Em reestruturação há mais de três anos, a Natura se acostumou a alternar boas e, principalmente, más notícias ao mercado. Foi assim, por exemplo, em março deste ano, na divulgação do balanço de 2024, quando as ações derreteram 29,94% após surpresas negativas em despesas e margens.
À medida que essa trajetória de altos e baixos tem sido uma frequente a cada trimestre, uma outra questão vem ganhando uma força diretamente proporcional entre investidores e analistas: a falta de clareza sobre a evolução do turnaround e os rumos da operação.
Esse grau crescente de incerteza foi a senha para que a Natura decidisse realizar o seu Investor Day na segunda-feira, 30 de julho, em suas instalações em Cajamar (SP), após um período distante desse formato. E usasse a ocasião para tentar responder a muitas das interrogações do mercado.
“Estamos muito tempo sem um encontro cara a cara”, afirmou João Paulo Ferreira, CEO da Natura, na abertura do evento. “Nós entendemos que deixamos de dar visibilidade a vocês e, por isso, hoje vamos mostrar mais detalhes para que voltem a nos considerar em seus portfólios.”
Uma outra data marca a tentativa de estabelecer esse novo diálogo com o mercado. Na próxima quarta-feira, 2 de julho, as ações da empresa, sob o código, NTCO3, serão substituídas por um “novo” ticker na B3. As ações voltam a ser negociadas com o código NATU3, o mesmo usado no IPO do grupo, em 2004.
Esse é o último passo para a incorporação da Natura&Co - o nome por trás do sonho malsucedido de criar uma plataforma global de cosméticos - pela Natura Cosméticos, a empresa que foi o ponto de partida para essa ambição, que, por sua vez, se traduziu nas aquisições da Avon, Aesop e The Body Shop.
“O que nós vivemos nos ensinou a ser muito mais criteriosos na alocação de capital e na busca pelo retorno”, disse Ferreira. “Estávamos explorando coisas que conhecíamos pouco. Agora, vamos explorar o que conhecemos muito, sem inventar, sem olhar para as estrelas.”
Com essa orientação e partir da simplificação da estrutura, consolidada agora com “volta às origens” também na B3, o executivo deixou bem claro que o foco estará centrado na Natura. O que não significa que a Avon, única grande marca restante do sonho global, não terá um papel estratégico nesse cenário.
“A jornada de penetração da Avon traz muito potencial de trazer novos lares e consultoras que depois serão progressivamente expostos aos produtos da Natura”, disse. Ele acrescentou que a marca Avon é bastante conhecida no México, o país que, ao lado do Brasil, será o foco da Natura daqui em diante.
O México foi o último no qual a Natura ingressou na América Latina. No país, onde desembarcou em 2004 e mantém 10 lojas próprias, a Avon traz uma alavanca imediata, ao dobrar o conhecido batalhão de consultoras do grupo para cerca de 500 mil vendedoras.
Por lá, os planos passam por frentes como o início da expansão via franquias – o que inclui parte do legado de lojas da The Body Shop. Além da oferta de ferramentas digitais que apoiam essas consultoras, turbinadas por inteligência artificial e já disponíveis no Brasil, também no mercado mexicano.
Joia escondida
Uma outra vertente “nas mãos” das consultoras brasileiras e que Ferreira chama de a “joia escondida” da Natura também está ganhando destaque no grupo. E, com esse status, começa a ser embarcada para o México e outros países. Trata-se da Emana Pay, braço de produtos e serviços financeiros da Natura.
No Brasil, a plataforma já opera com subadquirência e na concessão de crédito, além de concentrar os fluxos de pagamento das consultoras. O que, por sua vez, dá a Natura acesso a dados essenciais tanto para a oferta de empréstimos como para balizar outras estratégias do grupo.
Já na América Latina, a estreia recente da Emana Pay aconteceu na Argentina e, posteriormente, com a chegada ao México. Nas duas geografias, esse pontapé se deu por meio dos negócios de subadquirência.
“Vamos fazer uma construção cuidadosa. O mais importante é o ganho de produtividade que isso traz para as consultoras”, disse o CEO. “A Emana Pay foi responsável por boa parte da nossa expansão de receitas nos últimos três anos. E será um motor importante da expansão de receita da região Hispana.”
Na América Latina, outra grande aposta é a onda 2 – a integração dos negócios da Avon e da Natura – prevista para ser concluída até o fim de 2025. México e Argentina, que respondem por 70% dos negócios na região, excluindo o Brasil, são os dois países que faltam para completar esse processo.
“Essa é uma das grandes alavancas de rentabilidade na região, pois tudo o que fizemos até agora representa menos de 30% do nosso negócio”, disse Diego de Leone, responsável pela região Hispana. “As outras duas serão a padronização de sistemas e modelos, além do cross-sell, com foco na Natura.”
Em paralelo, no mapa completo da “nova” Natura, recuperar a marca Avon, que tem sido um fator de peso nos últimos balanços, é outra prioridade. Uma das bases para que isso aconteça é um trabalho realizado nos últimos seis meses, no qual a empresa se aprofundou na operação.
“Uma das coisas que identificamos é que a Avon ficou muito tempo sem inovações relevantes”, disse Tatiana Ponce, CMO e responsável pelo P&D da Natura. “E Natura e Avon são marcas complementares. Estamos falando de reposicionamento de público e audiência. E de uma revisão completa de portfólio.”
Ela ressaltou, porém, a tese de seguir a ótica de alocação disciplinada de capital e do foco na busca por retorno. “Não iremos investir mais na Avon para sangrar em outro lugar. É muito mais um investimento que já estava planejado, mas no lugar certo.”
Com esse mesmo olhar, Silvia Villas Boas, CFO da Natura, destacou que a empresa ainda tem muito espaço e avanços para capturar com a integração da Avon em duas ressalvas no balanço da companhia: as despesas e as margens.
“Nesse processo, ainda sem contabilizar Argentina e México, nós capturamos 520 pontos base de margem bruta desde 2022”, disse ela. “A margem da Avon sempre será menor, devido ao posicionamento mais acessível. Mas com um portfólio menor e mais direcionado, podemos reduzir esse gap.”
Nessa direção, a CFO apontou que a expectativa é seguir expandindo a rentabilidade, ano contra ano. E que, a partir de 2026, com o fim do ciclo de integração e a captura plena dos benefícios da onda 2, virá o fim da era do “Ebitda ajustado” e o foco total na alocação de capital. Mas com uma ressalva.
“Os trimestres não serão lineares. Teremos volatilidade entre eles. Mas nosso compromisso é a rentabilidade ano contra ano. O ano fechado”, afirmou a executiva. “Obviamente que não queremos repetir o quarto trimestre de 2024, por isso essa comunicação cada vez mais próxima com o mercado.”
Nesse ponto, porém, a Natura permaneceu sem dar uma resposta ao que se consolidou, nos últimos trimestres, como a grande dúvida do mercado: qual será o destino da Avon International, ativo cujas opções, já divulgadas, são a venda ou a separação.
“Hoje, temos um time dedicado a essa tarefa, de forma que o management não seja distraído”, disse Ferreira. “A separação está a caminho e vai acontecer. Enquanto isso, iniciamos uma reestruturação agressiva nessa operação e esperamos que ela não consuma mais caixa que em 2024.”
As ações da Natura encerraram o pregão dessa segunda-feira com alta de 1,66%, cotadas a R$ 11,05. No ano, os papéis acumulam, porém, uma desvalorização de 13,4%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 15,1 bilhões.