O anúncio do governo chinês de autorizar a fusão de dois estaleiros estatais pelo valor de US$ 16 bilhões, criando o maior construtor naval do mundo, com 17% de participação do mercado global, abre um capítulo à parte na guerra comercial com os Estados Unidos – marcado pela estratégia do presidente Donald Trump de tentar minar a supremacia naval chinesa.
A fusão da China State Shipbuilding (CSSC), um dos maiores estaleiros comerciais do país asiático, com a China Shipbuilding Industry – que projetou e construiu o primeiro porta-aviões chinês, o Shandong – tem objetivos não só comerciais como militares.
As duas empresas - que eram originalmente uma só e se separaram em 1999, quando o governo quis promover a concorrência - terão uma receita anual combinada de cerca de US$ 18 bilhões e vão assumir uma carteira de pedidos de mais de 530 navios e 54 milhões de toneladas de porte bruto, a maior do mundo, segundo levantamento da consultoria Clarksons Research.
A nova empresa será listada na Bolsa de Valores de Xangai e deve alavancar os ganhos com encomendas comerciais com os de novos pedidos da Marinha chinesa, dentro da estratégia do governo de Xi Jinping de consolidar empresas estatais em setores sensíveis, particularmente os ligados ao setor militar.
“Este é um marco importante no esforço de longo prazo da China para dominar a construção naval global, a fusão fortalece a estratégia chinesa de fusão militar-civil neste setor”, disse Matthew Funaiole, analista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington. “A produção comercial e naval está cada vez mais integrada, compartilhando tecnologia, talento e infraestrutura.”
A fusão apenas reforçou o domínio naval chinês no comércio marítimo, com empresas chinesas dispondo de mais de 5.500 navios mercantes oceânicos, contra apenas 80 de empresas americanas, segundo dados das Nações Unidas.
Embora os Estados Unidos não sejam concorrentes diretos - no total, a China possui 232 vezes a capacidade de construção naval dos EUA, país também atrás de Coréia do Sul, Japão e União Europeia -, o governo de Donald Trump tem feito uma ofensiva neste segmento para restringir a supremacia chinesa.
Ao tomar posse, Trump prometeu revigorar a construção naval americana. Seu governo anunciou o empenho de US$ 47,4 bilhões para o setor no orçamento de 2026, valor 21% maior do que este ano. Mas a agenda errática do presidente americano acabou prejudicando o setor.
O fechamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) efetivamente encerrou o programa "Alimentos para a Paz", que fornecia carga — e receita — tão necessária para navios de bandeira americana. Se o programa não for reativado, empresas navais do país advertem que terão que começar a desativar navios e dispensar tripulações.
Ofensiva
Trump, porém, não recuou de seu objetivo de conter o domínio naval chinês. Em março, o presidente americano praticamente forçou a CK Hutchison - empresa de transporte marítimo sediada em Hong Kong e controlada pelo bilionário Li Ka-shing – a se desfazer dos dois terminais que a empresa mantinha no Canal do Panamá. Trump alegou ser intolerável uma empresa chinesa controlar o canal.
Como consequência, a venda para um consórcio formado pela BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, e um braço da suíça MSC, operadora de porta-contêineres, no valor de US$ 22,8 bilhões, incluiu um lote de 40 terminais da CK Hutchison em vários países, o que irritou o governo chinês.
Em represália, o governo de Xi Jinping exigiu incluir no consórcio a estatal Cosco - uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo –, sob risco de barrar a atracação de navios da CK Hutchison e da MSC em portos chineses. O negócio ainda não foi fechado, mas é dada como certa a inclusão da Cosco no consórcio.
Trump também passou a usar sua política comercial como arma contra o domínio naval chinês, anunciando que vai impor tarifas mais altas a navios de bandeira chinesa que aportarem em portos americanos.
Disputas à parte, o mercado de navios passa por um momento de incerteza. O foco dos países nas cadeias de suprimentos domésticas aumentou o espectro de uma redução no comércio global em geral, o que significa que menos navios seriam necessários para transportar mercadorias.
Dados da Clarksons mostram que as encomendas globais de novos navios de fato caíram 48% no primeiro semestre de 2025 em relação ao ano anterior. Esse pode ter sido um dos motivos para o governo chinês acelerar a fusão dos dois estaleiros estatais, que obteriam redução e otimização de custos neste novo cenário.
A ofensiva de Trump pode não recuperar a indústria naval americana, mas está dando a estaleiros japoneses uma oportunidade para reconquistar participação no mercado dominado pela China - o Japão comandou cerca de metade de toda a produção de construção naval na década de 1990.
Além de provavelmente obter preferência de portos americanos para receber navios japoneses, em detrimento dos chineses, uma proposta apresentada em junho pelo Partido Liberal Democrata do Japão, no poder, pede amplos subsídios para estaleiros locais, a fim de proteger a segurança nacional, incluindo um fundo público-privado de US$ 6,7 bilhões.
"Se não agirmos agora, o Japão corre o risco de perder completamente sua indústria de construção naval, como aconteceu com a Europa e os Estados Unidos", afirmou o partido, ao sugerir a criação do fundo.