Em março de 2021, o investidor americano Michael Burry, famoso por ter previsto a bolha imobiliária que geraria a crise econômica de 2008, disse em uma série de tweets que a Volkswagen “superaria, em breve, a Tesla na corrida dos carros elétricos”.
"Investidores subestimam o tamanho, a escala, as marcas, o poder duradouro e os recursos da Volkswagen", escreveu Burry na época. "Vocês já se perguntaram quem é dona da Bentley, Bugatti, Lamborghini, Porsche, Ducatti, etc? A Volkswagen."
Pois a Volkswagen está, de fato, apostando suas fichas no mercado de carros elétricos. “Estamos investindo 73 bilhões de euros em mais de 130 veículos até 2030. Lançamos o ID.3, o ID.4, estamos começando a produzir a Kombi elétrica”, diz Pablo Di Si, chairman executivo da VW para a América Latina ao NeoFeed.
Segundo o executivo, esse é apenas o início da investida da empresa no segmento. Mas não é a única aposta. Di Si foi o maior entusiasta da criação de um centro global de pesquisa da Volks no Brasil para estudar biocombustíveis – especialmente o etanol.
“Está todo mundo falando de matriz energética e redução de CO2 no mundo. E acho que o Brasil tem tudo para dar certo e ser protagonista nessa história, pelo etanol, pelo biogás, pelo metano. Mas, para isso, é preciso ter políticas públicas”, afirma.
Nessa entrevista ao NeoFeed, ele fala também da digitalização da Volks, os novos modelos de monetização, ESG e a crise dos semicondutores, que fizeram a indústria nacional como um todo deixar de vender 350 mil unidades.
Di Si também diz que sua expectativa é a de que as vendas da montadora, que atingiram 300 mil unidades no ano passado, cresçam entre 3% e 5% neste ano. “Estou moderadamente otimista. Os juros subiram muito, isso tem impacto no bolso do consumidor. Um aumento de 2% para 12% é muita coisa”, afirma. Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Muito se fala de energia limpa no mundo inteiro. Como você avalia o Brasil nessa questão envolvendo a mobilidade?
O Brasil está em um momento de inflexão positivo. Está todo mundo falando de matriz energética e redução de CO2 no mundo. E acho que o Brasil tem tudo para dar certo e ser protagonista nessa história, pelo etanol, pelo biogás, pelo metano. Mas, para isso, é preciso ter políticas públicas – como a Alemanha, Estados Unidos e China têm suas políticas superpoderosas e positivas para carro elétrico. A política pública e privada tem de olhar o que há de melhor em cada país e o Brasil tem muito a contribuir.
De que forma?
No ano passado, apresentei no conselho mundial da Volks um projeto de trazer um centro de pesquisa e de desenvolvimento de etanol e biocombustíveis para o Brasil. É uma estratégia complementar ao carro elétrico, flex. Claro que vamos lançar carros elétricos e híbridos, mas por que não ser uma fonte alternativa de combustível renovável como é o solar, eólico e etc.? O conceito é transformar o etanol em célula combustível para carro elétrico, por exemplo. Poderemos exportar isso para a Alemanha, os Estados Unidos e outros países. É mais uma fonte de energia renovável, mais uma opção.
Que outras frentes têm sido abertas nessa parte de energia e novas tecnologias?
O outro vetor é acelerar a parte digital. Cada vez mais estamos incorporando ferramentas digitais no aplicativo "Volkswagen e eu". Acabamos de colocar uma calculadora em que o usuário pode escolher entre gasolina e etanol. Ele calcula o custo por quilômetro rodado com cada um dos combustíveis e o CO2 emitido pela gasolina e pelo etanol. O objetivo é a consciência ambiental e o cliente pode fazer sua escolha.
“Está todo mundo falando de matriz energética e redução de CO2 no mundo. E acho que o Brasil tem tudo para dar certo e ser protagonista nessa história, pelo etanol, pelo biogás, pelo metano”
A Tesla se apropriou da narrativa do carro elétrico e hoje é quase sinônimo desse tipo de veículo. Como a Volkswagen está nesse segmento?
A Volks tem a linha de produtos mais agressiva em carros elétricos e híbridos. Estamos investindo 73 bilhões de euros em mais de 130 veículos até 2030. Lançamos o ID.3, o ID.4, estamos começando a produzir a Kombi elétrica. Estamos no início dessa investida elétrica. Criamos uma plataforma nova, a Volks não tinha uma plataforma, foi criada do zero. Agora, Tesla é um concorrente de respeito.
No campo tecnológico, inclusive em carro autônomo, eles estão bem avançados. Como a Volks vai chegar neles?
Em qualquer indústria, se você já tem um legado, uma forma de trabalhar, é muito mais difícil você mudar de um dia para o outro do que um novo concorrente. Não é que não estamos mudando. O benefício da Tesla é que, não tendo nada, começou com 65% do seu quadro de funcionários sendo engenheiros de computação. Ela não passou de carro a combustão e por essa transformação. Estamos passando por isso. Por outro lado, temos todo um know how de qualidade, de produção, de fazer carros olhando para o consumidor. Agora é acelerar essa transformação para ter um carro mais conectado em tecnologia.
E o que há de novo nesse aspecto?
Acabamos de lançar na Alemanha o primeiro update over the air. Você faz uma atualização do software dentro do carro de onde estiver. Antes, você precisava ir até a concessionária fazer isso. Agora, você usa a conexão da rede do seu celular ou do wifi para atualizar o sistema.
Em termos de infraestrutura, o Brasil está preparado para os carros elétricos?
