O executivo Rodrigo Malizia fez carreira no mercado financeiro com passagens pelos Bancos Pan e Modal, entre outros. Mas, nas horas vagas, o seu entusiasmo pelos vinhos contagiava os colegas.
Quase sempre, ele tinha a dica de um branco ou tinto que saia do mainstream. Suas indicações eram, invariavelmente, de rótulos europeus: muita Borgonha, Loire e champanhe de pequenos produtores. Além de garrafas que já tinha provado e que conhecia a história e o estilo da vinícola.
Assim pareceu natural a Julio Capua, então sócio da XP Investimentos, pedir ajuda a Malizia para montar sua adega. Capua voltava de uma viagem de férias pela França e queria saber mais daqueles vinhos que tinha se deliciado na Europa.
Malizia caprichou na “consultoria” e organizou um jantar harmonizado, com vinhos selecionados a dedo e, assim, fechou um projeto para montar a adega do agora amigo-cliente.
Não demorou para os dois perceberem que havia um mercado a explorar: a de altos executivos amantes de vinhos, mas que não tinham tempo para ficar a caça de preciosidades deste universo. “Quem compra vinho tem dificuldade de comprar e quem vende também tem dificuldade”, afirma Malizia, ao NeoFeed.
Malizia e Capua começaram a pensar em montar um negócio. Avaliaram de entrar em um marketplace de vinhos ou de abrir uma importadora. Até que Malizia comentou o plano para Amauri de Faria, dono da importadora Cellar, de quem era cliente. “O Amauri disse que já tinha mais de 70 anos, que estava cansado e ofereceu a Cellar para a gente”, lembra Malizia.
Foi assim que, em 2019, a dupla comprou a Cellar, uma importadora já consolidada e conhecida de produtores europeus, por valor não revelado. Capua convidou ainda outros amigos para a sociedade, como Fernando Vasconcellos e Pedro Silveira, ambos ex-sócios XP. Vasconcellos é ainda mentor da Endeavor e Silveira tem a holding A.Life, que investe em restaurantes, como a Famiglia Nino.
Sob nova gestão de executivos do mercado financeiro, a Cellar abandonou o estilo low profile, uma característica de seu antigo dono, mas sem perder a qualidade do portfólio. E vem mostrando que há um nicho para explorar entre os consumidores de vinho de maior poder aquisitivo.
Sob nova gestão de executivos do mercado financeiro, a Cellar abandonou o estilo low profile, mas sem perder a qualidade do portfólio
Malizia se tornou o CEO da Cellar e coube a ele cuidar da seleção dos vinhos. Para o seu time, ele trouxe Julia Frischatak, que trabalhava com importação de vinho em Londres. Ele convidou também o sommelier Eduardo Araújo, já eleito o melhor do Brasil, para trazer uma expertise de educação de vinho. Fernando Kwitko, consultor de vinhos no Rio Grande de Sul, se juntou ao grupo.
Os quatro estão no dia a dia da empresa, que deixou de ter um show room para os clientes (o ex-dono Amauri atendia, junto com uma secretária, em uma casa no bairro de Moema, em São Paulo). Hoje, as vendas são exclusivamente pelo site da Cellar.
O foco da importadora é a curadoria de vinhos, com o uso de ferramentas digitais para acelerar o crescimento da empresa. Não é um e-commerce de vinhos, nos moldes de uma Wine ou Evino, que se especializaram em rótulos “mais populares”. O modelo é mais parecido com a de uma consultoria. “Queremos ser mais do que uma importadora, estamos sempre gerando conteúdo e informação”, diz Malizia.
O site, por exemplo, sugere seleções para se entender melhor de cada região. Nesta semana, o destaque da Assinatura Cellar é um kit de três vinhos, por R$ 605. Na seleção, um pinot blanc alsaciano, um tinto do Languedoc e um tinto do Vale do Rhône.
Com essa filosofia, a Cellar, mesmo sendo ainda uma importadora relativamente pequena, vê como concorrentes os grandes importadores nos seus rótulos de maior qualidade, como Mistral, Grand Cru ou World Wine. "Nosso modelo é digital, com curadoria, informação e consultoria. Não focamos em descontos", afirma o CEO da Cellar.
Os primeiros resultados são positivos. Em 2020, em plena pandemia, o faturamento da Cellar foi multiplicado por sete – o valor da receita não é revelado. E as vendas chegaram perto das 100 mil garrafas.
“Esse é um nicho que avança a passos largos nesta pandemia. A Cellar consegue atingir um público que está capitalizado, com dinheiro para investir e que acha o vinho um assunto cativante”, afirma Rodrigo Lanari, representante no Brasil da consultoria inglesa Wine Intelligence.
Em comum à antiga Cellar, só o cuidado na escolha dos rótulos – Amauri ganhou fama entre os entendidos pela qualidade dos vinhos que lapidava. Nada de brancos e tintos do Novo Mundo, muito concentrados, frutados e, não raro, naquelas garrafas pesadíssimas.
O portfólio da empresa é focado em pequenos produtores. “Nossa filosofia é acreditar nos vinhos de verdade, que privilegiam o terroir, a natureza”, resume Malizia.
O número de produtores cresceu neste um ano e pouco de atividades e a empresa já investiu em um armazém climatizado, claro, para os vinhos. Quando assumiram o negócio, a Cellar contava com 40 produtores, todos da França, principalmente da Borgonha.
Hoje, a Cellar conta com quase 100 produtores, de várias regiões francesas. Apenas de Beaujolais, antigo patinho feio francês e que vem ganhando credibilidade, são sete produtores, como o Château Thivin, com vinhedos em Brouilly, um dos dez crus da região, ou o Marc Delienne, com o seu Fleurie Greta Garbo. Dos pequenos produtores de Champanhe, ele traz o Charles Dufour, que segue o cultivo orgânico, entre outros exemplos.
Neste ano, a importadora também está ampliando a origem dos vinhos. Os primeiros rótulos da Itália, com foco em Toscana e Piemonte; de Portugal, com Dão e Douro; e da Espanha, com Ribera Sacra, estão chegando. “No curto prazo, ficaremos na Europa, mas tem outras regiões que queremos trabalhar. Até o Brasil”, conta Malizia.