Desde que abriu o restaurante que leva seu nome, em 2011, a chef Manu Buffara colocou Curitiba no mapa gastronômico mundial. Com apenas cinco mesas capazes de acomodar até 20 comensais por noite, a casa localizada no bairro do Batel só trabalha com menu degustação (R$ 415 por pessoa sem bebidas, ou R$ 725 harmonizado com vinho). Sendo que, há três anos, apenas uma das iguarias é composta por carne.
No Manu, os vegetais vindos diretamente de pequenos produtores da região são as estrelas. Ao ponto do prato principal do novo cardápio ser uma cenoura. Sim, uma cenoura. Servida com molho de fermento natural e mandioca. Simples e arrebatador.
“Não sou vegetariana, mas acho que a gente está ali para passar uma mensagem por meio do alimento. Ninguém repara que não tem tanta carne. Não preciso destacar isso para o comensal que está ali pela experiência, não para ter uma aula. Esse não é meu papel. É algo sutil”, diz ela, que ocupa a 21ª posição na lista The Best Chefs Awards e a 49ª no ranking 50 Best Restaurants da América Latina. Premiação que, em 2018, já tinha indicado a chef com o “One to Watch Award”.
Acostumada a dividir bancadas em festivais pelo mundo com chefs estrelados como Dominique Crenn (Atelie Crenn, EUA), Virgilio Martinez (Central e MIL, Peru), Pía León (eleita melhor chef do mundo em 2021, à frente do Kjolle, no Peru) Alex Atala (D.O.M, Brasil), Anatoly Kazakov (Selfie, Rússia) e Rodolfo Guzmán (Boragó, Chile), Manu foi a primeira brasileira a estagiar no premiadíssimo restaurante Noma, em Copenhagen.
No início da carreira, passou temporadas ao lado de mestres nos italianos DaVittorio e Guido, além do Alinea, em Chicago. Todos com várias estrelas Michelin. O guia francês certamente ainda só não a condecorou por falta de edição que abranja Curitiba.
Mas se o Michelin não tem a cidade no radar, o mesmo não se pode dizer dos verdadeiros gourmands do mundo que apesar das restrições de viagem ainda impostas pela pandemia, já voltaram a representar quase metade de sua clientela no Paraná. Foi justamente dessa forma que Manu conheceu seu sócio americano, que encantado com sua cozinha in loco, lhe propôs inaugurar a primeira casa fora do Brasil. Mais exatamente no bairro de Chelsea, pertinho da incensada High Line, em Nova York.
Com data de abertura anunciada algumas vezes – a última delas às vésperas do lockdown americano –, o restaurante de Manoella está previsto para finalmente começar a operar entre outubro e novembro deste ano. “Nunca foi cogitado cancelar o projeto, mesmo quando tudo fechou e vários restaurantes não aguentaram esperar pela retomada”, pontua a chef sobre os adiamentos.
O investimento feito em partes iguais com os dois sócios estrangeiros (já parceiros em outros negócios) não é revelado. O que se sabe é que o salão terá 62 lugares (alguns posicionados em uma bancada com vista direta para a cozinha) com arquitetura de Isay Weinfeld e mobiliário do studio mk27, do arquiteto Marcio Kogan.
Para comandar o bar está previsto o incensado bartender brasileiro Marcio Silva (ex-sócio do Guilhotina, em Pinheiros-SP, apontado como 15º melhor do mundo pela 50Best Bars, em 2019). “Mas ainda estamos vendo por uma questão de agenda”, sinaliza Silva.
Batizado de Ella, o restaurante terá uma cozinha mais despojada, com cerca de 10 pratos e duas sobremesas para compartilhar, sem uma brasilidade óbvia. “Ela estará mais presente na técnica, no jeito de fazer uma paçoca de carne, de curar o peixe, de preparar o leite vegetal, do que nos produtos em si. Se bem que hoje você encontra fácil produtos brasileiros no exterior”, lembra.
A previsão é que o tíquete médio fique em torno dos US$ 180, US$ 190, valor próximo aos R$ 730 por pessoa obtidos no restaurante de Curitiba. Ou dos US$ 205 cobrado pelo menu degustação de seis tempos, com direito a caviar, vieiras e muitos vegetais, do mais novo restaurante do chef Daniel Boulud na Big Apple, Le Pavillion. Curiosamente e coincidentemente, também projetado por Weinfeld.
“A ideia é criar um modelo que possa estar em qualquer lugar do mundo”, completa, deixando escapar que a casa já nasce com planos de expansão. “Eles já queriam partir para outro modelo, com menu degustação, mas vamos com calma. Sociedade é como casamento. Precisamos nos conhecermos melhor antes de dar o próximo passo”, pondera.
