Depois que a Azul Linhas Aéreas divulgou os seus resultados do segundo trimestre, Romulo Mandarino e Eduardo Nishio, analistas da Genial Investimentos, escreveram: “A Azul reportou um fraco resultado do 2T21. O destaque positivo foi a divisão de carga, que continua crescendo em ritmo acelerado e que ajuda a empresa em momentos de restrição de circulação e baixa demanda de passageiros.”
A análise fria, baseada nos números, é incontestável. Em 2019, a Azul Cargo faturava R$ 500 milhões e, neste ano, vai faturar R$ 1 bilhão. “Essa área ajudou a Azul a não quebrar”, diz John Rodgerson, CEO da Azul Linhas Aéreas, ao NeoFeed. Hoje são transportados 14 milhões de kg por mês, num total de 700 mil pacotes por mês e cerca de 30 mil entregas por dia. Trata-se do dobro anotado em 2019.
Não à toa, esse braço tem conquistado cada vez mais protagonismo dentro da empresa. Antes da pandemia se instalar no Brasil, a área representava entre 3% e 5% do faturamento da Azul. No meio da pandemia, chegou a representar 45% das receitas. Até o fim deste ano, com a volta mais forte dos voos comerciais, ela deverá representar cerca de 10% do faturamento.
Esse avanço é explicado por uma conjunção de fatores. Como os passageiros sumiram, a saída foi embarcar pacotes nas aeronaves. E eles começaram a chegar aos montes por conta do crescimento do e-commerce. “Fomos trazendo novos clientes”, diz Izabel Reis, diretora da Azul Cargo. “Novos marketplaces, e-commerces, empresas de bens de consumo, montadoras. E estamos de olho nos pequenos comércios.”
O número de aviões, antes restrito a dois cargueiros 747-400, também foi ampliando com adaptações, por exemplo, do E190. Hoje, além dos cargueiros, mais seis aeronaves da companhia estão voando exclusivamente para o transporte de cargas. “Começamos uma revolução interna que continua até hoje”, diz Izabel.
O e-commerce ganhou muito protagonismo. Quase todas as plataformas, diz Izabel, usam o serviço da empresa. “O que aumentou foi a quantidade de plataformas de e-commerce que passamos a atender. Atendemos Magazine Luiza, Via, Mercado Livre, vamos começar com Amazon, estamos com a Shopee, Arezzo, Evino, Wine, iniciando um projeto com Riachuelo”, afirma. Mas não só as grandes.
A maioria dos fabricantes e comerciantes se abriu para o door-to-door e o e-commerce. “Antes, atendíamos de 20 a 30 plataformas de e-commerce, agora são mais de 1 mil”, afirma a executiva. Até pequenos fabricantes de queijo da Serra da Canastra, por exemplo, entraram nessa onda. “Na corrida do ouro, queremos vender pá”, diz Rodgerson.
Para vender a pá, entretanto, a empresa teve de se preparar. “Nos últimos três anos, investimos mais de R$ 100 milhões em sistemas e infraestrutura”, diz Rodgerson. Na verdade, ele nem olha a Azul Cargo como uma empresa de transporte, mas sim de logística. “Quando veio esse boom do e-commerce, estávamos preparados.”
A empresa distribui em 4,5 mil municípios. “Já atendemos 95% da população brasileira”, diz Rodgerson. Izabel explica que a companhia acabou entrando em todos os segmentos da logística. “Atendo no door-to-door, no terminal de cargas a terminal de cargas, coleto na casa do cliente e deixo no terminal de cargas, faço abastecimento de lojas e shopping.”
A executiva dá como exemplo a parceria que a companhia tem com a Samsung. A Azul tem funcionários dentro da planta industrial da empresa de eletroeletrônicos, em Manaus, para preparar a carga – em sua maioria televisões, tablets e telefones celulares. “Lotamos um cargueiro”, diz Izabel.
Antes, a Azul apenas levava a carga de Manaus para Campinas e Recife, onde estão as maiores distribuições da empresa. “Hoje, fazemos abastecimento de loja, de shopping e ainda fazemos o e-commerce deles em todo o Brasil”, diz ela. Em 1 mil cidades, a companhia entrega de porta a porta num prazo de 24 horas.
