Uma nova ordem mundial está redefinindo os investimentos globais. E os metais preciosos podem ser o investimento da década. Essa é a visão de Robert Minter, diretor de estratégia de investimentos e ETF da Aberdeen, a gestora britânica com cerca de US$ 500 bilhões sob gestão, em entrevista ao NeoFeed.

Para Minter, o mundo está diante de uma mudança estrutural que está transformando as perspectivas de investimento para os próximos anos. Números recentes dão essa indicação. Neste ano, a valorização já bateu os 30% - ouro, prata e cobre estão com rentabilidade acima dos principais índices de bolsa dos EUA e da Europa, com alta de 5% e 7%, respectivamente.

Mas essa não é apenas uma valorização passageira impulsionada por especulação ou medo. Há três fatores que convergem para criar um cenário único. O primeiro deles são os bancos centrais, que estão comprando ouro em volumes recordes para diversificar reservas e reduzir a dependência do dólar.

"Não vemos o fim imediato do dólar como moeda de reserva, mas o aumento de compra de ouro pelos bancos centrais, como diversificação por questões geopolíticas, tem impacto real nos preços", diz Minter.

O segundo fator é a a explosão da demanda por eletrificação e transição energética, que está criando escassez de metais industriais.

A soma desses dois pontos vai de encontro ao terceiro fator: é necessário um ciclo de 18 anos para que uma nova oferta de metais preciosos chegue ao mercado, criando um descompasso estrutural entre oferta e demanda.

"Passamos por ciclos no mercado e estamos saindo de um período em que todo o foco estava em ativos financeiros, em coisas que podiam ser criadas financeiramente. Agora, acredito que estamos voltando para um momento em que coisas físicas e reais importam", afirma Minter.

Isso significa que investidores que ignorarem essa mudança podem estar perdendo uma das maiores oportunidades de diversificação e proteção de portfólio dos últimos anos.

O diretor de estratégia da Aberdeen projeta que o ouro pode chegar a US$ 3.700 a onça-troy até o fim de 2025 (mais de 10% de valorização sobre a cotação atual) e recomenda que investidores tenham entre 5% e 15% da carteira em metais preciosos.

Confira, a seguir, os principais trechos de sua entrevista ao NeoFeed:

Robert Minter, diretor de estratégia de investimentos e ETF da Aberdeen
Robert Minter, diretor de estratégia de investimentos e ETF da Aberdeen

O que está por trás da valorização de cerca de 30% do ouro: inflação, influência geopolítica?
Isso me incomoda um pouco, porque poucos estão entendendo o que realmente está acontecendo. Historicamente, o que movia o preço do ouro eram os juros reais, ou seja, o rendimento dos títulos do Tesouro descontada a inflação. Se os juros reais subiam, o ouro perdia valor, pois não gera fluxo de renda. Era assim que os investidores decidiam suas alocações em ouro.

E o que mudou nessa dinâmica?
A mudança se acelerou há cerca de quatro anos, quando os bancos centrais passaram a ser o principal motor da demanda, comprando mais ouro para reservas e buscando diversificação frente ao dólar, por questões de possíveis sanções. Mas isso não começou com o Donald Trump, mas lá atrás, com George Bush, após o 11 de Setembro, quando houve sanções ao Irã, Coreia do Norte e outros casos. Ter ouro ajuda esses países a diversificarem o risco do dólar. Não é uma "guerra cambial", é apenas gestão de risco, como qualquer gestor de portfólio faria. É importante entender isso porque marca uma mudança estrutural no mercado de ouro.

Que mudança estrutural é essa? Pode quantificar esse impacto?
Para se ter uma ideia, nos últimos três a quatro anos, os bancos centrais compraram mais de mil toneladas de ouro por ano, o que representa 25% da produção global de minas. É claro que isso impacta o preço. O ponto é que os juros deixaram de contar essa história. As pessoas estão errando ao atribuir a alta do ouro ao "trade de Trump" ou manchetes do tipo. Embora investidores individuais tenham comprado um pouco antes dos cortes de juros do Fed no ano passado e em fevereiro e março deste ano por questões de tarifas, isso é muito pouco para fazer esse preço. O grande driver continua sendo a demanda dos bancos centrais.

"As pessoas estão errando ao atribuir a alta do ouro ao 'trade de Trump'. O grande driver continua sendo a demanda dos bancos centrais"

O que você quer dizer é que o maior driver é uma influência geopolítica e não a corrida para o chamado porto seguro dos investidores individuais?
Para investidores individuais, a diversificação é o ponto. Mas, para os Bancos Centrais, sim, há um fator geopolítico, mas em uma perspectiva mais ampla. Isso que eu gostaria de deixar claro. Não se trata de algo específico ao Trump. Isso começou com Bush, seguiu com Obama, Trump e Biden. É um movimento longo de estar preparado para uma possível retaliação americana.

