As lições dos erros e fracassos são grandes oportunidades de aprendizado. As inovações não nascem prontas. Elas são fruto de muitas tentativas e erros até que uma dá certo. Esse “inverno tecnológico” com startups e negócios digitais sofrendo perdas homéricas de “valuation” são um sinal de fracasso?
Para algumas empresas, as decisões equivocadas foram a causa principal. Em outras, são as dores do crescimento e as obrigarão a tomar decisões com vento de proa, coisa que muitas não tiveram experiência.
Uma vez John Chambers, executivo-chefe da Cisco Systems de 1995 a 2015, disse que “Jack Welch me ensinou que você não tem uma grande empresa até passar por uma experiência de quase morte”, referindo-se ao lendário ex-CEO da General Electric.
Para o mercado em geral, sobreviver a este inverno tecnológico e preparar-se para o próximo boom requer estratégias que muitas vezes são o oposto daquelas que eram populares há apenas um ano.
Clayton Christensen dizia “nos primeiros dias de uma empresa, você deve ter fome de lucro e, nos estágios mais maduros, ter fome de crescimento”. O engraçado é que o mantra dos fundos de venture capital (VCs) foi exatamente o oposto na última década. O resultado chegou.
Novos tempos que vão exigir mudanças de mentalidade. Os líderes de tecnologia geralmente são doutrinados a manter os olhos fixos no horizonte e olhar apenas o futuro, em busca de hipotéticos crescimentos exponenciais.
Mas, para navegar na atual crise econômica, que é global, será essencial analisar o que funcionou e o que não funcionou. E relembrar as velhas máximas da economia: se você faz algo que custa x, você venderá por y, e essa margem deve ser suficiente para suportar o custo dos produtos vendidos e suas despesas gerais.
Simples assim e mantras como “Move fast and break things” e “crescer a todo custo, que os lucros um dia virão”, cederam ligar ao mundo real.
Aprendemos a lição? O mundo da tecnologia digital tem vários fatores impulsionadores e um deles é o conhecido hype. O hype é alavancado por consultorias que buscam gerar awareness para seu negócio, bem como VCs que querem atrair dinheiro novo para suas apostas.
O hype é alavancado por consultorias que buscam gerar awareness para seu negócio, bem como VCs que querem atrair dinheiro novo para suas apostas
Indiscutivelmente vimos nos últimos 15 anos a 20 anos muitas coisas fantásticas, mudando e moldando a sociedade, como os smartphones (o iPhone foi lançado em 2007) e a computação em nuvem, que democratizou o uso de tecnologias digitais. O crescente uso de sistemas de inteligência artificial (IA) em diversos setores também tem provocado muitas mudanças nas profissões e processos.
Essas tecnologias permitiram a criação de novos modelos de negócio, que a princípio pareciam que iriam destruir muitas empresas já existentes, mas que no decorrer do tempo as forçaram a reagir e se transformar e hoje convivemos com empresas mais digitais e mais antenadas em buscar melhores experiências iara seus clientes.
Modelos digitais como os de “sharing economy” e marketplace se consolidaram. Curiosamente, esses modelos são a reinvenção do intermediário. Mas é também ilustrativo: o que são os intermediários e os mercados que administram senão transportadores e tradutores de informações, áreas nas quais a indústria de tecnologia sempre se destacou?
Ao mesmo tempo surgiram diversas tecnologias que simplesmente não decolaram, apesar de todo hype e reportagens de “serem o futuro disso ou daquilo”. Vimos o Google Glass de 2014 aparecer e sumir. Vimos negócios que seriam o futuro da mobilidade como os “scooters” aparecerem com todo o hype e depois praticamente desaparecerem.
Os drones de entrega de pizza e os robôs que fariam hamburguers. A TV e o cinema 3D. E também estamos vendo o frenesi do eVTOL. Aliás, escrevi sobre isso no artigo “Será que o Uber dos céus vai decolar?”.
Falando em robôs: lembram que a Softbank Robotics construiu um robô humanóide, Pepper, que deveria substituir os humanos em funções de atendimento ao cliente? Posteriormente, foi vendida para a United Robotics Group, que logo após encerrou a produção do robô.