Não está preparado. Todo mundo fica bravo comigo quando falo isso, mas isso não quer dizer que não vamos trazer essa tecnologia para o Brasil. O meu ponto é que para atingir a maturidade de mercado vai demorar um pouquinho mais. Por exemplo, se você coloca um posto de carregamento de energia ainda não foi regulado o custo da energia. Tem que mudar a legislação e a regulamentação.
“Acabamos de lançar na Alemanha o primeiro update over the air. Você faz uma atualização do software dentro do carro de onde estiver”
Mas o mercado ainda é pequeno...
No ano passado, o Brasil vendeu 2,8 mil carros elétricos. Você sabe qual foi o preço médio? R$ 410 mil. Funciona como um segundo carro. Daqui a cinco ou dez anos, será mais popular esse negócio. O ponto aqui é que precisamos colocar mais ênfase nas políticas públicas privadas para trazer essas tecnologias e eliminar CO2.
O que falta para o etanol?
Falta uma melhor comunicação do agronegócio, nossa como indústria e do Brasil. O etanol não foi criado para reduzir CO2 lá na década de 1970, foi criado para reduzir a dependência do petróleo. Só décadas depois descobrimos a importância dele. O nosso presidente mundial, Herbert Diess, fala, por exemplo, que não adianta você ter carro elétrico na Polônia onde a matriz é a base de carvão. Precisamos de mais pessoas falando sobre esses fatos.
Quais são os planos da Volks para a operação no Brasil?
Anunciamos um investimento de R$ 7 bilhões, há quatro meses. Com base em três pilares: lançamento de produtos, reforçando nosso portfólio; conectividade, criando um mundo digital, monetizando isso e fazendo com que o carro fique totalmente conectado; e por último a sustentabilidade, reduzindo a emissão de CO2.
Você falou de monetizar no mundo digital. De que forma?
Criamos um modelo flexível e estamos exportando o Volkswagen Play para 70 países do mundo Volks. Estamos vendendo conhecimento brasileiro e ganhando royalties. O segundo ponto é que escolhemos algumas empresas parceiras como Spotify, Sem Parar e outras. Com algumas delas, monetizamos. Ou são por cliques ou por taxas de conversão. Começamos no primeiro ano com cinco parcerias, depois embarcamos mais sete e pretendemos colocar mais dez. Ainda é um negócio pequeno, mas é importante começar.
“Criamos um modelo flexível e estamos exportando o Volkswagen Play para 70 países do mundo Volks. Estamos vendendo conhecimento brasileiro e ganhando royalties”
Em termos de vendas, como foi o ano passado para a Volks aqui no Brasil?
Foi bom, tivemos lucro, mas poderia ter sido melhor. Tem um estudo da Anfavea que mostra que, por conta dos semicondutores, a indústria perdeu 350 mil veículos em vendas. Isso gera um desconforto nas montadoras, nas concessionárias e nos consumidores. Por isso, você lia que tinha espera de 4 meses para comprar um carro. A Volks vendeu 300 mil veículos, tivemos 15% de market share de um mercado de 1,9 milhão de carros vendidos.
Qual é a expectativa para esse ano?
Como indústria, acho que teremos um crescimento de 3% ou 5%. E a Volks também, mais ou menos por aí. O que temos de ter cuidado é com o aumento de juros, que impacta muito na indústria.
A companhia vai lançar novos modelos no Brasil?
Vamos. Estamos investindo em carros de linha de entrada e vamos continuar investindo em SUVs e picapes. Em 2023, vamos lançar a família Polo Track, mais conectados e mais bonitos.
“Como indústria, acho que teremos um crescimento de 3% ou 5%. E a Volks também, mais ou menos por aí”
A questão dos semicondutores é um problema que foi resolvido?
Melhorou, mas está longe de ser solucionado. São fábricas que demoram dois ou três anos para serem construídas. Esse primeiro quadrimestre, até abril, vai ser mais complexo e deve melhorar no segundo semestre. Assumindo que não surja uma nova cepa da Covid-19 e não feche uma fábrica, deve melhorar.
A Volks tem planos de criar uma fábrica de semicondutores?
Não, mas vamos ser muito mais participativos nos desenhos dos semicondutores com os produtores para simplificar, ter alternativas. Ou seja, uma engenharia muito mais integrada para possíveis contingências. Foi um aprendizado tudo isso o que aconteceu.
Antes da pandemia, a Volks iniciou a venda digital com realidade virtual. Esse negócio andou? As vendas digitais estão tracionando?
Estão tracionando, mas é claro que é uma questão cultural. Tem concessionários que gostam e outros que não gostam. Mas acelerou na pandemia. Em julho de 2020, sem ter um carro físico na rede, lançamos o Nivus e vendemos 5 mil unidades pelos meios digitais. Hoje, as vendas digitais representam menos de 10% do total. Não temos uma meta, mas acreditamos que temos de dar opções aos consumidores.
A Volks anunciou um empréstimo de R$ 500 milhões com o Bradesco com metas ESG. Qual o objetivo?
O prazo vai até 2024 e tem dois vetores: diversidade e redução de CO2. Não estamos fazendo isso pelo dinheiro. É um compromisso com Volkswagen e um compromisso, principalmente com a sociedade. Nos comprometemos a aumentar mulheres em cargos de gerência de 9% para 25%. Eu costumo dizer que a parte mais fácil é contratar, o mais difícil é mudar a cultura para que a mulher, o negro, o pardo, alguém diferente, fique. Nosso objetivo é que essas pessoas fiquem, que estejam confortáveis, que possam opinar e contribuir com o negócio. O segundo vetor, o CO2, onde já temos energia renovável nas nossas quatro fábricas. Agora, vamos reduzir em 12% um patamar que já é alto. Assinamos uma parceria com a Raízen para converter equipamentos da fábrica de Taubaté e parte da de Anchieta que usam gás natural a base de petróleo em biometano.