O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), lançado originalmente em 2007 e que se transformou em uma marca de investimentos públicos em infraestrutura dos governos petistas anteriores, está de volta.
E, como nos velhos tempos, traz consigo uma dupla de parceiros conhecidos: o BNDES, com apetite para financiar as obras, e as grandes empreiteiras - hoje nem tão grandes assim, desidratadas após a ofensiva anticorrupção causada pela Operação Lava Jato, em 2014, e a recessão econômica do País de 2015 e 2016.
Até para desvencilhar o novo PAC do legado que deixou pelo caminho durante todos esses anos – cerca de 45% das obras incompletas, muitas delas envoltas em má gestão e denúncias de corrupção –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá anunciá-lo com outro nome e novas regras no começo de julho.
O pacote prevê cerca de 3.000 obras com orçamento na casa de R$ 83 bilhões em recursos federais até 2026, de acordo com informações obtidas pelo NeoFeed.
O novo PAC vai ter de tudo um pouco: da retomada do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida – ampliado para atender famílias de classe média e com residências equipadas com painéis de energia solar no telhado – a concessões de rodovias federais, passando por investimentos nos setores ferroviário e marítimo, além de parcerias público-privadas (PPPs) e convênios com governos locais para a construção de hospitais, creches, escolas e obras de mobilidade urbana.
Também são esperados anúncios de conclusão de um trecho da ferrovia Transnordestina, entre Salgueiro e o porto de Suape, em Pernambuco, e financiamento de obras de saneamento tocadas por estatais estaduais.
O otimismo com o setor de infraestrutura, no entanto, exige cautela. Basta lembrar que o País ainda tem 14 mil obras paradas em contratos que somam R$ 144 bilhões, muitas delas originadas pelo mesmo PAC que volta agora repaginado.
“O PAC se insere num problema mais amplo referente aos investimentos públicos”, diz Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria especializada em análises econômicas e de infraestrutura. “Eles sofrem com falhas de planejamento, sem priorização clara de onde investir e com problemas de governança na programação, execução e fiscalização das obras.”
Além disso, segundo o especialista, o ambiente de negócios no setor de infraestrutura não é dos mais atraentes, com insegurança jurídica e tributária, que surgem como barreira para a entrada de novas empresas de engenharia, daqui e de fora.
"Nesse momento, há um vácuo de empresas de engenharia com poder de investimento para execução de concessões, por exemplo", adverte Frischtak.
O novo roteiro do PAC
Se o roteiro é velho, o Brasil do novo PAC é bem diferente daquele que marcou o governo Dilma Rousseff (2010-2016), último da gestão petista.
Em 2013, o ano pré-Lava Jato, o investimento público médio em infraestrutura do governo federal foi de R$ 178 bilhões. Na gestão Jair Bolsonaro (2019-2022) caiu para apenas R$ 78,8 bilhões.
O agravamento da crise das empreiteiras ocorreu quando a maioria tocava contratos de concessões fechados durante o boom do crescimento econômico (2007-2011), com previsão de grandes investimentos e cláusulas duríssimas em caso de descumprimento.
Como consequência, das 20 maiores construtoras do País em 2022, na relação divulgada em dezembro pela revista O Empreiteiro, apenas sete faziam parte do ranking de 2013.
Uma explicação para a renovação de 65% da lista foi a queda de dois terços da receita bruta do setor de engenharia e construção no período, que as empreiteiras se referem como “década perdida”.
A antiga Odebrecht, rebatizada de Novonor, é um exemplo. Embora mantenha a liderança do ranking, a OEC (seu braço de engenharia) fechou 2022 com uma receita de R$ 4,6 bilhões, menos da metade da Odebrecht em 2013 (R$ 10,1 bilhões).
A holding Novonor, em recuperação judicial, acumula dívidas de R$ 14 bilhões, a maioria contraída na última década. Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC também sofreram o baque.
O grupo das empreiteiras tenta agora renegociar o pagamento das cinco leniências firmadas com a União após a Lava Jato, que somam R$ 8 bilhões.
Claudio Medeiros, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), afirma que o setor teve de se reinventar.
“Logo em seguida da operação Lava Jato veio a crise econômica, o governo reduziu os investimentos em obras públicas e todas as empresas tiveram dificuldades em obter empréstimos para tocar as concessões e obras”, afirma Medeiros.
Segundo ele, as grandes empreiteiras passaram por um processo de transformação, seja de governança, com adoção de normas de compliance, ou com mudança de foco no negócio.
“Não teve fórmula mágica ou padrão: algumas se voltaram ao setor privado, outras saíram do mercado internacional e focaram no mercado doméstico, muitas venderam ativos para pagar dívidas e boa parte reduziu de tamanho ou vendeu concessões”, diz o presidente do Sinicon.
Julio Perdigão, presidente da OTP – braço da OEC de concessões rodoviárias –, afirma que quando a crise se agravou, a empresa tinha 14 ativos.
“Chegamos a ser a segunda maior em concessões, muitas recém-conquistadas, que dependiam de crédito para se alavancar”, lembra Perdigão.
Em paralelo, a partir do auge da recessão econômica (2014-2016), houve uma grande reconfiguração da presença do Estado na economia.
O dinheiro público ficou curto
Nos governos de Michel Temer e, depois, de Jair Bolsonaro, o orçamento público em infraestrutura encolheu, abrindo caminho para investidores privados suprirem a demanda, obtendo concessões de rodovias, aeroportos e saneamento básico ou em parcerias público-privadas (PPPs).
Entre as dez maiores empresas de obras de infraestrutura do ranking atual, construtoras pouco conhecidas fora do setor, como Fagundes (6ª) e Agis (7ª), ganharam espaço. Gigantes do exterior também entraram no jogo.
