Ele está chegando. A quem o receber, promete fazer as vezes de mordomo e faxineiro. Atender à porta, servir à mesa e regar as plantas. Passar o aspirador de pó, lustrar os móveis, limpar as janelas e… incansável e impassível, não fará muxoxo nem para o mais enfadonho dos afazeres domésticos.
Por vezes, porém, ele pode parecer desajeitado. Tropeçar do nada e ter dificuldades para realizar tarefas aparentemente simples, como carregar a máquina de lavar louça. É preciso um pouco de paciência, pois ele só aprende o trabalho trabalhando. E seu criador, o engenheiro norueguês Bernt Børnich, está à procura de “professores” para o robô humanoide Neo Gamma.
Cofundador e CEO da startup 1X, ele espera, até o final do ano, enviar sua "criatura" para uma centena de residências no Vale do Silício, nos Estados Unidos, como anunciou recentemente. “Queremos que ele viva e aprenda entre as pessoas e, para isso, precisamos que o levem para casa e nos ajudem a ensiná-lo a se comportar”, diz o empreendedor, de 42 anos, à plataforma TechCrunch.
Se o empresário conseguir mesmo seus clientes iniciais ainda em 2025, Neo será o primeiro humanoide doméstico a sair do laboratório para o mundo real.
Humanoides são máquinas projetadas para se parecerem com humanos, alimentadas por inteligência artificial. E, como toda IA, o robô só pode ser ensinado se for abastecido com dados. Nesse caso, a rotina de seu dono, na intimidade de seu lar, captada por câmeras e sensores instalados em Neo — muitas vezes, em tempo real.
Por isso, o sucesso da busca de Bernt por clientes depende de quão confortáveis as pessoas se sentem em pagar algumas dezenas de milhares de dólares (o preço ainda não foi definido) para colocar uma tecnologia ainda experimental dentro de suas residências, convivendo tão próxima de suas famílias.
Com cerca de 1,6 metro e 30 quilos, Neo é revestido por uma malha de nylon tricotado para reduzir potenciais ferimentos de seu contato com humanos. Mesmo assim, e se o Wi-Fi falhar, e ele cair em cima de uma criança? Ou de um animal de estimação?
Quem levar Neo para casa deve também estar disposto a compartilhar sua privacidade com a 1X. Como ainda não é 100% autônomo, de vez em quando, o robô precisa de ajuda para circular pelo mundo físico. Nesses momentos, a equipe da startup entrará em ação para guiá-lo remotamente, por meio de headsets de realidade virtual e joysticks sem fio.
Mas, como o CEO explica ao The New York Times, os cientistas da 1X apenas assumirão o controle com O.K. do proprietário, expresso em um aplicativo de celular. Bernt garante ainda: as informações só serão trabalhadas pela empresa 24 horas depois de coletadas. Assim, dá tempo para apagar os dados que o cliente, porventura, não deseja dividir com a startup.
"O que estamos vendendo é mais uma jornada do que um destino”, diz ele ao jornal americano. "Vai ser um caminho realmente cheio de obstáculos, mas Neo fará coisas que são verdadeiramente úteis.” O empresário reconhece: a tecnologia ainda está longe da autonomia e da escala comercial, como todos os humanoides em desenvolvimento, sejam eles domésticos ou não.
Graças aos avanços em hardware robótico e tecnologias de IA, porém, as máquinas hoje aprendem novas habilidades com mais facilidade e rapidez. E, no rastro dos progressos, a efervescência da indústria de humanoides só faz aumentar.
Nos últimos sete anos, globalmente, os cheques de venture capital, assinados por gigantes como OpenAI, Microsoft, Amazon e Sequoia Capital, entre outras, somaram quase US$ 5 bilhões, informa a consultoria PitchBook. Da dinheirama, US$ 1,6 bilhão foi aportado somente em 2024 — o maior pico de financiamento desde 2018, com US$ 913,8 milhões.
