O gênero biografia nunca foi um segmento consolidado no Brasil, como acontece na Europa e nos EUA. Acadêmicos e intelectuais por aqui sempre fizeram cara feia para esse tipo de narrativa, como se saber da vida de artistas, intelectuais e políticos não tivesse qualquer valor para entender a gênese e as influências de sua obra ou de sua trajetória na vida pública.

Mas o contexto tem mudado nas últimas décadas, desde que biografias como dos empresários Assis Chateaubriand (Fernando Morais) e Barão de Mauá (Jorge Caldeira), entre outros, tornaram-se best sellers, com mais de 100 mil exemplares vendidos.

Outros dois exemplos de excelência de pesquisa e escrita, porém, viraram polêmicas, por causa de ações judiciais movidas por familiares, como Garrincha (Ruy Castro) e Noel Rosa (João Máximo e Carlos Didier).

Ou a proibição de Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo César de Araújo, em que o biografado conseguiu proibir o livro, em um caso inédito desde o fim da censura imposta pela ditadura militar, sob a alegação de prejuízos financeiros.

Araújo e recorreu e virou a mesa. Em junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, por 11 votos a zero, que, a partir de seu caso, autores e editoras não precisavam mais de autorização dos biografados ou de seus herdeiros para a publicação de livros.

Um efeito dessa medida pôde ser sentido em 2017, quando os livros de memórias fizeram o segmento crescer 23,4% em faturamento em relação a 2016, de acordo com dados da Nielsen Bookscan, que faz pesquisas no mercado livreiro, a pedido da Folha de S. Paulo. Em número de exemplares, a alta foi de 8%.

Não há números mais recentes desde então, mas o que sabe é que as vendas a cada ano costumam ser puxadas para cima quando os biografados são bem conhecidos. Ou as obras consagradas pela crítica.

E se depender deste fim de 2021, as tiragens serão generosas, com nomes famosos como Roberto Carlos, João Gilberto, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e do ex-presidente Ernesto Geisel.

São edições volumosas que aprofundam na vida desses personagens, escritas por alguns dos mais respeitados biógrafos brasileiros. Destaque para a obra póstuma de Zuza Homem de Mello, morto no ano passado, sobre o criador da bossa nova João Gilberto.

Confira:

1 – Roberto Carlos outra vez: 1941-1970 (Vol. 1)
Paulo Cesar de Araújo
Editora Record, 920 páginas

Mais uma vez, Paulo Cesar de Araújo volta a biografar o cantor recordista de venda de discos no país. Dessa vez, protegido por uma decisão do STF. Em vez de relançar o livro censurado, de 2006, ele preferiu recontar a história dividida em capítulos com títulos das músicas. Nesse primeiro volume, ele vai da infância de menino pobre no interior do Espírito Santo ao estrelato, em 1970, quando Roberto passou a ser rotulado de “rei”, por vender seguidas vezes mais de um milhão de discos. Agora, o autor apresenta informações e histórias inéditas, curiosidades e detalhes de composições mais importantes.

2 – Amoroso: Uma biografia de João Gilberto
Zuza Homem de Mello
Companhia das Letras, 344 páginas

Há uma unanimidade de que o jornalista e crítico Zuza Homem de Mello era o nome mais capacitado para biografar João Gilberto, o inventor da bossa nova. Pelo seu conhecimento sobre o tema e pela intimidade do convívio com o astro que ficou conhecido também pela vida reclusa que levava a certas excentricidades. E ele supera todas as expectativas nesta que foi sua última obra, concluída um pouco antes de sua morte, em outubro de 2020. Sem qualquer rigor com o modelo clássico de biografias, Zuza avança e volta no tempo para compor um retrato intenso e humano, capaz de arrancar lágrimas nas últimas páginas.

3 – À procura da própria coisa: Uma biografia de Clarice Lispector
Teresa Montero
Editora Rocco, 768 páginas

Clarice Lispector tem gozado nos últimos 30 anos de uma fama que não conheceu em vida. Ela morreu em 1977. As novas gerações têm se renovado como suas leitoras ávidas. Principalmente o público feminino. Esta é a segunda biografia caudalosa sua, fruto de três décadas de pesquisas da professora Teresa Montero. Entre o expressivo material inédito, ela apresenta a única entrevista de Clarice em seu apartamento no Leme, para a TVE, e as fichas registradas pela Polícia Política entre 1950 e 1973, garimpadas no APERJ e no Arquivo Nacional.

4 – João Cabral de Melo Neto: Uma biografia
Ivan Marques
Editora Todavia, 560 páginas

Entre os poucos poetas que vendem expressiva quantidade de livros no Brasil está João Cabral de Melo Neto. Seu longo poema “Morte e Vida Severina” marcou a contracultura na década de 1960 e se tornou clássico com o tempo. Nessa cuidadosa e bem fundamentada biografia, na melhor tradição de pesquisa brasileira, o autor parte da origem no coração da aristocracia açucareira de Pernambuco à perseguição por comunismo no Itamaraty, detalha o processo de criação dos primeiros versos nos passos de Carlos Drummond de Andrade à consagração como o mais construtivo poeta brasileiro.

5 – Ernesto Geisel
Maria Celina D'Araújo e Celso Castro
Editora FGV, 508 páginas

A seriedade do trabalho dos historiadores do CPDOC da Fundação Getulio Vargas Maria Celina D'Araújo e Celso Castro para registrar as memórias dos protagonistas da ditadura militar fez com que o penúltimo presidente do regime, Ernesto Geisel, conhecido por sempre ter evitado falar com a imprensa e com historiadores, desse horas de entrevistas ao dois pouco antes de morrer, em 1996. O material é a base dessa biografia. Geisel narrou sua infância, formação intelectual e profissional, funções na administração pública e experiência no Exército. A parte central se refere à sua participação na ditadura militar, principalmente, na presidência da República, de 1974 a 1979, quando começou o processo de abertura lenta e gradual.