Bem longe de ter a fama internacional do Lago di Como, na Lombardia, o pequeno Lago di Mergozzo, no Piemonte, é um segredo bem guardado entre os italianos: cercado pela paisagem dos Alpes e por apenas 12 propriedades, tem as águas mais limpas da Itália – desde 1995 embarcações motorizadas estão proibidas. Debruçado para ele, um pequeno hotel, com área construída de 350 m², foi idealizado por um jovem casal de brasileiros em 2019.
Quem se hospeda na Casa della Capra não busca apenas um lugar para dormir e tomar café da manhã em frente a um belo lago de água cristalina em uma aldeia quase cenográfica, pontilhada por casas coloridas.
"Quando a gente montou a Casa della Capra, juntou as nossas paixões: a arte, a bicicleta e a cozinha", explica a arquiteta Patricia Orem, que conheceu o marido, o administrador e chef Felipe Bianchi, pouco antes de começar a estudar arte na Chelsea, faculdade da University of the Arts London (UAL), em 2014. "A ideia era compartilhar com o público o que a gente ama".
Em uma casa construída em 1910, cercada por 3 mil m² quadrados de jardim, o próprio casal recebe os hóspedes e conduz experiências dentro e nos arredores da propriedade. É uma espécie de retiro criativo, que oferece desde workshops de cerâmica, macramê e fotografia até passeios de bike pelas montanhas, aulas e degustações de culinária e vinhos italianos. "Esse pacote de experiências rende uma média alta de permanência na casa, de seis diárias", afirma Felipe.
A dupla se complementa nas atividades. Além de coordenar toda a parte de hospitalidade do hotel – quartos, reservas, lista de preços, contatos com agências – Patrícia organiza os programas voltados à arte, cuida das redes sociais e de toda a comunicação da Casa della Capra. Fellipe é responsável pela parte administrativa, gastronômica e e desenvolve junto com parceiros os roteiros de bicicleta.
Um dos destaques dos workshops de arte é a tapeçaria botânica. "Saímos para a floresta e coletamos flores, folhas e outros elementos da natureza, voltamos ao hotel e temos um almoço maravilhoso preparado pelo Felipe", explica a arquiteta. "Depois sentamos por três horas para aprender a tecer.
Quando o hotel foi inaugurado, já contava com uma programação de atividades artísticas conduzidas não só por ela, mas também por artistas, artesãos e designers da região. O lugar também promove residências em um programa chamado Scambio ("troca", em italiano), que aos poucos está transformando a Casa della Capria em uma galeria.
"A proposta é trocar obras de arte por hospitalidade", explica a arquiteta. Durante os meses de baixa estação, na primavera e no outono, o hotel abre espaço para artistas emergentes se hospedarem e, durante a estadia, assinarem trabalhos dentro do próprio hotel.
"Dez artistas já participaram do projeto e abrimos vaga para outros seis profissionais no ano que vem", conta Patrícia, que pretende, com o marido, expandir as instalações do hotel – quartos e galeria – em um terreno a poucos passos.
Formado em administração com especialização em economia, Felipe sempre foi apaixonado por gastronomia, o que inspirou a criação do restaurante do hotel e das atividades culinárias para hóspedes.
Paralelamente ao trabalho, ele já organizava pequenos jantares para clientes e parceiros ainda em São Paulo. Mais tarde, quando foi transferido para a Itália, em 2002, estudou na Escola de Cozinha e Enologia Italiana do ICIF, no Piemonte.
O restaurante local abriga degustações de produtos como queijos, vinhos e cervejas, além de aulas de culinária. O cardápio fusion combina elementos e técnicas brasileiras com produtos piemonteses. Longas mesas agregam os participantes dos workshops com temas como técnicas de corte e cocção.
"Trago os melhores cortes de carne do mundo para o prato", conta Felipe. "Busco a picanha, que é um corte brasileiro, com carne dos pampas argentinos; Black Angus dos Estados Unidos, Wagyu beef do Japão e da Austrália, e T-bone de vitela da Bélgica".
Já as atividades de ciclismo têm perfis bem diferentes. Os auto guiados são voltados para quem prefere desbravar livremente a região por meio de bicicletas elétricas, com apoio de material indicativo de pontos turísticos, parques nacionais e ciclovias locais.
O Cycle Camp, que acontece duas vezes por ano, é voltado aos amantes do ciclismo, com imersão composta por cinco desafios, vivência com campeões italianos da modalidade e visitas a fábricas de grandes marcas de bike, com descontos na aquisição de equipamentos.
"Utilizamos bicicletas elétricas das marcas italianas Bianchi, entre as mais conhecidas do mundo por qualidade e design, e Cinelli, que encaram solo pedregoso com performance de bike de estrada", diz Felipe, que também leva hóspedes para conhecer produtores de alimentos da região entre lagos e montanhas, no programa Bike & Food.
Por tudo isso, a localização é a mola propulsora para todo o projeto do casal. Com 12 campos de golfe em um raio de 50km, o hotel fica a uma hora de Milão, faz fronteira com a Suíça, a poucos passos do lago e dos bosques – área estratégica para o turismo europeu. Hoje o público predominante é formado por suíços, austríacos, franceses e nórdicos.
Com diárias a partir de 220 euros (café da manhã e taxas incluídos), a Casa della Capra foi reaberta no fim do lockdown com sucesso imediato, especialmente entre hóspedes italianos.
"Nossa taxa de ocupação é hoje superior a 80%, quando a região trabalha com 56%, 60%", diz Felipe. Ele acredita que o fato de o hotel ser pequeno, com proposta inovadora, seja o principal responsável pelo êxito do lugar. "Na Itália, ciclismo é um esporte nacional, os museus são a céu aberto e a gastronomia, nem preciso dizer ".