Inimigo público nº 1, na avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central (BC), vive em terreno minado. Sobrevive no cargo por força de lei e por determinação pessoal ou teimosia.
Na segunda-feira, 8 de maio, porém, em questão de horas e a um ano e sete meses do fim do mandato, Campos Neto ganhou substituto: o economista Gabriel Galípolo, secretário-executivo do Ministério da Fazenda.
Segundo homem mais poderoso da Pasta – há quatro meses no cargo que o credencia a ocupar a primeira posição ao final deste terceiro governo Lula – ele não concorre ao comando do BC.
Por ora, Gabriel Galípolo, assim como o economista e funcionário de carreira pública Ailton Aquino, são indicados por Lula, respectivamente, para a diretoria de Política Monetária e a diretoria de Fiscalização da autoridade monetária.
Esse rodízio de diretores ocorre por determinação da Lei de Autonomia do BC, aprovada em novembro de 2020 e é realizado aos pares. A substituição atual da dupla de dirigentes é a segunda sob a égide da Lei e a primeira com a República sob o comando de Lula.
Em dezembro de 2023 ocorrerá o terceiro rodízio legal e a segunda substituição de dois dirigentes sob Lula. E, em dezembro de 2024, ocorrerá a quarta e última troca da primeira Diretoria Colegiada (autônoma) do BC.
É nessa leva que Campos Neto – se não for demitido por Lula antes – deixará a instituição e acompanhado de dois diretores históricos. Os funcionários de carreira Otávio Damaso (Regulação) e Carolina Barros (Administração).
Concluir o primeiro ciclo de rodízios de dirigentes, como determina a Lei de Autonomia e sem percalços, será um marco para a instituição que é maior que Campos Neto e tem tarefas que transcendem a gestão da taxa de juro.
O PIX é um exemplo para o mundo
O BC administra uma miríade de áreas essenciais para o funcionamento da economia, além de desenvolver projetos de modernização financeira. O popular PIX é um exemplo de sucesso em meios de pagamento no mundo.
Na sexta-feira, 5 de maio, o aplicativo teve giro recorde de R$ 64,8 bilhões. E é necessário reconhecer um fundo de verdade no que se comenta à boca pequena no mercado – o PIX é uma mina potencial de arrecadação tributária.
Hoje, a obsessão no governo e fora dele é combater a estratosférica Selic. Mas ao longo dos próximos anos, a obsessão do governo – aliás, já indicada – pode ser a busca constante de fontes para expansão de receita. Esta, sim, protagonista da nova política fiscal.
Galípolo no BC, como diretor de Política Monetária, tende a amenizar os ataques de Lula e do PT à instituição. O início do ciclo de cortes na Selic no segundo semestre também favorece a pacificação de relações.
Contudo, não há garantia de que Campos Neto sairá da linha de tiro de Lula e tampouco que Galípolo – por sua proximidade com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad – estará livre de pressões diretas da ala política do governo. Afinal, o economista estreia a cota de Lula no comando do BC. Tem, portanto, missão a cumprir ou trabalho a fazer.
Como Campos Neto se segura no BC
Campos Neto, porém, não está sozinho em mar revolto. E uma demonstração inconteste do seu prestígio está na agenda. Entre quarta-feira e sexta, 17 a 19 de maio, uma conferência e um seminário internacional de alto nível, promovidos pelo BC, ocorrerão em Brasília e São Paulo.
No High-Level Seminar on Central Banking: Past and Present Challenges, que acontece na sexta-feira, 19 de maio, no Hotel Unique, em São Paulo, 12 participantes estrangeiros – entre eles presidentes de alguns dos maiores bancos centrais do mundo – vão discutir os desafios estruturais para a condução da política monetária, especialmente no pós-pandemia.
Entre os presentes estarão Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE); John Williams, presidente do Federal Reserve New York; e Agustín Carstens, presidente do Banco de Compensações Internacionais (BIS).
Campos Neto e o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, serão os moderadores do evento que acontecerá praticamente ao final da 1ª Conferência Anual do Banco Central do Brasil, em Brasília, de quarta a sexta-feira, 17 e 19 de maio.
A Conferência reunirá acadêmicos, especialistas do setor privado, representantes de bancos centrais e de instituições multilaterais com o objetivo de estimular o debate e a pesquisa de macroeconomia, economia bancária, sustentabilidade e estabilidade financeira.
O primeiro dia da Conferência será dedicado a palestras; o segundo e o terceiro a apresentações de 36 trabalhos produzidos por acadêmicos de instituições brasileiras e internacionais e pesquisadores de bancos centrais e organismos multilaterais. Políticas públicas também serão contempladas na 1ª Conferência do BC.
Os dois eventos não vão ofuscar, contudo, um possível agendamento da tradicional sabatina de Gabriel Galípolo e Ailton Aquino pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado – primeiro passo para integrar o alto comando da autoridade monetária no país; o segundo é a aprovação de seus nomes pelo plenário da Casa.
A sabatina dos indicados de Lula ainda não tem data marcada, mas o presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), informou na terça-feira, 9 de maio, que antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), prevista para 20 e 21 de junho, Galípolo e Aquino devem ser avaliados pelo colegiado e pelo plenário.
O debate sobre o arcabouço fiscal
Com incertezas a menos no BC e o retorno do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da viagem ao Japão, onde representou o Brasil no encontro de ministros de finanças e bancos centrais do G-7 como convidado, o arcabouço fiscal volta a esquentar os debates.
Ao final de um encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin, na quinta-feira 11 de maio, o relator da nova âncora fiscal, deputado Claudio Cajado (PP-BA) reafirmou que o projeto terá “aprovação expressa” no Congresso.
Mas inicialmente prevista também para quinta-feira, 11 de maio, a apresentação do parecer de Cajado, deve ficar para a próxima semana. O texto passa por ajustes. O relator vem sofrendo pressões para endurecer o projeto apresentado pela equipe econômica.
Parlamentares travam uma queda de braço em torno da finalização do arcabouço. De um lado, partidos de oposição tentam apertar sanções em caso de descumprimento das normas de outro, legendas de esquerda buscam reunir propostas que viabilizem o destravamento de despesas nos próximos anos.
Haddad estará no Brasil no domingo, 14 de maio, e deverá arregaçar as mangas para a maior das batalhas: garantir que a âncora fiscal, em marcha para votação, mantenha os princípios básicos da versão original.
Se conseguir, será incensado por um mercado já “comprado” no ministro e que elevou a avaliação positiva do seu trabalho à frente da Fazenda de 10% em março para 26% na pesquisa Genial/Quaest com quase uma centena de gestores entre 4 e 8 de maio. O resultado saiu na quarta-feira, 10 de maio.