Às vésperas do início do verão no Hemisfério Norte, a sorveteria americana Salt & Straw acaba de lançar cinco novos sabores. Inédita e inovadora, a linha Upcycled Foods é criada a partir de resíduos, que, de outra forma, iriam para o lixo.
O “Day-Old Bread Pudding & Chocolate Ganache”, por exemplo, é feito de pão adormecido. O “Malted Chocolate Barley Milk”, a partir do leite de cevada, “resto” da fabricação de cerveja. E o “Salted Caramel & Okara Cupcakes” tem em sua composição o subproduto do preparo do leite de soja.
Fundada em 2011, em Portland, Oregon, pelos primos Kim e Tyler Malek, a marca conta com 32 lojas, espalhadas pelos Estados Unidos. Em duas rodadas de financiamento, a empresa levantou US$ 4,5 milhões. Um de seus investidores é o ator e lutador Dwayne “The Rock” Johnson.
Desde o início, a criatividade dos Malek sempre chamou a atenção. Os sabores exóticos da Salt & Straw já foram descritos por críticos de gastronomia do jornal americano The Wall Street Journal como “algumas das mais felizes colheradas”.
Os primos inovam tanto na arte dos sorvetes como na dos negócios. No verão passado, por exemplo, lançaram uma coleção de perfumes comestíveis, para refinar a experiência do consumo de sorvetes, já que os congelados tendem a não ter cheiro.
Sempre alinhados às práticas sustentáveis, Kim e Tyler só usam ingredientes de produtores locais, certificados, e respeitam a sazonalidade dos ingredientes. Agora, eles trazem para o cardápio de verão o conceito de upcycling e confirmam: a onda dos alimentos reaproveitados veio para ficar.
Conceitos diferentes, um único fim
Um dos preceitos da economia circular, a reutilização de ingredientes ganha espaço nas discussões em torno do combate ao desperdício. Ainda que, em casa, mesmo sem saber, muita gente seja adepta do upcycling; na indústria alimentícia a prática é menos adotada do que a reciclagem.
E aqui vale uma breve explicação. Frequentemente, os dois termos são usados como sinônimos, o que não é correto. No upcycling, a forma original do resíduo não se altera. É o pão adormecido que, na Salt & Straw, vira sorvete. Ou o arroz do jantar que vira o bolinho (de arroz) do almoço, no dia seguinte.
Já a reciclagem envolve processos industriais. Os resíduos são transformados em matéria-prima, para a fabricação de novos produtos. São, por exemplo, as amêndoas de caju, descartadas pelos fabricantes de sucos, que, depois de processadas, viram proteína para a o setor plant-based. Ou as frutas “feias”, inadequadas para o comércio, que, depois de secas, viram snacks.
A fim e a cabo, tanto o upcycling como a reciclagem propõem a reutilização de resíduos, outrora condenados aos aterros sanitários. E, frente à insegurança alimentar global e a emergência climática, conquistam espaço na agenda dos capitalistas de risco.
Negócios em ascensão
O “Relatório Global de Investimento em Agrifoodtech 2023”, recém-lançado pelo fundo de venture capital AgFunder, é revelador da guinada dos investidores em direção às startups dedicadas à reutilização de comida.
O tema desperdício trabalha com basicamente três verticais – a prevenção, a distribuição de alimento excedente e o reaproveitamento. Delas, a terceira foi a única a registrar aumento no volume de aportes, entre 2018 e 2022. O total arrecadado saltou de US$ 154 milhões para US$ 879 milhões.
Entre as empresas em busca de soluções que evitem a produção de resíduos, a queda foi de US$ 1,1 bilhão para US$ 850 milhões. No segundo grupo, sempre preterido pelos investidores, a redução foi ainda mais drástica – os US$ 81 milhões, de cinco anos atrás, minguaram para os US$ 10 milhões, do ano passado.
Consumidores conscientes
Globalmente, o upcycling e a reciclagem de alimentos movimentaram, em 2021, US$ 53,7 bilhões, nas contas dos analistas da Allied Market Research. Em 2031, o mercado deve chegar a US$ 97 bilhões, a uma taxa de crescimento anual composta de 6,2%.
Nos últimos cinco anos, segundo a consultoria Innova Market Insights, os lançamentos de comidas e bebidas feitas a partir de ingredientes reaproveitados cresceu 122%. A título de comparação, os de produtos à base de plástico reciclado não chegaram a 50%.
O avanço do upcycling e da reciclagem tem a ver, claro, com o progresso da ciência e o aperfeiçoamento das tecnologias, mas também com a mudança de comportamento dos consumidores, em especial dos mais jovens. Seis em cada dez topam incluir no cardápio produtos resgatados do fluxo de resíduos.
E mais da metade está disposta a pagar mais por alimentos dedicados a resolver problemas globais, como o lixo plástico (64%), poluição dos oceanos (63%) e desperdício (62%).