Leonardo Cabral, 41 anos, é um fluminense nascido no bairro do Catumbi, próximo da Marquês de Sapucaí, o Sambódromo do Rio de Janeiro. Era mangueirense de nascença, mas, por influência da esposa, acabou virando portelense daqueles de entrar na avenida. O próprio diz que desfilar ao som da Portela foi uma das maiores emoções de sua vida. Uma das maiores, é bom frisar, porque ele tem passado por várias outras no mercado financeiro.

Como head de investment banking do Credit Suisse, Cabral está acompanhando de perto o humor do mercado de ações, que tem se parecido com a mesma bateria comandada por Nilo Sérgio, o mestre da Portela. Se estava em ritmo frenético em 2021, com dezenas de aberturas de capitais e follow ons, o som dos sinos nas bolsas, de repente, parou. Indagado se o inverno está chegando, Cabral diz que “já chegou”. Mas isso não tira o seu otimismo.

O executivo acredita que a janela abrirá novamente e que o Brasil segue no radar dos investidores estrangeiros. E, se o mercado de ações está mais restrito, ele enxerga uma maior movimentação no mercado de dívida, de fusões e aquisições, e de empresas de private equity e venture capital investindo em companhias de capital aberto.

“É um momento de mais restrição no acesso a capital, um momento do investidor ser mais parcimonioso e diligente ao fazer investimentos”, diz Cabral ao NeoFeed. “Não vejo um mercado, daqui para frente, mais restrito do que foi neste início de ano. Dado que o inverno já chegou, agora o nosso momento é como reagimos a essa nova realidade.”

Ele fala com a experiência de quem esteve em vários lados do balcão. Formado em engenharia no Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro, Cabral já havia trabalhado no Credit Suisse entre 2004 e 2015. Nos últimos anos, fez um mestrado em administração em Stanford, voltou para o Brasil e se tornou assessor de Pedro Parente na presidência da Petrobras, no momento mais turbulento da companhia.

Depois, virou sócio da Laplace Finanças, onde ficou cinco meses, e, de 2019 a 2021, ocupou o cargo de diretor de privatizações do BNDES. Ele foi convidado por Gustavo Montezano para atuar no banco de fomento em duas frentes: desinvestir da carteira do BNDES, que tinha R$ 120 bilhões em ações, e criar uma espécie de “investment banking” no banco para estruturar projetos por todo o Brasil.

Na função, esteve a frente de 50 transações que renderam R$ 80 bilhões para o BNDES e para o governo federal. Foram negócios como a venda de mais de R$ 20 bilhões em ações na Petrobras, outros R$ 30 bilhões em ações e debêntures na Vale, entre outros desinvestimentos. “A carteira de ações trazia muita volatilidade para o resultado do banco. É um banco de desenvolvimento e não um banco para segurar um estoque tão grande de ações”, diz Cabral.

Depois de seis meses de quarentena, de volta ao mercado privado, Cabral tem a missão de fazer o Credit Suisse se manter entre os maiores players desse setor. No ano passado, por exemplo, o banco participou do IPO da Raízen, do Pátria e do re-IPO da Dasa. Nos M&As, assessorou o Big na venda para o Carrefour; o C6 Bank na venda de 40% para J.P.Morgan e assessorou a união entre B2W e Lojas Americanas.

Nesta entrevista a seguir, Cabral conta ao NeoFeed como o mercado mudou e o que esperar para este ano. Acompanhe os principais trechos:

O ano passado foi de recordes no mercado de capitais. O que você enxerga neste ano?
Ano passado, principalmente no mercado de ações, foi histórico tanto no Brasil como no mundo. Mas, em novembro do ano passado, começou a ter uma redução de emissões de ações, principalmente IPOs, e esse movimento continua até hoje. A janela de IPOs no Brasil está parada, sem nenhuma oferta. Tem algumas ofertas de follow on porque já tem um preço de tela e fica mais fácil para o investidor se basear e tomar a decisão se entra ou não no papel. Aqui no Credit Suisse participamos de duas ofertas recentes, como BRF e Equatorial.

Como foram os desempenhos?
No caso da Equatorial, tinha preço de tela e foi interessante que a empresa tinha acabado de comprar a Echoenergia e a oferta foi justamente para captar recurso para também fazer frente para essa aquisição. Ao ir para rua, explicar a transação para o mercado e as novas fronteiras de crescimento da Equatorial, o mercado recebeu bem. A ação, durante o período do anúncio e precificação, teve aumento no preço. Hoje, a ação continua performando bem. Foi prêmio em relação a oferta e hoje está a prêmio em relação ao preço da transação. Ou seja, um ganha-ganha, é bom tanto para o investidor como para a companhia. É esse tipo de mercado que permite novas transações.

Mas os IPOs pararam. Por quê?
Dois principais motivos. O primeiro é que falta referência, diferente de um follow on que já tem referência de preço. O segundo, que é o principal, é uma altíssima volatilidade. Estamos vendo hoje níveis de volatilidade comparadas a 2016, período de grande turbulência e crise no mercado brasileiro. Quando acontece isso, dificilmente você vê uma janela aberta para IPOs porque o investidor não quer entrar em um novo papel e correr esse risco de volatilidade.

"Estamos vendo hoje níveis de volatilidade comparadas a 2016, período de grande turbulência e crise no mercado brasileiro"

Na sua opinião, o que está fazendo o mercado ficar tão volátil?
O principal motivo é externo. Olha o preço de energia globalmente, a guerra da Ucrânia, a inflação também é um cenário global.

