A crise causada pelas fracas vendas globais da montadora Stellantis – que tem em seu portfólio marcas como Fiat, Peugeot, Citroën, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Jeep, Ram, Lancia, Maserati e Opel -, que culminou com a saída do CEO Carlos Tavares no fim do ano passado, está começando a ficar para trás nos Estados Unidos, mercado estratégico para a montadora.
Num movimento que deve inspirar mudanças radicais da Stellantis em outros mercados, em especial o europeu, o braço americano da montadora decidiu voltar ao básico, oferecendo modelos a preços mais acessíveis e relançamentos para aumentar as vendas.
Sob comando de Antonio Filosa, nomeado diretor de operações da Stellantis na América do Norte em outubro, a estratégia prevê lançar novos modelos em categorias populares que haviam sido descontinuados sob a liderança anterior.
“Precisamos ter certeza de que, nos próximos 12 meses, vemos um caminho claro para atingir uma participação de mercado de dois dígitos”, diz Filosa.
Entre os novos modelos em estudo estão um substituto para o Jeep Cherokee, um dos SUVs mais vendidos de todos os tempos, que deixou de ser produzido nos EUA em 2023.
Outras apostas incluem retomar marcas que antes eram fortíssimas no país – Dodge e Chrysler -, cujas vendas e linhas de produtos caíram nos últimos anos, além de uma revitalização da picape Ram, que teve arquivados temporariamente os planos de vender modelo totalmente elétrico no ano que vem.
Em vez disso, a proposta de Tim Kuniskis , ex-chefe da Dodge e Ram que se aposentou poucos meses antes sob o comando de Tavares e agora foi recontratado, é lançar uma caminhonete Ram que funciona com bateria, mas tem um motor a gasolina reserva, como forma de reverter as vendas, que caíram 19% no ano passado.
Na prática, o objetivo da Stellantis nos EUA é desfazer o modelo implementado por Tavares, que foi o primeiro e único CEO da empresa criada em 2021 pela fusão entre o Grupo PSA e a Fiat Chrysler Automobiles até 1º de dezembro de 2024, quando renunciou ao cargo.
Em sua gestão, Tavares adicionou alguns modelos novos e cortou outros das várias marcas globais sob o guarda-chuva da Stellantis e foi inflexível sobre manter os preços de tabela altos, o que sempre gerou reclamações dos revendedores de que isso estava prejudicando as vendas e levando a um acúmulo de estoque não vendido.
Nos EUA, a crise foi mais sentida do que em outros países. A participação de mercado da Stellantis nos quatro anos em que Tavares liderou a empresa caiu de 12,5% para cerca de 8% no ano passado.
Em 2024, a montadora global teve apenas dois dos 20 modelos mais vendidos nos EUA – Jeep e Ram – e mesmo assim fora dos top 10.
O vexame da Stellantis no país dos automóveis no ano passado foi simbolizado pelo fiasco de vendas do Fiat 500e – a versão elétrica do popular Cinquecento, que não chegou a 500 unidades - e de outras marcas europeias, como Citroen e Peugeot.
Preocupada com o encalhe de vendas do Fiat 500e– cujo preço inicial, de US$ 34.095, era caro demais para os padrões dos EUA -, uma concessionária de Aurora, no estado do Colorado, anunciou uma promoção de 30 dias em dezembro que previa “aluguel de graça” do Cinquecento elétrico por 27 meses. Na verdade, os interessados teriam de arcar com o pagamento de impostos e taxas, que totalizam US$ 62 por mês.
Dodge e Chrysler
A estratégia da Stellantis de olhar para o retrovisor para retomar relevância é visível com a marca Dodge, que está trazendo de volta a versão com motor a gasolina do seu modelo Dodge Charger.
Já a Chrysler, que viu sua linha ser reduzida nos últimos anos - a empresa parou de fabricar o sedã Chrysler 300 e agora conta somente com duas minivans, incluindo a Pacifica -, planeja vender uma Pacifica renovada em 2026, seguido por um novo veículo crossover.
Os planos incluem um terceiro modelo inspirado em um carro-conceito futurista tipo cupê que lançou no início de 2024, o Halcyon. Um EV planejado foi temporariamente arquivado.
Chris Feuell, presidente-executiva da marca, espera dobrar as vendas para cerca de 300 mil por ano com o novo Pacifica e modelos futuros, uma perspectiva otimista em se tratando da Chrysler.
A gestão da marca nos EUA sob a Stellantis desagradou muita gente, incluindo Frank B. Rhodes Jr., bisneto de Walter P. Chrysler, que fundou a Chrysler Corporation em 1925.
Em um relato gravado em vídeo e divulgado no ano passado, o herdeiro fez uma proposta inusitada - convocou os investidores e trabalhadores para ‘salvar’ coletivamente a marca icônica ao lado da Dodge, Ram e Jeep.
Na gravação, Rhodes destacou a importância da Chrysler na história automotiva dos Estados Unidos e compartilhou suas opiniões sobre o estado atual da montadora, que chegou a ser ameaçada de fechar sua linha de produção caso as vendas não reagissem.
“A marca Chrysler, outrora um símbolo de inovação e engenhosidade americana, agora corre o risco de desaparecer na obscuridade devido ao que acredito serem decisões ruins e má gestão de seus atuais proprietários, Stellantis”, afirmou Rhodes, no vídeo.
Por enquanto, a ameaça de a Chrysler desaparecer foi deixada de lado.