David Vélez, fundador do Nubank; Lucas Lameiras, scout da Andreessen Horowitz; Paulo Veras, ex-99; Sergio Furio, fundador da Creditas; Patrick Sigrist, fundador do iFood e da Nomad; Gustavo Ahrends, da Norte Ventures; Lucas Lima, cofundador da Men’s Market; Zen Santoro, da Nameless, junto com Juliana Haddad; e Brian Requarth, ex-Viva Real e atualmente à frente da Latitud.

Esses são, nesta ordem, os dez investidores-anjo mais respeitados e que mais adicionam valor, segundo a opinião de empreendedores brasileiros, de acordo com pesquisa da Spectra Investments, obtida com exclusividade pelo NeoFeed. Dos cinco primeiros, quatro são fundadores de empresas que viraram unicórnios, como são chamadas as startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

“É uma indústria que tem amadurecido. Antes, havia muitos executivos de multinacionais que faziam aportes sem entender o que é venture capital. Hoje, temos visto empreendedores de muito sucesso que começam a fazer investimentos-anjos”, diz Frederico Wiesel, sócio da Spectra, ao NeoFeed.

O estudo ouviu 250 fundadores de startups de diversas “safras” de investimento – desde antes de 2015 até 2025. O objetivo era identificar as principais gestoras de venture capital do mercado brasileiro (confira mais abaixo o resultado), bem como os investidores-anjo que mais se destacaram entre os empreendedores.

O resultado mostra que, no estágio inicial de uma empresa, o tamanho do cheque não é necessariamente o fator mais relevante: suporte, reputação e capacidade de abrir portas muitas vezes pesam mais na decisão do empreendedor.

Para entender o que torna os investidores-anjo tão relevantes no ecossistema e como cada um constrói seu relacionamento com os empreendedores, o NeoFeed conversou com oito dos dez nomes mais citados.

No topo da lista, Vélez se diz surpreso com o resultado da pesquisa. “Tenho feito cada vez menos investimentos desse porte”, afirma ao NeoFeed. O mais recente foi na Enter, uma legaltech que usa inteligência artificial para ajudar companhias nos processos judiciais.

A falta de apetite para entrar como investidor-anjo não vem do desinteresse pela classe de ativo. Vélez explica que, na verdade, não tem sobrado tempo e que tem focado seus esforços no Nubank, o banco digital que abriu o capital nos Estados Unidos, em 2021 e hoje vale US$ 63,3 bilhões.

“Investir não é só aportar dinheiro”, diz o empreendedor. “É preciso dar atenção também.” Nem por isso, Vélez deixou de investir — só mudou a forma. “Tenho investido via fundos como o Sequoia, o Kaszek, o Monashees, o QED e o Ribbit Capital”, diz Vélez.

Investidor-anjo como ofício

Apesar das diversas semelhanças entre os anjos, há também grandes diferenças entre os mais admirados. Se, para Vélez, o investimento é uma atividade pontual, para outros nomes da lista ele se tornou praticamente um ofício.

É o caso de Brian Requarth, fundador do Viva Real. Depois de vender a companhia para a OLX por R$ 2,9 bilhões, em 2020, ele transformou a prática de apoiar startups em sua principal ocupação por meio do fundo Latitud, criado para investir e acelerar negócios em estágio inicial na América Latina.

Requarth conta que começou a investir “meio por acidente”, quando outros empreendedores, atraídos pelo crescimento do Viva Real, passaram a procurá-lo em busca de conselhos sobre captação de recursos e gestão. O primeiro cheque, conta ele, foi um aprendizado rápido — e caro: US$ 50 mil investidos em uma empresa argentina que fechou as portas em menos de um ano. “Foram os US$ 50 mil mais rápidos que eu perdi na minha vida”, lembra.

A partir daí, lapidou seu olhar para identificar fundadores com “garra quase inevitável”, flexibilidade para mudar o rumo e velocidade para aprender. Um de seus grandes acertos foi o QuintoAndar, em que decidiu investir após ver a evolução do negócio. Hoje, com cerca de 80 investimentos pessoais e outros 130 via Latitud, Requarth segue priorizando rodadas pré-seed e seed pelo fundo e reservando cheques pessoais para estágios mais avançados.

A história de Requarth guarda semelhanças com a de Gustavo Ahrends, fundador da Norte Ventures. Antes de estruturar a gestora, ele também começou como investidor-anjo, acumulando mais de 20 aportes pessoais, movido pela paixão de apoiar “jovens obstinados a transformar o mundo”.