A espanhola Acciona (4ª do ranking), por exemplo, assumiu as obras da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, ao comprar o contrato do consórcio Move São Paulo, que havia sido formado pela Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC – que haviam caído na malha fina da Lava-Jato. Mais recentemente, a Acciona assumiu a concessão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Na prática, muitos fundos de investimento internacionais adquiriram concessões. Parte das grandes empreiteiras, que antes eram investidoras, passou a atuar como prestadora de serviço.
Investimento privado
Mesmo com orçamento reforçado, o novo PAC não deve alterar o cenário dos investimentos gerais de 2023 em infraestrutura. A previsão é de 11% de crescimento em relação ao ano anterior, puxado pelo setor privado.
De acordo com a Carta de Infraestrutura 2023, relatório elaborado pela consultoria de negócios Inter.B, o setor deverá receber R$ 204,6 bilhões em investimentos neste ano, o equivalente a 1,95% do PIB – ainda distante da média anual de 4% do PIB necessários, de acordo com especialistas.
Do total de recursos, R$ 132 bilhões – ou 65% – sairão da iniciativa privada. O aporte público, concentrado em transportes e saneamento, é de cerca de R$ 73 bilhões.
Dos cerca de R$ 22 bilhões para investimentos em 2023 anunciados pelo Ministério dos Transportes, R$ 500 milhões são destinados para ferrovias. Os R$ 21,5 bilhões restantes devem ir para o setor rodoviário, sob supervisão do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Frischtak, da Inter.B, acredita que uma parte desse orçamento do ministério será incorporado pelo novo PAC, incluindo obras de mobilidade urbana, por meio de repasses aos governos estaduais.
“Quando elaboramos o relatório da Inter.B soubemos por agentes do setor que o DNIT teria capacidade de executar este ano pelo menos R$ 11 bilhões para o setor de rodovias”, diz Frischtak.
O PAC ajuda, mas não é suficiente
A perspectiva de retomada de obras com o novo PAC ajuda, mas não é suficiente para que as grandes empreiteiras que desceram ao inferno durante a Lava Jato retomem rapidamente o protagonismo anterior.
A bola de neve gerada pela falta de investimentos para tocar os grandes contratos fechados durante o período de bonança abriu uma crise dentro da crise nas empreiteiras: a devolução de dez grandes concessões, herança da crise da “década perdida”.
O pacote inclui seis rodovias federais, uma ferrovia (Malha Oeste, em processo de devolução pela Rumo desde julho de 2020) e três aeroportos.
Desse grupo, duas concessões tiveram processo concluído. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) foi relicitado e vencido pela Zurich Airport por R$ 320 milhões.
A Rota do Oeste, trecho de 850 km da BR-163 entre os municípios Itiquira (MT) e Sinop (MT), sob concessão da OTP, foi absorvida pelo governo do Mato Grosso.
O problema foi detectado pelo poder público quando ficou claro que as concessionárias não iam conseguir cumprir os contratos assinados ainda no governo Dilma.
Em 2017, foi editada a Lei de Relicitações, permitindo que as concessionárias devolvessem voluntaria e consensualmente seus contratos.
Inicialmente, o objetivo era organizar uma nova licitação. Mas problemas regulatórios, envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU), e pressões políticas e econômicas acabaram gerando uma solução pragmática.
“Relicitar é uma discussão sem fim, demora de 4 a 5 anos para retomar o investimento, daí surgiu a ideia de renegociar os contratos com as concessionárias, com supervisão do TCU”, diz Perdigão, da OTP.
“Falamos ao poder concedente: o setor está machucado, sofrido, basta olhar as ações da Eco e da CCR, todas andando de lado, a Arteris em processo de solução societária, nós, da OTP, Grupo Pátria e Ivepar, baleados”, acrescenta.
Novos modelos de contratos
Ainda na esteira das soluções pragmáticas, surgiu um movimento, entre o final do governo anterior e início do atual: novos modelos de contratos de concessões, que acabaram sendo consolidados com o apetite do governo Lula em investir em infraestrutura, principalmente na malha rodoviária.
Em um evento realizado há duas semanas na B3, em São Paulo, batizado de Brasil Road Invest 2023, o Ministério dos Transportes e o BNDES apresentaram a carteira de projetos de concessões de rodovias federais dos próximos 4 anos. Para 2023, por exemplo, já estão definidos os editais de cinco concessões, que somam 2.427 km e orçamento de R$ 66 bilhões.
Além disso, foi anunciado o avanço de negociações de uma solução consensual, via TCU, de quatro concessões com dificuldades, que após acordo deverão destravar investimentos de R$ 20 bilhões. De quebra, foi anunciado no evento outros 24 projetos de concessões rodoviárias federais para o biênio 2024-2026.
Entre as novidades nos contratos, que já serão incorporados nos cinco editais deste ano, foram citados pelo Ministério dos Transportes menores tarifas com aportes, implantação obrigatória de free flow, além nova metodologia para definição de ciclo de investimentos.
Na outra ponta, o BNDES passou a atuar como indutor do investimento, ajudando os projetos a se alavancar. Uma equipe do banco especializado no setor rodoviário analisa cada edital com os potenciais interessados nos leilões. Quando sai o resultado, esse conhecimento prévio agiliza a aprovação do financiamento.
“Teve projeto que a gente aprovou em apenas dez meses, entre o lançamento do edital e assinatura do financiamento, antes levava até um ano e meio”, diz Felipe Borim, superintendente da Área de Infraestrutura do BNDES.
Do lado das empreiteiras, porém, existe a confiança de retomar os contratos com o governo sob um novo cenário.