente em relação aos Estados Unidos. Relatórios mostram que o Banco Central brasileiro começou a ajustar as taxas de juros mais cedo, e agora, enquanto os EUA estão potencialmente prestes a fazer grandes cortes, há a possibilidade de aumentos de taxas no Brasil.

"O Banco Central do Brasil tem seguido, de certa forma, uma política monetária mais independente em relação aos Estados Unidos"

Isso significa que os bancos centrais estão menos interligados?
É possível perceber que as dinâmicas estão mais focadas na demanda doméstica, em vez de serem fortemente influenciadas pelas taxas de juros globais. Há alguma influência, mas não há um fluxo significativo de capital para o Brasil que traga um impacto substancial das taxas de juros internacionais. Em outros países, a conexão com as taxas de juros globais é muito mais forte.

Como esse cenário interfere os investimentos no Brasil?
No nosso ponto de vista, a incerteza fiscal cria muito ruído, o que dificulta a entrada de dinheiro no País. Estruturalmente, existem restrições, como gargalos de infraestrutura e resultados educacionais. Porém, o maior desafio continua sendo o ambiente de negócios, o sistema tributário complicado, que pode, ao longo do tempo, ser simplificado com a reforma tributária.

O potencial do País na transição energética é um ponto positivo?
O Brasil tem uma vantagem agora em termos de atrair tipos específicos de investimentos relacionados à transição energética, aproveitando a abundância de energia limpa e o potencial para expandir isso, não apenas com hidrelétricas, mas também com energia solar e eólica, áreas que estão gerando muito interesse.

Algum segmento que pode se beneficiar no curto prazo?
O Brasil tem uma forte vantagem no setor agrícola, o que é importante, especialmente com o aumento dos preços dos alimentos devido à guerra e outras questões. Existe um grande interesse em segurança alimentar e em construir essas capacidades no no país. Portanto, vejo oportunidades nessas áreas, especialmente na agenda verde, no desenvolvimento de energia verde e na atração de indústrias que possam se estabelecer no Brasil para aproveitar esse espaço disponível e expansível.