Você acha que o investidor estrangeiro cansou do Brasil?
Posso estar sendo otimista, mas ainda vejo o Brasil com muita chance de atrair esse investidor. O Brasil acaba sendo um polo, no mercado volátil, onde o investidor tem de reavaliar as opções em outros países e vai olhar risco e retorno. O Brasil se sobressai e vai ser um bom polo de atração de investimentos. Com uma diferença: a quantidade de investimentos já contratados em um patamar que nunca vimos na história desse País.

Por exemplo?
Vou dar o exemplo da minha ex-casa. Só no BNDES, nos projetos atuais, tem aproximadamente R$ 400 bilhões de investimentos. Alguns já contratados, leilões realizados, mais de R$ 100 bilhões. E R$ 270 bilhões em projetos na carteira do BNDES. Há dois anos, foi aprovada a lei do saneamento, com a obrigação de universalizar até 2033. O que isso significa? São US$ 200 bilhões, US$ 300 bilhões de investimentos que o Brasil terá de fazer para cumprir essa meta. Os estados e municípios perceberam que terão de contar com o mercado privado. E o mercado privado está se preparando para acessar esses recursos e vão tomar isso no mercado de capitais. O Brasil vai ter um mercado de capitais robusto nos próximos anos.

E neste ano?
Não fazemos projeções, mas certamente vai ter uma queda. Não teremos neste ano o mesmo patamar no mercado de ações, sobretudo em IPOs, em relação ao ano passado. A janela deve se abrir mais para o final de 2022, pós-eleição, saberemos qual será a regra do jogo, o que vai acontecer, com os nomes na mesa, aí o mercado vai reaquecer.

No ano passado, muitas empresas abriram capital sem ter tantas condições, captando muito dinheiro. Houve excessos?
Estava fora do mercado, não quero fazer julgamento. Mas, certamente, quando tem mercado com muito investimento, investidor fazendo alocação de capital muito forte como em 2021, acaba tendo algum tipo de exagero.

"Quando tem mercado com muito investimento, investidor fazendo alocação de capital muito forte como em 2021, acaba tendo algum tipo de exagero"

Qual o efeito disso?
Deixa uma sequela. Se você olha o histórico das ofertas que aconteceram em 2020 e 2021 e a maioria está 70% ou 80% para baixo, na hora que vai defender um IPO vai ser muito questionado. Isso atrapalha em relação a IPOs e estamos vendo isso neste momento.

Você tem escutado isso nas conversas?
Sim, estão mais receosos. Isso significa que os investidores não vão entrar em novos IPOs? Não. Mas querem pagar um grande desconto em relação ao preço de referência pedido pelo empreendedor.

E quando volta para o empreendedor falando sobre o desconto?
Aí não vai. O papel dos bancos é mostrar que o fato de o mercado de ações estar fechado não significa que a empresa não tem acesso a capital. É muito importante separar uma coisa da outra. Não é porque não tem acesso ao mercado de ações que você deve cancelar o plano de investimentos, não é isso. Tem de olhar outras fontes de financiamento. A empresa tem capacidade de tomar um pouco mais de dívida? Fundos de private equity e venture capital estão mais capitalizados. Isso abre um caminho para ver uma série de transações dentro do mercado privado, seja private equity em ações tradicionais, seja alguma dívida mais estruturada, um instrumento conversível, estamos vendo esse mercado mais aquecido em detrimento ao mercado público de ações.

Aliás, nesta semana, a General Atlantic comprou uma participação na Locaweb no mercado de ações. Isso vai acontecer com mais frequência?
Sem dúvida, vai acontecer com mais frequência. Como o mercado de ações está fechado, abre esse espaço para o mercado de private equity.

"Como o mercado de ações está fechado, abre esse espaço para o mercado de private equity"

E os M&As? Muita empresa está capitalizada e não deu tempo de investir. Vamos ver empresas comprando outras empresas?
Essa área vem aquecida desde o ano passado. Só um ponto que eu não concordo com a sua pergunta. Não necessariamente quem tomou caixa vai usar esses recursos para fazer aquisições. Como teve um movimento de ajuste de preço, as empresas que tomaram recursos serão parcimoniosas na hora de usar esse dinheiro.

Vão segurar o caixa?
Vão segurar o caixa e fazer transações, de fato, muito estratégicas a preços corretos e não pagar os preços que eles mesmos foram avaliados em IPOs. O que pode acontecer, principalmente para empresas abertas, são transações de consolidação sem uso de caixa. A transação de Rede D’Or e SulAmérica é um exemplo, fusão entre companhias com preços estabilizados.

No ano passado, principalmente no mercado de tecnologia, teve empresa que captou centenas de milhões de dólares com menos de um ano de vida. Ainda tem espaço para isso?
Depende muito da empresa. Sem um produto definido, sem margem operacional, para esse tipo de empresa, vemos mais restrição.

E do lado do empreendedor, qual é a demanda?
A grande maioria buscando capital para crescer.

Se você pudesse definir esse novo momento de menos bonança de capital, como definiria?
Não diria menos bonança de capital porque tem muita liquidez no mercado. Mas é um momento de mais restrição no acesso a capital, um momento do investidor ser mais parcimonioso e diligente ao fazer investimentos. Isso nos obriga a trabalhar muito bem os projetos.

Para o mercado de capitais, “the winter is coming”?
O inverno já chegou. Não vejo um mercado, daqui para frente, mais restrito do que foi neste início de ano. Dado que o inverno já chegou, agora o nosso momento é como reagimos a essa nova realidade.