Assim como Requarth institucionalizou sua atuação com a Latitud, Ahrends fez o mesmo ao criar a Norte Ventures ao lado de Bruno Nardon, sócio da Rappi e G4 Educação, e Gabriel Benarrós, da Ingresse. Hoje, a gestora soma mais de 120 empresas no portfólio, como Kovi, Flash e Nomad, além das investidas que mantém como pessoa física.

Ao avaliar um empreendedor, Ahrends diz buscar “elementos estruturais” que aumentem as chances de sucesso. “O fundador tem que estar preparado, ter um background forte. É alguém técnico, que foi um bom aluno, estudou em boas escolas. Se fez MBA fora e tem o inglês perfeito, melhor ainda”, afirma.

Para ele, essa combinação de preparo e obstinação — “aquele que vai trabalhar de segunda a segunda e dar a alma por aquilo” — ajuda a reduzir riscos e a atrair capital em rodadas futuras.

O fator humano

Enquanto Ahrends valoriza fortemente a formação acadêmica e a experiência prévia dos fundadores, Juliana Haddad adota um critério diferente. Embora tenha sido diretora de RI da Norte Ventures antes de criar seu próprio veículo de venture capital, a Nameless, ela não considera a escolaridade um fator determinante.

“A gente investe em pessoas e não em teses. Não importa se é o filho do meu dentista ou alguém de Stanford, nunca vou recusar um pitch”, diz Haddad.

Para ela, boas oportunidades podem surgir em qualquer lugar. Um exemplo é a aposta em um desenvolvedor autodidata que vendia peixe na feira. Sem faculdade, apenas ensino médio e um curso técnico, ele aprendeu a programar com um Raspberry Pi. “Ele é extremamente fora da curva”, conta a investidora-anjo.

Descoberto por publicações no Twitter sobre inteligência artificial, o desenvolvedor foi convidado a se dedicar integralmente ao empreendedorismo e hoje é praticamente incubado por Haddad, enquanto desenha qual negócio irá construir.

Essa abordagem já rendeu empresas de destaque, como a Gabriel, de segurança residencial, em que Haddad entrou ainda no início. No total, ela soma entre 22 e 25 investimentos como anjo e, considerando as apostas feitas via Nameless, esse número chega a cerca de 55 empresas no portfólio.

Além de investidora, Haddad cultiva uma relação próxima com os empreendedores. Essa conexão vai muito além dos números: ela já foi madrinha de casamento de cerca de 15 founders nos últimos três anos e é também quem recebe ligações em momentos de crise, antes mesmo de fundos e outros investidores. “Quando está dando errado, também ligam. É diferente de um pai que só cobra resultado — estamos lá, estudando junto”, conta.

Essa relação de proximidade com os fundadores também é algo que Paulo Veras valoriza. Cofundador da 99, ele decidiu se dedicar ao papel de investidor-anjo depois da venda da empresa para a chinesa Didi, em 2018, por US$ 1 bilhão – na época, o aplicativo de táxi se tornou oficialmente o primeiro unicórnio brasileiro.

“O mais próximo que eu consigo estar da jornada empreendedora hoje é trabalhando junto com os times, ajudando nessas decisões bem do comecinho da empresa”, diz Veras.

Veras participa ativamente da estruturação dos negócios, ajudando em questões como formação de equipe, negociação com investidores e parceiros, definição de cultura organizacional e estratégias de captação. Essa dedicação, que inclui a participação em conselhos de administração, explica por que ele mantém um portfólio enxuto de apenas 12 empresas, como The New Butchers, Sami e Beacon, número que considera compatível com o nível de atenção que procura dar a cada uma.

“Em uma perspectiva puramente de retorno financeiro, em geral, o melhor é diversificar bastante o portfólio, ter dezenas de empresas. Isso aumenta a chance de ter unicórnios. Mas fiz uma estratégia um pouco diferente, que é menos orientada ao retorno financeiro e mais em estar mais próximo da jornada empreendedora, até porque também não estou mais numa função de CEO.”

Investidor-profissional

Se Veras leva para o papel de investidor-anjo a experiência de quem já construiu e vendeu uma empresa, Lucas Lameiras atua com um perfil mais próximo ao do investidor profissional — mas também com um portfólio enxuto, de 12 a 14 empresas. Para ele, esse número é o limite para oferecer a atenção que considera necessária. “Você precisa saber o que o founder precisa antes mesmo de ele perceber”, afirma, defendendo que a abordagem seja proativa e personalizada.

Com uma trajetória que inclui passagens por fundos no Brasil e no exterior e a função de scout fund para a americana Andreessen Horowitz, Lameiras construiu uma rede relevante com investidores internacionais de primeira linha, como Sequoia e Benchmark.