Como isso se manifesta na prática?
Veja o caso dos BRICs. Há dois anos, seis novos países entraram no grupo e 40 solicitaram adesão. Alguns desses países estão em conflito entre si, mas buscam cooperação para diversificação geopolítica. Se analisarmos historicamente, nos últimos 500 anos, quando um poder dominante é desafiado por outro em ascensão, isso tende a levar a guerra, mas hoje estamos muito conectados para que isso aconteça da mesma forma. Acreditamos que haverá competição em algumas áreas e cooperação em outras. Por isso, não vemos o fim imediato do dólar como moeda de reserva, mas o aumento de compra de ouro pelos bancos centrais como diversificação por questões geopolíticas. E isso tem impacto real nos preços.

Podemos dizer que estamos diante de uma mudança estrutural na forma como o mundo vê o ouro em relação ao dólar?
Sim. Os EUA gastam muito e mandam dólares para o mundo todo, o que força outros países a usar o dólar como reserva e a China a comprar Treasuries. Outro fator é a quantidade de dívida emitida pelos EUA e outros países desenvolvidos, que precisaram seguir o mesmo ritmo para evitar desbalanceamento cambial e impactos nas exportações.

Como outras moedas se posicionam nesse cenário?
O euro, por exemplo, não tem força para se tornar uma moeda de reserva global do mesmo calibre porque a Europa não gasta o suficiente fora do bloco. Como depender menos do dólar, então? E se o dólar for questionado? Os bancos centrais estão elevando a porcentagem de ouro em suas reservas para se proteger de sanções e, em um cenário de eventual "reset" global de moedas, os valores seriam recalculados com base nas reservas de ouro.

Que tipo de estratégia é essa?
Até aí entendemos o movimento de defesa dos governos. Mas a questão é: "Quando os bancos centrais irão vender esse ouro?". Se essa não é uma operação de trade para eles, mas uma estratégia de acumulação de reservas caso ocorra uma grande crise cambial que exija um "reset" global de valores, talvez nunca.

E do ponto de vista do investidor, com essa alta nos preços do ouro, neste ano, ainda faz sentido esperar mais valorização?
Essa pergunta nos leva ao ponto inicial. Muitos artigos afirmaram que investidores correram para o ouro por medo de recessão ou tarifas, mas não é verdade. Se formos comparar com o que eles tinham antes da Covid-19 ainda estão subalocados. Quando os cortes de juros começarem, veremos investidores voltando a comprar ouro. O consenso é que teremos dois cortes do Fed ainda neste ano, o que deve impulsionar novas compras por investidores.

Isso deve levar a uma valorização? 
Exatamente. E isso é até um consenso do mercado. Alguns bancos de Wall Street falam em preços de US$ 4 mil ou US$ 5 mil para chamar atenção, mas nós não trabalhamos assim. Nossa meta é realística e acreditamos que até o fim do ano o preço chegue a US$ 3.700 a onça-troy.

"A alta do ouro está associada a bancos centrais, joias e investimento. Já a prata vem sendo usada principalmente em aplicações industriais"

Além do ouro, a prata também está tendo uma grande valorização. É pelo mesmo motivo?
Eu diria que quase todos os metais preciosos estão em franca valorização, mas por motivos muito diferentes. A alta do ouro está associada a bancos centrais, joias e investimento. Já a prata tem uma fração insignificante em joias e investimento, sendo usada principalmente em aplicações industriais.

Uma ligação direta com a economia real, então?
Há milhares de usos industriais para a prata, desde dispositivos médicos até, por exemplo, celulares dobráveis. A dobradiça onde as telas se encontram não pode usar cobre, que quebra após algumas dobras, enquanto a prata funciona melhor e é usada nesses casos. Além disso, há o uso em painéis solares, que vem crescendo muito como energia limpa. Ou seja, a alta do preço da prata indica uma economia mais dinâmica. Por isso, analisamos a relação preço ouro-prata, e quando a prata está mais depreciada que o ouro, mostra um pessimismo na economia global, com mais gente buscando segurança que a economia estando pujante. E estamos em um momento assim.

E qual é a relação ouro-prata hoje?
Estamos hoje em cerca de 90,5, há alguns meses estava acima de 100, enquanto em 2008 chegou a estar um pouco acima dos 80 e no auge da Covid-19 passou de 120.

"Se a relação ouro-prata continuar a cair, isso pode indicar que passamos pelo auge das perturbações de tarifas e dos piores momentos geopolíticos e militares"

O que essa tendência indica para o futuro?
Se a relação ouro-prata continuar a cair, isso pode indicar que passamos pelo auge das perturbações de tarifas e dos piores momentos geopolíticos e militares, e podemos estar caminhando para acordos de paz em algumas áreas de conflito e tarifas mais administráveis. Estamos vendo os países da OTAN aumentando seus gastos de defesa de 1,5% do PIB para 5%. Embora eu preferisse que não gastassem com armas, isso ainda é gasto do governo e pode gerar um boom econômico na Europa, mesmo que seja só para garantir sua própria defesa sem depender de aliados.

