O cenário de infraestrutura do País iniciou o ano cercado por uma enorme contradição. De um lado, a previsão de realização de mais de 110 leilões em 2025 para diferentes segmentos, entre concessões, privatizações e parcerias público-privadas (PPPs), com potencial de gerar R$ 250 bilhões em investimentos, a maior parte pelo setor privado.

De outro, a longa e interminável batalha para reduzir o número de obras públicas paradas, que de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) somam 11,9 mil, número que corresponde a 52% dos contratos em execução, mais da metade.

Uma ponte sobre o rio Araguaia, na divisa entre Tocantins e Pará, orçada em R$ 232 milhões e 95% concluída - mas com data de inauguração ainda incerta – faz a ligação entre esses dois extremos que rondam o setor.

A obra, que está parada, simboliza os principais gargalos que atingem o setor de infraestrutura do País - uma boa iniciativa soterrada por uma sucessão de problemas, como erros de projeto, demora para sair do papel por causa de briga judicial, falta de planejamento, burocracia lenta, desperdício de dinheiro público e prejuízos logísticos.

Com contrato assinado desde 2017, durante o governo de Michel Temer, e orçada inicialmente em R$ 132 milhões, a ponte com 1.724 metros de extensão liga os municípios de Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA). Foi idealizada como uma solução logística para escoar produção de grãos do Matopiba, fronteira do agronegócio que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

A travessia entre as duas cidades é feita por balsas e a ponte daria continuidade à BR-153, interrompida pelo rio Araguaia. Na época, o governo anunciou que a obra teria início no ano seguinte, 2018, com prazo para conclusão estipulado para 2021, beneficiando 1,5 milhão de pessoas da região.

Uma disputa judicial contestando a licitação vencida pelo consórcio A. Gaspar/Arteleste/V. Garambone, porém, levou ao adiamento do início das obras pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para 2020, três anos após a assinatura do contrato.

Como efeito desse atraso, os custos com o projeto foram reajustados para R$ 157 milhões, que seriam utilizados para construir uma plataforma de 12 metros de largura de pista e acostamento, além de calçadas com 1,50 metro de largura para cada lado.

Um erro crasso de projeto – que não previu incluir na licitação da ponte as obras de acesso dos dois lados – acabou gerando um novo atraso, que persiste até hoje.

Com extensão total de 2.010 metros, sendo 310 metros no lado do Pará e outros 1.700 metros no lado do Tocantins, os acessos sequer saíram do papel, pois a União ainda não fez o pagamento aos proprietários dos terrenos desapropriados na área de acesso para começar as obras.

Em nota, o Dnit afirmou que audiências conciliatórias para discutir as indenizações estão marcadas para este mês de fevereiro na Justiça Federal e "por isso, ainda não houve pagamentos".

Em meio a essa demora, o orçamento da ponte foi recalculado para R$ 204,2 milhões. Com o projeto dos dois acessos avaliado em R$ 28,6 milhões, os valores somados de ponte e acessos devem ultrapassar R$ 232,8 milhões, 75% a mais que o custo inicial – e previsão de entrega “para o segundo semestre de 2025”, nos cálculos do Dnit.

Depreciação do capital fixo

O economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, consegue dimensionar o que separa a expectativa otimista de investimentos em infraestrutura e a realidade das obras paradas, por meio de um indicador chamado índice de depreciação do capital fixo.

Segundo ele, o Brasil investe anualmente, em média, cerca de 2% do PIB em infraestrutura, entre investimentos públicos e privados. O indicador mede a proporção desses 2% do PIB que é necessária para repor a infraestrutura depreciada.

“Diferentemente dos diamantes, as infraestruturas não são eternas, têm vida útil que exigem manutenção regular, as consequências de ignorá-la são conhecidas, é o buraco na estrada, a ponte que cai e assim por diante”, afirma Frischtak.

Dos 2% do PIB investidos anualmente pelo País em infraestrutura, cerca de 1,4% do PIB são usados para repor custos de manutenção, dado que representa o índice de depreciação do capital fixo.

“Isso quer dizer que o restante é usado anualmente em investimentos em novas obras ou projetos, o chamado investimento líquido adicional, que é de 0,6% do PIB”, acrescenta. “É muito pouco, deveríamos ter um investimento líquido adicional anual de 3% do PIB, cinco vezes mais.”

Para Frischtak, esses dados indicam que o Brasil, além de investir pouco, não investe bem – “e se não investimentos bem, temos depreciação de infraestrutura”.

Em relação a obras paradas, os dados do TCU, de novembro passado, indicam que a grande maioria, cerca de 72%, refere-se aos setores de educação e saúde, como construção de escolas e de hospitais. Da área de transportes, como a ponte no rio Araguaia, são 108 casos catalogados.

O relatório do TCU, porém, aponta melhora nos indicadores. A área técnica constatou que 1.169 obras que estavam paralisadas em 2023 foram retomadas em 2024. Outras 5.463 obras foram finalizadas desde o levantamento anterior do TCU.

Para o economista da Inter.B, esses dados não resolvem a questão principal - as obras públicas brasileiras continuam apresentando problemas em todas as fases, no planejamento, programação, execução e fiscalização.

“A governança de investimentos públicos é falha, o que gera as distorções que vemos, como projetos de má qualidade e obras paradas”, diz Frischtak, o que segundo ele explica o fato de o Brasil ocupar o 51º lugar do índice de eficiência logística do Banco Mundial.

Outros dois especialistas consultados pelo NeoFeed apontam efeitos que se revertem em prejuízos incalculáveis dessa má gestão de obras públicas, como da ponte inacabada do rio Araguaia.

Ivana Cota, coordenadora da área de infraestrutura do escritório Ciari Moreira Advogados, afirma que em contratos do setor, os erros apontados no caso da ponte são recorrentes, mas cita a judicialização pós-licitação como o problema mais comum.

Segundo ela, o aumento de aportes privados de investimentos em infraestrutura e a melhora na estruturação de contratos são mais vistos em licitações de grande porte.

“As obras de menor porte, que muitas vezes envolvem questões locais de desapropriação ou conflitos fundiários, continuam sendo prejudicadas por erros de planejamento e pela falta de integração entre os diferentes níveis de governo”, adverte Cota.

Outro especialista, Fernando Gallacci, sócio do escritório Souza Okawa Advogados, observa que o desafio é estender as boas práticas da modelagem de licitações ao acompanhamento do cumprimento contratual.

“Não basta um projeto bem estruturado – isso, claro, é importante -, mas também é preciso ter um time de acompanhamento da execução contratual que tenha conhecimento e agilidade para lidar com as intempéries que não raro irão se desenrolar no investimento, seja ele grande ou de médio porte”, afirma Gallacci.