“Esses investimentos refletem a forte confiança no potencial dos robôs humanoides para revolucionar várias indústrias, particularmente ao lidar com a escassez de mão de obra e aumentar a produtividade”, escreve o analista Ali Javaheri, especialista em tecnologias emergentes, em relatório da Pitchbook.
Em um movimento avaliado em US$ 1,55 bilhão, no ano passado, as máquinas-humanas devem avançar até 2030, no mundo todo, a uma taxa de crescimento anual composta de 17,5%, no cálculos da Grand View Research.
No caos doméstico
Entre companhias como Tesla, Figure, Cobot, Sanctuary AI, Plus One Robotics e Apptronik, a 1X é “única” por sua abordagem home-first, como define a TechCrunch. A maioria dos robôs tende a focar na operação em armazéns e fábricas — ambientes rigidamente controlados, com tarefas bem definidas e, normalmente, repetitivas; o que facilita o treinamento das máquinas.
No universo doméstico, é tudo mais complicado. Os humanoides têm de lidar com uma lista de afazeres tão extensa quanto diversa. Além de úteis, precisam ser confiáveis, acessíveis, mais seguros do que seus equivalentes industriais e… estar preparados para enfrentar o caos da vida cotidiana. Os imprevistos são muitos; se houver criança, gato ou cachorro na casa, então nem se fala.
Até agora, a 1X se saiu bem. Não à toa, tem atraído a atenção de algumas das empresas mais relevantes do ecossistema de inovação tecnológica, seja por meio de investimentos ou parcerias.
Nascida em 2014, como Halodi Robotics, a startup foi rebatizada oito anos depois, com a chegada aos negócios de Eric Jang. Então pesquisador do Google, ele ensinava novas competências a robôs, por meio de modelos matemáticos que imitam o funcionamento do cérebro humano, as chamadas redes neurais.
Foi assim que Neo aprendeu a se comportar quase com uma pessoa de verdade. Durante meses, uma versão digital do humanoide foi treinada em um ambiente semelhante ao de um videogame. Em seguida, os cientistas da 1X transferiram todo o conhecimento aprendido pelo robô virtual para o robô físico.
Neo então foi capaz de caminhar, sentar, levantar, pegar e apertar botões, por exemplo. Mas a física envolvida em algumas tarefas domésticas é extremamente complexa. Não dá para ensinar como dobrar uma camisa virtualmente. Por isso, a 1X precisa coletar dados em casas reais.
Hoje, com 200 funcionários, espalhados por escritórios nos Estados Unidos e na Noruega, a stratup já levantou US$ 125 milhões, junto a companhias como OpenAI e Tiger Global. Embora desenvolva seus sistemas internamente, a 1X, de vez em quando, cotreina modelos de IA com equipes de fora, como aconteceu recentemente com a Nvidia.
O sonho de milênios
Apesar do entusiasmo em torno dos humanoides (domésticos ou industriais), o cenário ainda é de altas expectativas e limitações práticas. Sua ampla incorporação à vida cotidiana ainda é uma realidade distante, defende Javaheri, da PitchBook.
Um dos principais obstáculos à onipresença dos robôs é o custo, devido à complexidade do design e da alta tecnologia embarcada. Dependendo das capacidades e aplicações do modelo, os gastos variam de US$ 20 mil a US$ 1 milhão.
Há de se considerar ainda a eficiência energética das máquinas. A locomoção bípede e os complexos sistemas de processamento sensorial consomem muita energia, exigindo recargas frequentes.
“Além disso, a sofisticação dos algoritmos de IA e ML [machine learning; aprendizado de máquina] também apresenta um desafio, pois, apesar do progresso considerável, os robôs humanoides ainda ficam atrás das capacidades humanas em termos de tomada de decisão, adaptabilidade e compreensão de interações humanas diferenciadas”, escreve Javaheri. “Essas limitações, combinadas com preocupações éticas e sociais contínuas, como deslocamento de empregos e questões de privacidade, tornam a implantação prática de robôs humanoides uma questão complexa.”
Enquanto os roboticistas se dedicam a superar todos esses entraves, a humanidade continua a sonhar com humanoides à sua imagem e semelhança, como faz há milênios.