A pandemia ensinou uma lição para Ari Gorenstein, CEO da Evino, empresa que está entre os três maiores importadores de vinho no País e recentemente anunciou a compra da Grand Cru. "Aprendemos que não há ex-bebedor de vinhos e não há ex-cliente do online”, disse ele ao NeoFeed.
A frase de Gorenstein resume bem o momento pela qual passa o mercado de vinhos no Brasil. Em 2020, o setor teve um faturamento histórico de R$ 19,8 bilhões, segundo dados da consultoria Ideal BI. E, até agora, os sinais são de que 2021 deve, ao menos, repetir o bom desempenho do ano passado.
Diante desse cenário, o setor já está de olho em 2022. O NeoFeed ouviu os principais importadores e produtores de vinhos do Brasil para saber quais serão as tendências para o próximo ano e que vinhos deverão chegar ao mercado brasileiro.
Gorenstein, por exemplo, fará diversas apostas em 2022. Uma delas é o bag-in-box, caixas normalmente de três litros que mantêm o vinho em vácuo após sua abertura e consumo. Ela serve tanto para o consumo doméstico quanto para os restaurantes.
O vinho em lata, os coquetéis prontos (RTD) com vinho, vinhos com zero álcool e os vinhos feitos a partir de agricultura responsável (sustentável, orgânico ou biodinâmico) estão também na lista de tendências que devem chegar às taças dos brasileiros, na visão de Gorenstein. “Os vinhos brasileiros são também nichos que considero promissores para 2022”, afirma o CEO da Evino.
A Henkell-Freixenet, grupo formado em 2018 com a compra da espanhola Freixenet pela alemã Henkell, pretende trazer ao mercado brasileiro, ainda em dezembro deste ano, o espumante em lata Freixenet Mía. “Não sei qual o tamanho do potencial deste produto, mas temos a liberdade para testar”, diz Fabiano Ruiz, diretor-executivo da subsidiária brasileira.
Uma das poucas empresas a apostar em vinhos sem álcool, a Henkell-Freixenet deve seguir investindo nessa modalidade. O motivo é fácil de ser entendido. A companhia observou as vendas do espumante Henkell Zero Álcool subir de 12 mil garrafas em 2020 para 80 mil até o momento em 2021.
Na Moët Hennessy, do grupo LVMH, que detém as marcas Moët & Chandon e Veuve Clicquot, a aposta no Brasil está no projeto argentino Terrazas de los Andes, que acaba de lançar a linha Parcel, composta por quatro rótulos, todos 100% Malbec e vinificados de forma muito parecida, ressaltando que a grande diferença das expressões está apenas no tipo de solo onde está o vinhedo e a altitude.
“Hoje temos a coragem para mostrar a identidade da Malbec e dos diferentes terroirs”, afirma o diretor de enologia de Terrazas, Marcos Fernandez. “Por muito tempo, fizemos vinhos para agradar alguns críticos, com muita concentração e barrica de carvalho, mas eram todos vinhos muito parecidos.”
Novos rótulos vão chegar ao Brasil. A importadora World Wine, por exemplo, vai trazer vinhos de alguns dos mais renomados produtores que ainda não estão presentes no Brasil.
É o caso do alemão Markus Molitor, que foi catapultado no círculo dos enófilos quando três de seus Rieslings receberam a nota perfeita da Wine Advocate, do aclamado crítico americano Robert Parker, em uma mesma safra (2013).
“Markus Molitor nos procurou e quando nosso comitê provou os vinhos queríamos importar todos. São vinhos excepcionais e de guarda”, diz Juliana La Pastina, presidente da World Wine.
Outra aposta da World Wine é em Gerard Bertrand, hoje o maior produtor de vinhos biodinâmicos no mundo. Além disso, Chapoutier, uma das vinícolas mais premiadas da região do Rhône, integrará o catálogo da importadora em 2022.
“Na França, já somos vistos como o principal importador de vinhos daquele país. Nos dois últimos anos fomos os principais compradores de Bordeaux, entre as empresas brasileiras”, afirma Juliana. “Em 2022, já temos mais de 70 mil garrafas compradas en primeur (compra futuro)."
Outra empresa a apostar em clássicos do Velho Mundo é a Casa Flora, tradicional importadora de alimentos e vinhos finos. Ela trará novos vinhos da Lupé-Cholet, da Borgonha, como também vinhos de pequenos produtores de Bordeaux (chamados Petit-Châteaux). Um novo tinto espanhol da conhecida linha Pata Negra (de Toro) deve chegar em 2022.
“Com o reabertura dos restaurantes e lojas voltamos com nosso foco, que sempre foi a distribuição de vinhos”, diz Adilson Carvalhal Junior, diretor-executivo da Casa Flora. “Durante a pandemia, criamos um site de e-commerce que agora disponibilizará os vinhos mais caros que importamos, com perfil B2C.”
Os desafios econômicos de 2022
O setor de vinhos deve manter uma trajetória de crescimento em 2022. Mas a expansão deve acontecer em um ritmo menor. “A Black Friday já não foi como esperávamos e há sinais de uma recessão na economia”, diz Ruiz, de Henkell-Freixenet.
O executivo diz que segue comprando produtos e contratando funcionários, mas a previsão inicial é de um crescimento de 30% no faturamento em 2022. “Ainda muito positivo, mas aquém dos mais de 70% que devemos crescer em 2021”, afirma Ruiz.
Gorenstein, da Evino, afirma que em ano de eleição aumenta a imprevisibilidade sobre a economia, afetando o câmbio e o consumo. Soma-se a isso a persistente dificuldade de acesso aos insumos secos de um vinho, como garrafa de vidro, papelão e cápsula.
Outra fator de preocupação é a diminuição das rotas e disponibilidade de contêineres para transporte marítimo e a quebra de safra no hemisfério Norte, em especial na França, Itália e Espanha.
“Se tirarmos o câmbio dessa conta, estimo que haverá um aumento de 10% no preço de compra dos vinhos”, afirma o CEO da Evino “É algo sensível nos vinhos importados mais baratos.”
No caso da gigante Moët Hennessy, os efeitos da quebra da safra 2021 só deverão ser sentidos daqui a três anos, quando os lotes desta safra devem entrar na composição dos principais champagne da casa.
A importadora Anima Vinum, especializada em pequenos produtores de Champagne e da Borgonha, já antecipa a dificuldade com a oferta de produtos da safra 2021.
A enóloga, gestora e herdeira da casa de champagne Thierry Massin, Violaine Henry, perdeu mais da metade da safra 2021, e possui apenas 12 hectares de vinhedo. A solução será refazer as alocações daqui a alguns anos para repor gradualmente o estoque dos vinhos-base.
Alaor Lino, sócio da Anima Vinum, comenta também que os vinhos de Chablis (Borgonha) já estão sumindo rapidamente das gôndolas e a situação deve se agravar pelas geadas sofridas em 2021.
Mas, como diz Gorenstein, da Evino, no começo dessa reportagem, não "existem ex-bebedores de vinho". Um sinal de que o mercado, mesmo em tempos difíceis, deve ter atingido outro patamar.