Desde o liberation day nos Estados Unidos e da ascensão de novas tecnologias, o controle de riscos passou a ser a grande preocupação de family offices em todo o mundo. Há um movimento de mudança no seu perfil de investimento e de operação: pouca rotação das carteiras, reforço de governança, seleções de ativos mais alpha-driven [gerar retornos superiores ao mercado] e um flerte crescente com automação e inteligência artificial (IA) para fechar a conta da eficiência.

É o que mostra a sétima edição do "Global Family Office Report 2025", publicação do Citi Wealth baseada em uma amostra recorde de 346 family offices em 45 países, colhida entre junho e julho deste ano, o que captura a fotografia pós-choque de tarifas e o que os grandes investidores veem à frente.

Segundo o estudo, a maior preocupação para os gestores de grandes fortunas (60%) são as tarifas comerciais e seus impactos, em segundo lugar (43%) aparece a tensão nas relações entre China e EUA e em terceiro (37%), a inflação. Já os juros, que estavam no topo da lista de preocupação no ano passado, caiu para apenas 30% dos respondentes — uma fatia igual à da volatilidade.

Mas, apesar da alta volatilidade dos mercados, os portfólios tiveram boa resiliência, com 59% registrando ganhos positivos de até 10% em dólar no primeiro semestre deste ano e 25% com retornos acima de 10%, em dólar. Para os próximos 12 meses, também são esperados bons retornos, apesar de abaixo dos de 2024: 30% esperam retornos de 10% a 15% e apenas 8% miram uma rentabilidade acima de 15%.

Agora, como eles pretendem conseguir esses resultados é o que diferencia esta edição das anteriores. As carteiras estão mais voltadas para a busca de alpha, com os gestores ativos ganhando espaço dos fundos passivos.

“Os investidores agora estão buscando stock pickers. Saíram da fase de estar comprado ou não no índice, passou pelo ciclo setorial e chegou a um estágio de seleção fina de ativos que expressem temas específicos, como IA, saúde e longevidade, energia e defesa”, diz Hannes Hofmann, head global no family office group do Citi Wealth.

No mix global de 2025, as ações continuam liderando as alocações (27%), seguidas por renda fixa (15%) e caixa (13%), e os ativos alternativos alcançaram cerca de 40% do portfólio, com private equity (20%) e real estate (14%) como pilares e direct deals, investimentos diretos em companhias, já representando 21% do bolo — mostrando outra estratégia em busca de alpha.

Segundo a pesquisa, 70% dos family offices estão ativos em direct investing e 40% aumentaram essa frente nos últimos 12 meses. Com a América Latina ainda mais aquecida: 53% dos latino-americanos relataram aumento em investimentos diretos.

Na estratégia em estágio para aporte, prevalece a preferência por growth (52%), seguida de early stage (37%). Em um ambiente de IPOs travados, investimentos secundários (30%) superaram os pré-IPO (22%).

“É engraçado perceber que, mesmo com a percepção de maior risco no mercado, as famílias estão aumentando o risco das carteiras, mas no mercado privado. Cerca de 45% dos portfólios das famílias hoje são ilíquidos”, afirma Hofmann.

E, apesar de a febre do momento ser o private credit, essa alocação representa apenas 3% dos portfólios, enquanto os investimentos diretos 9% e os fundos de private equity 11%.

O maior apetite por ativos emergentes, no geral, pode ser uma oportunidade para empresas brasileiras.

“Family offices ao redor do mundo estão buscando oportunidades de investimento direto, com interesse particular em mercados emergentes, sendo pontes para rounds pré-IPO em busca de retornos mais altos no longo prazo”, diz Hofmann.

Diversificando geografias

Mesmo em um mundo multipolar, as carteiras dos family offices ainda têm um polo principal: 60% do patrimônio, em média, está na América do Norte — muito à frente da Europa (17%), Ásia sem a China (13%), América Latina (3%) e Oriente Médio (2%).

Nas regiões  Ásia-Pacífico e América do Norte se carrega mais equities -- com alocação de 32% e 29%, respectivamente -- que Europa, Oriente Médio e África (EMEA), com 22%, que, por sua vez, viram um aumento da alocação em renda fixa e caixa em 4 pontos percentuais — postura mais cautelosa que em 2024.

Na Ásia, o caixa médio em 18% sinaliza preferência por liquidez em meio às tarifas, enquanto na América Latina e América do Norte a liquidez continua enxuta com 5% e 8%, respectivamente.

Mas, para os clientes latinos, cuja alocação nos EUA costuma ser acima da média, a ordem da vez é diversificar em outras geografias: o mundo está mais multipolarizado e as oportunidades serão menos concentradas.

“Os EUA seguirão sendo o principal destino, mas incentivamos os clientes a olharem mais amplamente, como para Japão, Europa. Principalmente porque o dólar tende a continuar se enfraquecendo frente às outras moedas.”, afirma Fernando Fleury, head do Citi private no Brasil.

Já em relação aos ativos digitais, 69% dizem que  “não são prioridade”, apesar de avanços regulatórios nos EUA e do rali recente.

Entre os que analisam a classe, 13% estão pesquisando e 15% alocam até 5%. O meio preferido de exposição é via veículos conhecidos (ETFs e fundos privados, com 29%), seguido de coins diretas como Bitcoin e Ethereum (25%). E mais da metade (58%) ainda não decidiu o veículo, um sinal de que falta informação sobre o tema.

Nesse tipo de alocação, a América Latina se destaca: tem menos indecisos (47%) e maior preferência por fundos e ETFs cripto (53%). Também lidera em proporção de family offices “fazendo lição de casa” (22%) sobre a alocação nesse ativo.

IA na operação

Em 2024, quase três quartos não usavam IA na sua operação. Em 2025, a história virou: mais de 20% dos respondentes já automatizam tarefas operacionais ou utilizam IA para análise de investimentos.

Segundo a pesquisa, a adoção de IA pelos family offices dobrou em relação a 2024, sobretudo em automação de tarefas operacionais e análise. Regionalmente, América do Norte, EMEA e América Latina lideram o uso, com os family offices latino-americanos aparecendo à frente, com 32% usando em análise/forecasting.

O avanço, porém, expõe gaps de governança e risco. Segundo Hofmann, geopolítica e cibersegurança são os riscos “pior geridos” pelos family offices, tema que ganha urgência com deepfakes, engenharia social e comandos falsos viabilizados por IA. Ao mesmo tempo, a falta de expertise interna e o desconhecimento das opções travam a curva de adoção.

A resposta prática tem sido educação e terceirização: escolher provedores especializados para cibersegurança e para a própria camada de IA, mantendo estruturas enxutas e decisões mais rápidas.

No Brasil, Fleury reforça que os family offices locais estão tão sofisticados quanto os pares globais: investem em IA e usam IA para investir, com ênfase em produtividade, relatórios e operação.

A orientação do Citi é temática e de curadoria: selecionar os melhores gestores e soluções que capturam os grandes vetores (IA, defesa, energia/transição, saúde/longevidade) sem abrir mão de padrões de segurança e qualidade de dados.

O resultado prático tem sido uma adoção mais seletiva e aplicada, em que a IA entra para destravar eficiência e melhorar o processo decisório, enquanto a proteção digital sobe um degrau e vira pilar do roadmap tecnológico dessas famílias.