As criptomoedas merecem um espaço à parte. Nos últimos meses, estamos observando um naufrágio de diversas empresas que eram endeusadas, como FTX, Celsius Network, BlockFi e a stablecoin Terra. São exemplos de como os VCs apostam no negócio e inflam o hype. FTX é emblemático, conseguiu levantar US$ 2 bilhões de VCs, sendo 150 milhões da famosa Sequoia Capital.
E os cinemas e TVs 3D? Após o sucesso do filme 3D “Avatar” em 2009, os fabricantes de televisão apostaram na ideia da TV 3D. Eles pensaram que todos nós iríamos ficar sentados diretamente na frente de nossos aparelhos, usando óculos especiais.
Em 2012, os analistas previam que metade de todas as novas TVs do mundo seriam 3D até o final da década, mas em 2016 sua produção havia cessado quase totalmente. Observamos que nem sempre as previsões dos analistas devem ser seguidas à risca.
Recentemente, a ideia de que todos nós mergulharemos em um metaverso 3D por meio de óculos de realidade virtual ganhou popularidade. A Meta Platforms, controladora do Facebook, disse que os consumidores gastaram US$ 1,5 bilhão em conteúdo em sua loja de aplicativos para seus headsets de realidade virtual desde seu lançamento em 2018.
As comparações são difíceis, mas, para uma perspectiva, a Apple disse que sua loja de aplicativos gerou US$ 100 bilhões em receita em sua primeira década.
A grande aposta da Meta no metaverso tem sido até o momento decepcionante
Na verdade, a grande aposta da Meta no metaverso tem sido até o momento decepcionante. O seu Reality Labs já demandou investimentos da ordem de R$ 150 bilhões, com o CTO da empresa, Andrew Bosworth, projetando que a unidade, responsável pelo Metaverso “Horizon Worlds”, poderá consumir cerca de 20% do total de despesas da empresa.
Apesar do enorme esforço de marketing, o prejuízo da Meta com metaverso está estimado em US$ 10 bilhões apenas neste ano. Entre 2019 e 2022, a Reality Labs, unidade da Meta responsável por inovações e a construção do “futuro da internet”, já apresentou prejuízos de US$30 bilhões, ou R$150 bilhões.
As vendas de óculos de realidade virtual caíram 22% no ano, com a inflação sendo a grande preocupação das famílias americanas (seu maior mercado atualmente, uma vez que o preço do mais novo dispositivo é de US$ 1,5 mil) e menos pessoas estão dispostas a encarar compras supérfluas.
A projeção inicial da Meta era de que seu metaverso tivesse cerca de 500 mil usuários mensais. No início do ano passado, a empresa chegou a reportar que havia atingido 300 mil pessoas, número que o jornal americano The Wall Street Journal afirma ter caído para 200 mil em outubro.
O número considera usuários que entraram ao menos 1 vez no mês. Mas, na prática, o metaverso do Facebook fechou o ano de 2022 com uma média de menos de 6.500 usuários diários. Imaginem o custo por usuário que a Meta está tendo.
A aposta no metaverso tem sido uma das principais causas na perda de valor de mercado da Meta, que viu suas ações saírem de US$ 1 trilhão para US$ 230 bilhões no ano passado. Uma perda de quase 80% - atualmente o valor está na casa dos US$ 444 bilhões.
Os VCs apostam nas narrativas de tecnologias disruptivas para atrair atenção e, claro, trazer mais dinheiro para suas apostas. Por isso, inflam o hype. Posicionar uma empresa como tech é atrativo e assim aconteceu com a WeWork, que de aluguel de espaço foi promovida artificialmente à uma empresa tech, que simplesmente revolucionaria o mercado.
As empresas não podem tomar decisões baseadas em hype, nem seguir o efeito FOMO. Uma decisão de investimento em uma nova tecnologia depende de vários fatores, como cultura da empresa, nível de maturidade digital e, claro, da propensão à aceitação de riscos.
Não seguir apenas a análise de um único analista (cruze diversas informações e fontes) e tente conectar diversos sinais esparsos, mas que podem fazer sentido. E bola para frente!
* Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.