O crescimento do mercado de vinhos no Brasil nos últimos anos fez os olhos de muita gente brilhar forte. Desde 2018, o consumo per capita passou de 1,93 litro para atuais 2,5 litros, após bater o recorde de 2,8 litros em 2020. E dados de 2021 da consultoria inglesa Wine Intelligence indicam que 36% da nossa população adulta (51 milhões de pessoas) bebe vinho ao menos uma vez ao mês. O que torna o consumo nacional muito próximo ao dos norte-americanos ( lá foram 32%).

O resultado foi um frisson e um aumento de 34% no número de novas importadoras de vinhos abertas no mercado brasileiro nos últimos dois anos. O que até o fim de 2022 totalizava pouco mais de 750 empresas atuando no segmento, de acordo com levantamento da Ideal BI Consulting.

“O relacionamento do brasileiro com o vinho mudou. Ele entrou mais no dia a dia e isso chamou a atenção de muita gente que viu uma oportunidade de negócio”, disse ao NeoFeed Alexandre Bratt, CEO do grupo Víssimo, holding que engloba Evino e Grand Cru, um dos maiores importadores do país.

Mas, se num primeiro momento a concorrência aumentou e gerou grande impacto aos importadores já estabelecidos, agora com a alta das taxas de juros e a estabilização no consumo da bebida, o cenário deve mudar nos próximos anos.

Um levantamento realizado pela consultoria Ideal BI aponta para queda aproximada de 7% no volume de vinhos importados em 2022, principalmente pelos altos estoques dos anos anteriores.

“Estamos mapeando uma redução de 20% na importação direta do varejo exatamente pela desaceleração e a incidência da taxa de juros sobre o estoque e a rentabilidade”, diz Felipe Galtaroça, CEO da Ideal BI.

É esperado que grande parte das novas empresas entrem em dormência a partir deste ano, com o volume de atividade podendo voltar inclusive abaixo do existente em 2019.

“O mercado de vinhos caiu e nele não cabem mil importadoras”, avalia Bratt. “Na ponta da caneta, vale mais comprar de um importador especializado, que tem volume, armazena nas condições certas e te dá prazo de pagamento do que manter um estoque de alto custo.”

Alexandre Bratt, CEO da Víssimo

Outra desvantagem apontada por Bratt é a dificuldade de se chegar a um desenho tributário eficiente. “Como e onde você importa é muito relevante. E ter estrutura para fazer isso não é obvio.” Afinal, “trata-se de outro business”.

Aventureiros

Com o cenário ainda favorável durante a pandemia, muitos amantes do vinho decidiram se aventurar de forma independente nesse mercado. Muitas vezes trazendo um contêiner inteiro (o que significa cerca de 14 mil garrafas) com apenas um ou dois rótulos inéditos de vinícolas com as quais tiveram alguma proximidade em viagens ou por meio de amigos e parentes.

São pessoas físicas que descobrem um rótulo ou produtor bacana, lançam em grupos de WhatsApp, mas depois têm dificuldade para vender, mesmo que em marketplaces “porque outras 200 pessoas pensaram igual”, aponta Bratt.

E, pior, como a grande maioria foca em vinhos superpremium, uma vez que os mais acessíveis demandariam maior volume e estrutura para comercialização, o público-alvo também acaba sendo o mesmo.

O que reduz ainda mais as chances de sucesso da empreitada, que periga prejudicar o mercado como um todo com a redução dos preços como forma de recuperar rapidamente o capital investido.

“Conheço ‘n’ casos de pessoas que trouxeram um ou dois contêiners e já falaram que não vão mais trazer. Muita gente teve prejuízo”, garante o empresário, sem citar nomes.

Pneus e Perez Cruz

Além dos “aventureiros”, durante o período de vacas gordas muitos supermercados também intensificaram suas importações diretas e outros canais entraram no segmento. Foi o caso de alguns marketplaces e traders antes voltados a outras categorias, como a SetBras.

Então focada nas áreas de pneus e empilhadeiras, a empresa viu no fim de 2019 a oportunidade de entrar no então crescente mundo dos vinhos como representante das vinícolas chilenas Perez Cruz e Morandé, responsável por 70% das vendas.

“No início, eram 20, 25 rótulos. Agora já temos mais de 200, vindos de mais de 10 vinícolas no Novo Mundo e Europa”, conta André Lavinas D’Angelo, da SetWines, braço dedicado à bebida da SetBras.

Mas, se antes da pandemia o foco de atuação eram os distribuidores, canais e lojas especializadas, com a mudança do cenário econômico nos últimos meses e os estoques em alta, restaurante, bares e a venda B2C passou a ganhar mais atenção com a criação de um e-commerce próprio para fortalecer a marca e de uma equipe comercial especializada.

“Não entramos como aventureiros, mas para ter uma operação estruturada com crescimento multicanal”, afirma André Hilário de Azevedo, sócio da SetBras.

SetWine, da SetBras, reavalia o portfolio e abre de forma cautelosa rótulos diferenciados, como o chileno Goutte d’Argent

Daí, com a “barrigada do mercado”, estarem fortalecendo a relação com as vinícolas que garantem maior volume e exclusividade, reavaliando portfolio para uma eventual redução da oferta e das compras, e abrir de forma cautelosa para vinícolas boutique e rótulos diferenciados. Caso do chileno Goutte d’Argent , produzido pelo enólogo francês Pascal Marty com leveduras de saquê.

Da adega à mesa

Outros players que com a importação direta passaram a ampliar sua participação nesse mercado foram grandes conglomerados de restaurantes, que entenderam a oportunidade de reduzir custos ou aumentar margens nas garrafas vendidas à mesa.

Caso do grupo Barbacoa, que em 2021 trouxe as unidades da Adega Santiago e Casa Europa para debaixo de sua gestão, onde ainda estão as redes América e Graal, além dos restaurantes Rancho Português e Due Cuochi. Num total de cerca de 200 casas.

“Há quatro anos estamos planejando esse passo”, conta Valdeci Castro, gerente-geral do Rancho Português São Paulo, que no ano passado formalizou a abertura da importadora do grupo, com direito à contratação de Carlos Labre, ex-World Wine/La Pastina para encabeçar a operação. “Já tínhamos os pontos de venda e a demanda”, completa.

No Rancho Português, do grupo Barbacoa, há mais de 800 rótulos na carta

Atualmente, só nas cinco casas do Rancho Português, onde são comercializadas mensalmente cerca de 3 mil garrafas de vinho, há mais de 800 rótulos à disposição na carta, sendo que 65 já são negociadas diretamente com os produtores “com grande economia para o cliente”.

Um exemplo é o vinho Quinta da Romaneira Reserva, antes vendido a R$ 800, que passou a ser comercializado por R$ 580, com desconto de 20% para quem quiser sair do restaurante com um estoque pessoal de ao menos seis garrafas.

Estima-se que a importação direta possa gerar aumento de 15 a 20 pontos de margem na comercialização da bebida, dependendo do preço de venda praticado. Mas é preciso avaliar bem o risco de manter o capital parado no estoque.

O objetivo é que, aos poucos, a porcentagem de vinhos trazidos pela importadora cresça significativamente na adega de todo o grupo, justificando, inclusive a abertura de outros canais de venda voltados ao B2B e B2C. “Por enquanto o foco são os nossos restaurantes mesmo”, afirma Castro.