Essa conexão, diz, exige manter a barra de excelência no nível mais alto. “Não pode deixar a barra cair. O momento em que você baixa o padrão afeta a percepção sobre você, prejudica o próximo investimento e aumenta o risco de ter problemas depois”, afirma Lameiras.

Além de buscar fundadores excepcionais e mercados capazes de sustentar negócios muito grandes, ele reforça que o ecossistema brasileiro ainda é pequeno — foram cerca de 430 rodadas em 2023, contra mais de 11 mil nos EUA. Para ele, isso justifica manter um portfólio concentrado e investir tempo de verdade em cada empresa, ajudando com recrutamento, desenvolvimento comercial e captação.

Todo poder aos fundadores

A abordagem é diferente da de Patrick Sigrist. Fundador da Nomad e cofundador do iFood, ele acredita que bons founders são aqueles que dão menos trabalho. “Quando você faz um investimento e o founder acaba te procurando muito e querendo muito de você, provavelmente não foi um investimento muito bem-feito. São os que dão menos certo”, diz Sigrist.

Para Sigrist, é fundamental respeitar o espaço do empreendedor - e, muitas vezes, esse espaço inclui uma boa dose de teimosia. “Um bom founder é meio cabeça-dura, sabe o que quer fazer e quer meter bronca para o negócio dar certo.”

Sigrist lembra que, quando levantava capital para o iFood, ouviu que o delivery no Brasil movimentava apenas US$ 500 milhões — e que, por isso, o negócio teria pouco potencial. “Os mercados crescem junto com as startups. A startup é capaz de criar um mercado”, afirma, citando também o desenvolvimento de novos nichos pela Nomad.

Depois de vender sua participação no iFood e de criar a Nomad, seguiu ativo como investidor-anjo — já são pouco mais de 45 aportes — ao mesmo tempo em que toca sua nova empresa, a Iorq. E reforça: “Os melhores investidores são os melhores operadores. Eu acredito nisso.”

Outro anjo entre os mais admirados do mercado, Lucas Amoroso Lima tem uma trajetória que une o universo dos investimentos tradicionais com o empreendedorismo. Ele começou no Patria, mas logo deixou o mercado financeiro para criar a Men's Market, e-commerce de produtos masculinos que captou três rodadas e foi vendido para o grupo B4A (Beauty for All).

Foi nesse período que passou a investir como anjo. Inicialmente, de forma pontual. Depois de ter vendido a empresa, chegou a trabalhar na gestora Velt Partners, na qual passou três anos antes de decidir se dedicar exclusivamente a seus próprios investimentos. Hoje, mantém cerca de 80 empresas ativas no portfólio, com cheques entre US$ 20 mil e US$ 50 mil por rodada, quase sempre em conjunto com outros fundos.

Lima busca empreendedores com uma motivação genuína — o “algo a mais” que, segundo ele, sustenta a jornada mesmo nos momentos mais difíceis — e defende que o papel do anjo é apoiar e abrir portas, sem tentar enquadrar o negócio ou ditar termos. “É bacana ver surgindo esse ecossistema de anjos, principalmente com pessoas que tiveram sucesso em tecnologia, retornando e investindo. É um ciclo virtuoso e isso me deixa animado para os próximos 10 anos”, afirma.

Sem surpresas entre as gestoras de VC

A pesquisa da Spectra mostra, assim como no caso dos investidores-anjo, em que o suporte oferecido aos empreendedores pode pesar mais do que o tamanho do cheque, que o mesmo se repete no universo das gestoras de venture capital (VC).

Para os fundadores ouvidos, características como proximidade com o empreendedor e manter uma reputação sólida são tão ou mais relevantes do que o capital investido. Entram também na conta o suporte em produto, na captação de próximas rodadas e na atuação no board, com insights estratégicos.

Entre as gestoras mais admiradas, segundo os empreendedores, aparecem nomes já tradicionais no ecossistema, como Kaszek, Monashees e Astella, que também figuraram no topo do ranking da edição de dois anos atrás.

Embora as três primeiras posições — Kaszek, Monashees e Astella — sigam inalteradas e na mesma ordem, houve mudanças no ranking.

Saíram EquitasVC, Atlantico e Headline, dando lugar à Maya, Cloud9 e Alexia. Completam o top 10 das gestoras de venture capital mais admiradas, ao lado dessas novas entrantes e das líderes, Canary, ONEVC, Valor Capital e Upload.

“É um ciclo. Se você tem uma imagem ruim, nenhum empreendedor bate na sua porta e, provavelmente, você não vai acessar boas empresas. Para nós, que alocamos nesse mercado, é super válida essa visão que os empreendedores têm dos fundos de venture capital”, diz Wiesel, da Spectra.