Recentemente, outros ícones da gastronomia brasileira também aterrissaram nos Estados Unidos após longo período de incubação. Em setembro de 2021 o chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, que inaugurou em Los Angeles o Caboco, com investimento de US$ 500 mil e parceria com o restaurateur Bill Chait. Tocado localmente pelo chef Victor Vasconcellos, tem ganhado destaque nas listas de melhores do ano ao apostar no menu com clássicos como a caipirinha, torresmo, feijoada, baião-de-dois, pato no tucupi e pudim de tapioca.
No fim de fevereiro desse ano foi a vez de Rogerio Fasano realizar o sonho adiado por 30 anos e inaugurar um restaurante com seu sobrenome em Nova York. Localizado na 49th Street com a Park Avenue, tem cozinha focada no Norte da Itália sob o comando do chef Nicola Fideli, carta de vinho curada pelos sommeliers Manoel Beato e Dânio Braga. O projeto é assinado também por Isay Weinfeld, com quem Fasano já tem parceria há anos. O investimento divulgado foi de US$ 40 milhões, feito pelo empresário Steven Roth, chairman do grupo imobiliário Vornaldo Realty.
Uma das equações mais complexas nessa expansão de fronteiras, o gerenciamento da nova casa à distância, não preocupa Manu. A rede de fornecedores já está bem encaminhada graças à ajuda dos cozinheiros amigos que vivem na cidade. Além disso, diz ela, as diferenças na forma de conduzir o operacional já foram absorvidas.
“Lá não tem uma única pessoa que centraliza as compras, por exemplo. É uma dinâmica mais rápida, sem tanta burocracia. Cada chefe de setor é responsável pelos seus gastos e operações. Como eles não recebem por hora, quanto menor o CMV (custo de mercadoria vendida) que conseguirem obter, mais eles ganham na caixinha final se tiverem negociado a remuneração com base em uma porcentagem do lucro”, explica.
A proposta da chef é estar fisicamente presente ao menos uma vez por mês, enquanto os fiéis escudeiros Lucas Correa (sous-chef) e Deibd Rodrigues (salão) garantem o padrão no dia a dia. “O Lucas já está comigo há 10 anos, e o Deibd, oito. A maior parte da equipe em Curitiba está há muito tempo comigo. Os dois meninos que vão completar a equipe quando eles viajarem já estão treinando há um ano. A gente vai se tornando uma família”, afirma.
Não à toa ela já tem na manga o nome de dois outros ex-funcionários com mais de quatro anos de casa, e que no momento estão trabalhando na Ásia, para assumir um outro projeto à distância. Desta vez, uma versão pop-up do Manu no hotel Soneva (de propriedade do empresário indiano Sonu Shivdasani, fundador da rede de Resorts e Spas de luxo Six Senses), nas Maldivas.
“Deve sair entre o fim desse ano e o começo de 2023. Ainda estamos acertando os detalhes”, conta a chef. O convite veio após comandar uma série de jantares no hotel em agosto de 2021. De lá para cá participou de eventos gastronômicos com vários chefs internacionais em São Paulo, Espanha, Tailândia, Itália, Rússia, Bélgica e duas vezes na Colômbia. “Você acaba viajando mais do que alguns outros porque criou um círculo de amizades maior. Mas o objetivo não é atrair cliente ou prêmios, mas passar um pouco do conhecimento, mostrar um pouco mais do meu país, minha cidade, da nossa cultura.”
Mas como manter a qualidade em todos os lugares com essa motivação globe trotter? “Você tem que ter organização, saúde, foco no que faz”, diz ela, que ainda encontra tempo para jogar tênis com o marido, praticar ioga, viajar com as duas filhas de sete e cinco anos e encabeçar projetos sociais como o Alimenta Curitiba. Criado pelo Instituto Manu Buffara em 2020, promove a distribuição de alimentos e a realização de eventos de educação e inserção social nas áreas mais carentes da capital paranaense.
Para o início de 2023, quando completará 38 anos, ainda está previsto o lançamento de seu primeiro livro, pela editora Phaidon, mundialmente reconhecida pela qualidade de suas publicações de luxo nas áreas de moda, arquitetura, design, fotografia, viagens e gastronomia, que acabam se tornando objetos de desejo. A edição, com texto da jornalista Carol Chagas, apenas em inglês, e fotografia de Jimena Agois, chegará como uma luva para ampliar ainda mais sua projeção internacional.