A onda de gamificação dos investimentos faz com que muita gente esqueça os riscos que envolvem essas transações. E, às vezes, o preço da inexperiência pode ser caro demais. O jovem americano Alex Kearns, de 20 anos, pagou com a própria vida seu amadorismo na bolsa de valores.
Assim como milhões de americanos, Kearns passou a "brincar" no aplicativo Robinhood, uma corretora de valores online que se tornou a sensação de uma nova era no investimento das pessoas físicas e que conta com 13 milhões de usuários.
Em 12 de junho, em sua casa em Naperville, Kearns se suicidou por acreditar ter perdido quase US$ 750 mil em um investimento frustrado, realizado por meio da Robinhood, no mercado de opções.
Em um bilhete que deixou para sua família, Kearns afirmou que “não tinha ideia do que estava fazendo” e que jamais havia “pretendido aceitar um risco desse tamanho”.
Na verdade, Kearns confundiu um prejuízo potencial com o resultado de seu investimento total. Por isso, acreditou que tinha tido um prejuízo quase milionário. Na verdade, sua conta tinha um saldo positivo de US$ 16 mil.
Embora um suicídio nunca seja desencadeado por um motivo isolado, as autoridades e familiares não descartam que a confusão ao interpretar os dados de seu investimento no Robinhood possam ter contribuído para a tragédia.
O analista da Sullimar Capital, Bill Brewster, que é casado com uma prima de Kearns, compartilhou uma captura de tela que pode explicar, pelo menos em partes, o ocorrido.
Na imagem publicada por Brewster, no Twitter, é possível ver que a conta em nome de Kearns mostrava "negative cash" e "negative buying power". Ambos os termos não equivalem a dívida. Eles indicam apenas uma "projeção".
“Quanto mais me aprofundo no estudo da coisa, mais zangado fico”, disse Brewster, ao jornal britânico Financial Times. “Eles estão empurrando as pessoas na direção dessa dinamite financeira”.
O trágico episódio mostra lado sombrio do recente boom de investimentos por investidores amadores. Boa parte deles não conhece os jargões financeiros e as regras de negociações. Soma-se a esses fatores as ofertas tentadoras, que vão de transações gratuitas a possibilidade de adquirir pequenas frações de ações.
Todas essas facilidades têm atraídos milhões de novos investidores, o que tem provocado movimentações que fogem à lógica dos profissionais. Companhias à beira da falência, como a locadora de veículos Hertz, viram suas ações dispararem sem nenhum fundamento que justificasse a alta dos papéis.
O que aconteceu foi que esses "amadores", empolgados pelo valor baixo dos papéis da companhia, compraram as ações sem nenhuma estratégia. A lógica foi simples: se o preço do papel está baixo e caiu demais, tudo leva a crer que, agora, vai subir.
Esse frenesi, no entanto, beneficiou muito as corretoras, que usam estratégias de gameficação, fazendo com que os investidores acompanhem em tempo real os lucros e prejuízos. Só a Robinhood atraiu 3 milhões de novos usuários no primeiro trimestre de 2020.
Mas ela não foi a único beneficiada dessa onda de investidores amadores. A Charles Schwab, ETrade e Interactive Brokers criaram somadas 1,5 milhão de contas novas nos cinco primeiros meses do ano, quase o dobro do total do período em 2019. E a TG Ameritrade conquistou 500 mil novas contas no primeiro trimestre, três vezes mais do que o mesmo período do ano passado.
Para o investidor Nick James, fundador da plataforma de análise de oferta de trade Forex Bonus Lab, a prática pede cautela. "Muitos dos novatos não dispõem de tempo, dinheiro ou disposição para lidar com a oscilação do mercado, sobretudo com as baixas", disse ao NeoFeed.
Todos os entraves que se impõem no caminho que separa um "aventureiro" de um investidor profissional fazem com que James e outros especialistas voltem a repetir o óbvio: "investimento não é um jogo e ele pode ter sérias consequências".
Nos grupos de day traders disponíveis na internet, há diversas histórias de usuários que arriscaram mais do que deveriam e se arrependeram. Um deles, que não quis se identificar, diz que ficou empolgado com seus pequenos ganhos iniciais e injetou toda sua poupança, de US$ 14 mil, na operação. Acabou perdendo tudo em uma questão de semanas.
A fim de evitar que narrativas semelhantes tenham um final dramático, como o do jovem americano, o Robinhood disse em comunicado oficial que está revendo suas políticas e "considerando as mudanças apropriadas".
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