Com isso, a empresa acabou se tornando líder do segmento. De acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), ela tem 35% do mercado. Em seguida, vêm a Latam, com 25%; a Sideral, com 14,7%; Gol, com 9,7%, e outras. Mais do que o investimento realizado nos últimos anos, a Azul acabou se beneficiando de sua malha.
Se antigamente o e-commerce era mais usual nos grandes centros, durante a pandemia ele passou a ser usado por todos. “Qualquer um pode voar para Porto Alegre e Curitiba, mas em Sinope, Sorriso, Cascavel, só a gente”, diz Rodgerson. A Azul hoje voa para 130 cidades e conta com 300 franquias da Azul Cargo espalhadas pelo País. E, até o fim do ano, cerca de mais 30 lojas serão inauguradas.
O crescimento da Azul Cargo no segundo trimestre deste ano foi de 137,2% em relação ao mesmo período de 2019. Ele contrasta com o resultado da companhia em geral. A Azul anotou uma receita líquida de R$ 1,7 bilhão, 35% a menos do que no mesmo período de 2019. O resultado operacional foi negativo em R$ 400,2 milhões e ela só deu lucro de R$ 1,07 bilhão por conta da variação cambial. Como, no período o dólar se desvalorizou, sua dívida ficou mais barata. Em junho, a companhia captou US$ 600 milhões em títulos de dívida internacional.
Rodgerson afirma que o segundo trimestre é, geralmente, o mais fraco do ano e também teve a segunda onda da Covid-19, que impactou os resultados de abril e maio. “Em julho e agosto, estamos voando com o mesmo número de assentos como estávamos em 2019. O mercado doméstico está forte. O mercado de lazer voltou com força e estou otimista porque o grande corporate ainda não voltou”, diz ele.
A aposta dele é que as grandes empresas voltarão a usar os serviços aéreos. “Tem muita demanda reprimida. Não sei se vão voar 22 vezes uma ponte aérea, mas vão visitar clientes. Vai ter um boom no quarto trimestre e depois talvez seja 90% do que era.” Em outubro, diz ele, a companhia já deverá superar os números de 2019.
"Não achamos que os investidores devam prestar muita atenção aos resultados do segundo trimestre e, em vez disso, devem se concentrar na liquidez, gestão de passivos e uma recuperação de capacidade. Apesar de alguns atrasos na vacinação no Brasil, esperamos um constante volume de recuperação no final do ano, impulsionado principalmente por viagens de lazer e VFR (família e amigos)", escreveram os analistas do BTG Pactual, Lucas Marquiori, Fernanda Recchia e Aline Gil.
“Se a Covid-19 não quebrou a gente, é difícil quebrarmos. Passamos pelo maior teste que uma companhia aérea poderia passar”, diz Rodgerson. Hoje, a Azul tem R$ 5,5 bilhões em caixa, 138 aeronaves e 12,5 mil funcionários. E um apetite para aquisições.
Não é novidade o interesse da Azul pela Latam. Rodgerson já deixou isso evidente em mais de uma ocasião. A Latam, por sua vez, rechaça. “Eles não têm interesse em vender e nós temos interesse em comprar. Por isso, o jogo é mais com os credores”, diz o CEO da Azul. A Latam, com dívidas de US$ 10,9 bilhões, acionou o Charpter 11, a recuperação judicial nos EUA, para criar um plano e negociar com os seus credores.
“O Charpter 11 protege a empresa dos credores por um período. E, neste período, a empresa tem a opção de criar um plano. Mas os credores têm de aprovar o plano. Eles vão dizer: ‘você me deve 100, quanto você vai me pagar?’ Se os chilenos falarem que vão pagar 100 não tem conversa. Mas, se eles falarem que vão pagar 20 e eu chego pagando 50, é melhor para os credores e são eles que mandam no negócio”, diz. A Latam tem até 15 de setembro para entregar esse plano. “Estamos esperando por isso.”