Babaçu, tucumã, açaí, cupuaçu, cacau, castanha-do-pará, guaraná.... Espécies nativas da Amazônia podem alçar o Brasil a protagonista global da indústria plant-based –tanto como fornecedor de ingredientes quanto como produtor de proteínas análogas às de animais.

O maior bioma do planeta é fonte riquíssima de insumos para a criação de alimentos vegetais com características sensoriais e nutricionais semelhantes às proteínas bovinas e ovinas. Para encontrar as matérias-primas “escondidas” na floresta, o The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) lançou o InovAmazônia, programa de incentivo à investigação de novos ingredientes para o mercado plant-based.

O projeto conta com o apoio técnico e financeiro do Fundo JBS pela Amazônia. Ao longo dos próximos três anos, serão investidos R$ 2,7 milhões em seis frentes de pesquisas, ainda não definidas. “A ciência e a tecnologia são cruciais para o desenvolvimento da economia da floresta em pé”, diz Andrea Azevedo, diretora do Fundo JBS pela Amazônia. “A conexão com novos mercados representa uma grande janela de oportunidade.”

Cada um dos grupos de estudo do InovAmazônia deve contar com pelo menos um pesquisador e uma comunidade da região. “Queremos juntar os saberes científicos com os saberes tradicionais”, defende a engenheira de alimentos Luciana Fontinelle, do GFI Brasil.

O projeto do GFI visa atender uma das grandes necessidades das foodtechs brasileiras. Conforme levantamento da organização internacional, 84% das empresas se queixam da falta de ingredientes e proteínas nacionais. A maioria dos alimentos vegetais usa a soja, plantada e colhida aqui, e a ervilha importada como principais fontes proteicas.

“Investir em alternativas nacionais vai aquecer o mercado interno de matéria-prima e possibilitar com que as proteínas sejam produzidas em sua totalidade no país”, lê-se em relatório do GFI Brasil. “Posteriormente, será possível exportar essas novas proteínas para o mundo todo, estimulando os mercados internacionais a incorporá-las em seus produtos.”

Na N.ovo, pioneira no Brasil em ovos vegetais, nove em cada dez ingredientes vêm de fora. Dos Estados Unidos, Europa e Ásia, sobretudo. “Como os contratos são negociados em dólar ou euro, os produtos saem mais caros do que precisariam ser”, afirma a engenheira química Anna Viana, head de P&D da foodtech.

A dependência do mercado externo, como lembra a executiva, traz ainda um outro problema – o aumento da pegada de CO2 das operações. Pertencente ao Grupo Mantiqueira e lançada em 2019, a N.ovo hoje vai além dos ovos. Conta em seu portifólio com produtos de frango e porco vegetais.

Para atender a demanda por matérias-primas nacionais, em 2022, a Incrível!, marca da JBS, passou a liderar um projeto-piloto de agricultura regenerativa que é realizado por meio de parcerias com produtores e consultoria especializada na plantação de soja. A leguminosa é o principal ingrediente usado nas preparações da Incrível!, líder no setor de proteínas vegetais análogas às de animais.

Há pelo menos 400 mil espécies de plantas catalogadas no mundo. Dessas, 300 mil são comestíveis, mas, no máximo, 0,06% delas são usadas em escala industrial. Com 20% da biodiversidade do planeta, o Brasil não é uma promessa plant-based apenas por causa da Amazônia, mas também do Cerrado, da Mata Atlântica, da Caatinga.... Basta descobri-las.

E há muita inovação sendo produzida nos laboratórios brasileiros. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estuda-se a folha de mandioca. Na Embrapa Agroindústria Tropical, no Ceará, as amêndoas do caju e as sementes do babaçu, não aproveitadas pela indústria alimentícia, viram proteínas para o setor plant-based.

Com o apoio do GFI Brasil, a equipe da cientista de alimentos Ana Paula Dionísio, também da unidade cearense da Embrapa, desenvolveu um texturizante a partir do pedúnculo do caju. Resíduo do processamento de suco e castanha, a maçaroca confere ao plant based a mesma estrutura dos produtos cárneos. Colegas da pesquisadora já criaram um corante à base de pitaia.

Como diz Ana Paula, o foco agora é encontrar parceiros na iniciativa privada para escalar os produtos. “A academia, junto com a indústria, consegue direcionar as pesquisas para as necessidades do mercado”, defende Gabriela Pontin, diretora executiva de negócios na Seara Base Vegetal.

Um dos projetos da empresa é com o Instituto de Tecnologia de Alimentos para pesquisa e desenvolvimento de proteínas de feijão. A N.ovo tem entre seus colaboradores a Embrapa e a Universidade da Califórnia, em Berkeley.

A busca por novos ingredientes e fontes proteicas não é um desafio apenas para o Brasil, mas uma necessidade global. O setor ainda é muito novo, não tem nem dez anos. Há, portanto, muito o que se evoluir, em especial no sabor, aroma, textura e cor dos alimentos vegetais.

Até 2030, o mercado plant-based deve quintuplicar e chegar a US$ 162 bilhões globais, pelos cálculos da Bloomberg Intelligence. Pelas estimativas dos analistas do GFI, até 2027, o segmento de plant based deve expandir a uma média anual de 12%, enquanto o de carne animal, a um ritmo de 4,5%.

Com o segundo povo mais carnívoro do mundo, o Brasil registra expansão semelhante. As vendas no varejo de similares vegetais de carnes e frutos do mar cresceu cerca de 30%, entre 2020 e 2021. Foi de US$ 82 milhões para US$ 107 milhões.

Por trás de todas as novidades plant-based, no Brasil e no mundo, estão os flexitarianos, aquela turma que prioriza o consumo de legumes, verduras e frutas, mas não abre mão, de vez em quando, das proteínas animais. Por aqui, os flex somam quase 30% da população. And counting....