Num intervalo de dois dias, o anúncio dos índices de inflação causou reações opostas – e contraditórias – nos Estados Unidos e na China, as duas maiores economias do Planeta.
Enquanto os EUA comemoraram na quarta-feira, 12 de julho, a queda da inflação anual para o patamar de 3% em junho - menor índice desde março de 2021, confirmando a trajetória de baixa desde que o Fed, o banco central americano, começou a subir os juros há um ano -, os chineses ainda se lamentavam pelo baixíssimo índice anual de 0,4% de inflação, anunciado dois dias antes.
Nos dois casos, há motivos de preocupação sob a aparente boa notícia de inflação baixa.
Nos EUA, a despeito da queda inflacionária consistente dos últimos meses, o núcleo de inflação (índice que registra preços de alimentos e energia, mais voláteis) continua elevado, de 4,83% em junho.
O caso chinês é mais complexo. À parte a inflação praticamente zero - o que causa inveja no resto do mundo -, o índice de preços ao produtor, que mede o que os fabricantes cobram por seus produtos, mostrou um declínio dramático de 5,4% em junho em relação ao ano anterior.
Esse sinal de deflação dos preços no atacado reflete uma queda na demanda, o que é um mau presságio para os fabricantes chineses.
O efeito prático da deflação repetido por economistas é que, se as pessoas perceberem que os preços estão caindo, é mais provável que adiem suas compras, sabendo que na próxima semana ou no próximo mês poderão comprar um carro ou uma casa por um preço mais baixo.
Ou seja, uma inflação muito baixa ou deflação – quando os preços começam a cair em toda a economia – pode prejudicar significativamente o crescimento econômico do país.
A médio prazo, os dois países dispõem de armas para reverter a situação.
O Fed, por exemplo, deve anunciar novo aumento de juros no final do mês, numa nova tentativa de conter a alta do núcleo de inflação.
Já o Banco Popular da China (o BC chinês) deve seguir com sua política monetária de estímulo ao consumo, reduzindo os juros (que já caíram para 3,5%, uma das taxas mais baixas do mundo).
Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin Rating, o cenário atual causa mais preocupação na China do que nos EUA.
“Para qualquer país, combater a inflação é mais fácil do que tentar conter uma deflação, pois a autoridade monetária pode elevar a taxa de juros, o remédio mais eficaz para conter um aumento inflacionário”, afirma Agostini. “O problema da deflação é a perda de confiança na economia que causa na população, isso é mais difícil de reverter."
Fim do ciclo
Nos EUA, ficou evidente a sensação de que o pior da crise inflacionária parece ter ficado para trás, apesar de o mercado de trabalho ainda em alta (desemprego de apenas 3,6% em junho) preocupar os economistas.
Após atingir o pico de 9% em junho do ano passado, a inflação americana vem caindo mês a mês.
Para Francisco Nobre, economista da XP, até mesmo o índice de inflação de serviços – que, segundo ele, o Fed destacou como a principal medida a ser observada no momento – teve pequena variação mensal, caindo de 4,17% para 3,22%, significativamente abaixo do pico de 8,2%.
A XP prevê que a inflação nos EUA termine 2023 em 2,65%, enquanto o núcleo (alimentos e energia) feche o ano em 3,3%.
Mesmo assim, Nobre acredita que o Fed deve elevar os juros em 0,25 ponto percentual em julho (hoje entre 5% e 5,25%), como tem sinalizado nas últimas semanas. “A alta em julho deverá ser a última do ciclo atual”, afirma Nobre.
Antes do anúncio da inflação de junho, a autoridade monetária havia previsto dois aumentos de juros até iniciar o ciclo de queda.
A deflação chinesa pode beneficiar um “pouso suave” dos EUA, ou seja, a recuperação da economia americana sem enfrentar uma recessão.
Isso porque uma economia chinesa mais fraca resulta em uma moeda fraca, o que significa que suas exportações estão caindo de preço para compradores estrangeiros, como os dos EUA.
Ao mesmo tempo, se o motor econômico do país continuar falhando, ele consumirá menos matérias-primas, pressionando para baixo os preços das commodities - principais impulsionadores das oscilações de curto prazo nos preços ao consumidor nos EUA.
“Esse cenário de deflação na China acaba beneficiando o processo de desinflação global, em especial por causa da queda de preços de commodities e de petróleo, e a tendência é de uma dinâmica de crescimento econômico global mais lento”, diz Nobre.
Segundo ele, isso em parte por causa do baixo desempenho econômico chinês no primeiro semestre, em especial nos dois setores que antes impulsionavam a economia, o imobiliário e o de exportação.
Para Agostini, da Austin Rating, a China enfrenta uma nova realidade que veio para ficar: “A economia da China cresceu em dois dígitos durante muitos anos, sem enfrentar problemas de inflação ou juros, e agora está ficando mais parecida com as economias de outros países ocidentais.”