Proprietário de uma empresa de tecnologia na capital paulista, a DI2S, o empresário Dormovil Ferreira entrou no mundo dos vinhos sem grandes pretensões. Na cabeça dele, a paixão pelas taças era um hobby, mas transformar o passatempo em trabalho era outra história.
O despertar de Ferreira aconteceu em 2010, quando um amigo agrônomo o desafiou a plantar suas próprias videiras. Relutante, Ferreira plantou 225 pés de merlot no quintal de sua casa em Campos do Jordão, seu refúgio dos finais de semana localizado aos pés da Serra da Mantiqueira.
O plantio improvisado deu mais certo do que o esperado. A primeira colheira foi usada para fabricar 18 garrafas de merlot caseiro, feito com uvas pisadas pelo próprio empresário. “A semente estava plantada de forma irreversível. Fui me envolvendo cada vez mais até que decidi comprar o terreno da vinícola em 2016”, conta Ferreira ao NeoFeed.
O reconhecimento mais recente foi a medalha de ouro obtida esse ano no Decanter World Wine Awards, prêmio que é considerado uma espécie de “Oscar" dos vinhos.
O rótulo premiado foi o Piquant Soléil safra 2022, um tinto 100% de Syrah, vendido a R$ 300. A vinícola produziu pouco mais de 6 mil garrafas do exemplar. “Nós já vínhamos ganhando medalha de prata no Decanter todos os anos desde 2019. Esse ano, tínhamos sim a expectativa de levar o ouro”, admite Ferreira.
A vinícola começou nas montanhas da Serra da Mantiqueira, a 1.600 metros de altitude, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, em Piranguçu (MG). Com R$ 20 milhões investidos ao longo dos últimos anos, tudo do bolso do próprio fundador, a área da vinícola foi de 24 para 100 hectares e a produção de uvas alcançou uma média de 10 toneladas ao ano. “A Mantiqueira é meu refúgio há mais de 30 anos. Para mim não fazia sentido fazer a vinícola em outro lugar.”
Em apenas 13 anos, os vinhos da vinícola Ferreira estão se tornando referência em termos de qualidade. Ajudaram posicionar a marca como uma das melhores produtoras do Sudeste e colocar a Serra da Mantiqueira no pódio mundial dos melhores vinhos do mundo.
Além do ouro do Piquant Soléil, a vinícola levou prata no concurso com os rótulos Étoile Montante (2023), SF Trompete (2023), São Bernardo (2021 e 2023), Arcanum da Serra (2020) e Fummé Blanche (2019). Todos eles custam R$ 300, exceto o São Bernardo, vendido a R$ 320. A responsável pelos vinhos é a enóloga Isabela Peregrino. Desde 2019, a vinícola já produziu 30 mil garrafas.
Aclamado por seu rigoroso processo de avaliação, os resultados do Decanter World Wine Awards são respeitados na indústria. As honrarias que existem são as medalhas de bronze, prata e ouro, e também as de platina, o reconhecimento máximo que um vinho pode receber. O prêmio também atribui pontuações aos vinhos. No caso do Syrah da Vinícola Ferreira, o Decanter deu 95 pontos ao rótulo.
Atualmente, a vinícola possui 26 medalhas de ouro, prata e bronze em três concursos internacionais de renome: o Decanter World Wine Awards de Londres, o Paris Wine Cup, da França, e o Sommeliers Choices Awards, de São Francisco, Estados Unidos.
Além da vinícola Ferreira, a gaúcha Ametié também levou o ouro do prêmio Decanter com seu rótulo Viognier 2022. Foi a primeira vez que o Brasil conquistou duas medalhas de ouro na premiação.
O último, e único, ouro que o Brasil havia conquistado na premiação, foi na edição de 2017 da Decanter, quando a vinícola Guaspari, também localizada na Serra da Mantiqueira, venceu com o rótulo Vista do Chá safra 2014, também um Shiraz.
“Existem muitos segredos para fazer um vinho premiado. O mais importante é conhecer seu terroir e ter uma uva de qualidade”, diz Ferreira. “Você consegue fazer um vinho ruim com uva boa, mas não consegue fazer o contrário.”
Depois que o hobby se tornou obsessão, o empresário diz ter usado seu conhecimento em tecnologia para modernizar a vinícola e as etapas de manejo das uvas. O maior problema, por exemplo, foi driblar o clima da Serra da Mantiqueira, que registra uma média de 2.500 milímetros de chuva por ano, muito mais que os 803 mm de Bordeaux, na França, e os 492 mm de Mendoza, na Argentina.
Em vez de recorrer à poda invertida (onde as uvas são podadas duas vezes ao ano, e colhidas no inverno seco, em vez do verão úmido, como faz a Guaspari), Ferreira optou por cobrir todas as parreiras com lonas plásticas impermeáveis, assim não sofre tanta influência das chuvas e pode colher as uvas em seu ciclo natural, o verão.
Tirando a colheita, que é feita de forma manual pelos 20 funcionários da vinícola Ferreira, todos os outros processos de produção são automatizados para não prejudicar a qualidade dos vinhos. “Vinho estraga com muita facilidade. Se você deixar entrar oxigênio onde não deve, acabou”, pontua Ferreira.
Aproveitando o bom momento da premiação, a vinícola lançará mais dois rótulos inéditos no mês de julho. Entre as novidades, está o novo espumante pinot noir Les Nuages de Noir, e o conhaque Marques de Baú, também de pinot noir, o primeiro destilado da vinícola. Atualmente, a marca já possui 12 rótulos disponíveis em restaurantes de São Paulo, como no A Bela Sintra, e no e-commerce da marca.
Outro projeto que deve ser anunciado ainda esse ano, e que é muito mais ambicioso, será a entrada da vinícola no segmento dos resorts de enoturismo. Chamado de Clube Mil da Mantiqueira Alta, o empreendimento contará com 100 chalés de luxo de multipropriedade.
A ideia é atrair 1.000 sócios, com títulos fixados em R$ 300 mil cada, que darão direito a 36 dias por ano de hospedagem na vinícola. O investimento previsto é de R$ 50 milhões, ainda sem data de inauguração.