Pode-se ver, também, um desenvolvimento econômico vindo da área energética?
Nos EUA, pela primeira vez em 20 anos, a demanda por eletricidade está crescendo, impulsionada por data centers de IA, veículos elétricos e outras demandas. A demanda por eletricidade estava estagnada há muito tempo e agora um aumento de 2% já cria muitas oportunidades de investimento.

Como isso impacta a localização de investimentos?
Hoje, data centers não são mais instalados apenas onde a internet é mais rápida, mas onde há oferta de energia, como na Pensilvânia, onde recentemente foram anunciados dois novos data centers, algo que não faria sentido antes, pois normalmente se instalariam na Virgínia ou perto de Washington DC. E isso já impulsiona outra cesta de metais.

Pode dizer quais são esses metais ligados à nova economia energética?
Metais industriais ligados à expansão da rede elétrica. Metais como cobre estão presentes em tudo que é elétrico. Veículos elétricos utilizam muito alumínio para ficarem mais leves e eficientes. O alumínio também é usado nas molduras dos painéis solares e em infraestrutura em geral. O zinco é utilizado no aço galvanizado, que não enferruja e é muito usado em construções de infraestrutura. Até baterias de scooters e bicicletas elétricas usam metais como chumbo, e isso tudo está ligado ao crescimento da demanda por eletrificação.

Você diria que esses metais ligados à energia configuram outro tema estrutural de investimento?
Exatamente. Há, em média, cerca de 4,7 toneladas de cobre em cada 3 megawatt de turbina eólica e cinco toneladas de cobre em cada instalação solar de um megawatt. Isso mostra como o cobre é um metal extremamente importante nesse contexto de transição energética. Além disso, há crescimento da demanda por eletricidade nos EUA depois de 15 anos e hoje está sendo projetado um crescimento de 1,7% ao ano nos próximos cinco anos. Isso mostra o aumento de demanda que teremos depois de tanto tempo.

"Se o preço de uma ação da Apple dobrar hoje, eles podem emitir mais ações rapidamente. Mas com metais, não existe essa resposta imediata"

Uma questão fundamental: como a oferta vai acompanhar e fechar essa equação?
Segundo um estudo da S&P Global, o suprimento médio de metais extraídos leva 18 anos para chegar ao mercado. Ou seja, mesmo com preços altos, não se consegue mais cobre de imediato, o que limita a velocidade da eletrificação da economia e cria restrições reais para o crescimento. Mas isso está acontecendo com vários outros metais, inclusive ouro e prata.

Então, mesmo com mais esforços, não se pode aumentar a oferta?
Sim, e vou te dar um exemplo simples: se o ouro subisse de US$ 3.400 para US$ 10 mil amanhã (o que não vai acontecer, mas se acontecesse), você conseguiria aumentar a oferta nas minas de ouro imediatamente? Não, pelo menos não por um bom tempo, no mínimo um ano. O que acontece nesse caso é que as pessoas pegariam suas joias de ouro em casa e venderiam, mas isso representa uma fração muito pequena do mercado e não resolve o problema de preço.

É isso que diferencia os metais de outros ativos?
Esse tempo de reação lento da oferta em relação ao preço é uma das razões pelas quais os metais têm correlação tão baixa com outros ativos. Se o preço de uma ação da Apple dobrar hoje, eles podem emitir mais ações rapidamente. Mas com metais, não existe essa resposta imediata.

O que a Aberdeen recomenda que os investidores façam em relação a esses metais preciosos?
Existe um consenso no mercado de que os investidores deveriam ter entre 5% e 15% da carteira em metais preciosos. Esse não é um número da Aberdeen, mas um padrão aceito no setor. Dentro dessa parcela, o principal ativo geralmente é o ouro, mas encorajamos outros metais também pelos motivos discutidos. Os metais preciosos são fundamentais para o futuro que está sendo traçado.

Por que todo investidor deveria pensar nos metais como uma tese de investimento?
Nós passamos por ciclos no mercado e estamos saindo de um período em que todo o foco estava em ativos financeiros, em coisas que podiam ser criadas financeiramente. Agora, acredito que estamos voltando para um momento em que coisas físicas e reais importam. Coisas como energia, infraestrutura que pode ser construída, energia gerada e transmitida, aeroportos e estradas.

A economia do "palpável" vai superar a dos dados?
Vejo uma mudança pela frente: as empresas de commodities se tornaram uma parte muito pequena do nosso mercado acionário, enquanto tudo está concentrado em nomes como Meta, Google e todas essas empresas que são "feitas de dados". E talvez estejamos no pico dessa representação nos índices de mercado. Agora, acredito que vamos começar a ver um novo movimento de valorização da economia real. Por que essa economia digital não se sustenta sem ela, mas ela não se valorizou da mesma forma.