Mesmo assumindo a presidência do Banco Central em meio a uma crise cambial, com desancoragem de inflação e pessimismo do mercado financeiro quanto à política fiscal do governo, o grande teste do novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, não ocorrerá este ano, mas sim em 2026.
Essa e outras previsões foram feitas por três economistas especializados em política monetária e com passagem pelo BC em diferentes épocas - Rodrigo Azevedo, Carlos Viana de Carvalho e Bruno Serra –, que participaram na terça-feira, 28 de janeiro, do LAIC2025, evento promovido pelo banco UBS.
“Não espero mudança relevante nesse começo de mandato do Galípolo no BC, a inflação está pressionando a popularidade do presidente e ele deve ter apoio para fazer o que precisa” afirma Azevedo, co- CIO da Ibiuna Investimentos, referindo-se ao fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter nomeado Galípolo para o cargo.
“O mandato dele, porém, impõe desafios, e o maior deles não será este ano e sim o de conduzir a política monetária num período eleitoral radicalizado. Por isso, o grande teste de Galípolo será em 2026”, acrescentou Azevedo, que foi diretor de Política Monetária do Banco Central entre 2004 e 2007.
Um dado que chama a atenção, segundo ele, é o fato de a inflação permanecer em elevação mesmo com juro real batendo próximo de 10%. Azevedo lembra que o descolamento de expectativa de inflação entre a última reunião do Copom, em dezembro do ano passado, e a próxima, que será na quarta-feira, 29 de janeiro, foi o mais elevado desde que o sistema de metas de inflação foi criado, em 1999.
“Estamos num ambiente em que estamos perdendo a âncora nominal”, adverte o CIO da Ibiuna, lembrando que, embora esteja vendo sinais de desaceleração da economia, se diz cético quanto à possibilidade trazer a inflação de volta à meta, pois o BC aumenta os juros e a inflação não cai.
“Neste ambiente, o tamanho da recessão que precisa ser criada para baixar a inflação é gigantesco. A dúvida é se o governo está disposto a pagar esse preço num ano eleitoral - sendo que o próprio presidente diz que 'já estamos em 2026’. Por isso, não acredito nessa possibilidade”, reforça Azevedo.
Bruno Serra, que foi diretor de Política Monetária do BC entre 2019 e 2023 e hoje lidera o fundo multimercado Itaú Janeiro, elogiou os movimentos de Galípolo durante a transição no Banco Central, facilitada pelo apoio do agora ex-presidente Roberto Campos Neto.
“Quem imaginaria um ajuste de três pontos percentuais na taxa de juros em três reuniões lideradas por Galípolo, indicado pelo atual governo?”, questionou, citando a última reunião do Copom – embora sob a presidência de Campos Neto, comandada por Galípolo – e o anúncio de que novos ajustes, de 1 pp cada, que vão ocorrer nas duas próximas.
Segundo Serra, o presidente do BC, com esse movimento, neutralizou a desconfiança do mercado de que poderia colocar os juros no nível necessário para trazer a inflação para baixo e ganhou tempo para executar a política monetária sem essa pressão.
O problema é daqui para frente, num cenário com o maior juro real em 20 anos, inflação em elevação, de 5,5% em 2025, e Selic a 15% ao ano. Ressaltando que não dá para dizer que a política monetária não está apertada, Serra observa que a política fiscal, que foi expansionista desde a posse do atual governo, começou a mudar de direção no segundo semestre de 2024.
“A política fiscal está perto da neutralidade. Por isso, o BC precisa ter calma em manter o juro apertado por um bom tempo em torno de 15%, principalmente por causa da proximidade do cenário eleitoral”, sugere Serra.
Impactos políticos
Carlos de Carvalho, chefe de pesquisa da Kapitalo Investimentos, ainda tem dúvidas se a economia vai desacelerar rapidamente, tendo em vista o surpreendente crescimento dos últimos anos, não previsto pelos economistas.
Mas, segundo ele, o choque de confiança ocorrido no fim do ano passado, com valorização do câmbio, perdas de condições financeiras e o cenário de aperto do crédito associado ao crescimento da inflação, devem levar à redução do ritmo de crescimento.
“O grande tema neste cenário são os impactos políticos dessa mudança”, adverte Carvalho, que foi diretor de Política Econômica e, depois, de Política Monetária do BC, entre 20016 e 2019.
Isso porque o mesmo governo agora pressionado estava no poder no melhor momento da economia em muito tempo, entre o fim de 2023 e início de 2024, com crescimento de 3% ao ano e inflação que chegou a rodar abaixo de 3%.
“A popularidade do governo vai sofrer, o que deve gerar novas reações de políticas fiscais e parafiscais para reverter essa crise de popularidade, o que é preocupante por conta dessa resposta à desaceleração da economia que é necessária para conter a inflação”, diz
Carvalho faz uma previsão do cenário futuro diante da política fiscal atual, incompatível com a estabilidade da dívida pública – o que fragiliza a política monetária do BC.
“A grande dúvida até o final do atual mandato do presidente Lula é como ele vai reagir à piora da economia e também do índice de popularidade”, afirma. Segundo ele, se houver uma certeza de que haverá mudança de política econômica – seja por parte do governo no mandato seguinte ou com eleição de novo presidente –, os mercados vão se animar.
“Num cenário de continuidade da atual política econômica, com a reeleição, por exemplo, o cenário vai certamente piorar”, adverte Carvalho. Um cenário intermediário seria com o governo acreditando que vai ganhar e o mercado apostando numa derrota eleitoral em 2026.
“Mesmo assim é difícil imaginar como os preços vão se comportar, de qualquer forma a tendência é que a economia piore, com aumento de prêmios e estresse, a não ser que uma derrota eleitoral do governo fique bem clara.”