A recuperação econômica da China no período pós-pandemia, que parecia estar começando a se materializar nos dois primeiros meses do ano, passou a mostrar resultados contraditórios, levando muitos especialistas a falar numa “recuperação irregular” da atividade produtiva do país.

Para se ter uma ideia, na semana passada, várias grandes corporações com presença no país asiático atribuíram o resultado fraco de sua atuação global no primeiro trimestre à recuperação econômica mais lenta do que o esperado na China. “A expectativa geral era que, após a reabertura, o mercado da China se recuperaria, mas não vimos esses sinais”, disse o presidente-executivo da Qualcomm, Cristiano Renno Amon.

Parte da euforia no começo do ano se deveu à explosão do setor de serviços logo após o fim das restrições impostas pela política oficial contra a Covid-19.

Essa retomada, no entanto, não foi registrada em outros setores, em especial pelo mercado imobiliário e pela indústria manufatureira voltada para exportação, considerados fundamentais para um crescimento sustentável da economia.

Embora seja cedo para cravar que a China não vai atingir a previsão de crescimento do PIB para 2023, estipulada em 5% pelo governo, o que parece mais seguro é acreditar numa retomada mais forte da economia do país como um todo só a partir do segundo semestre.

Alguns analistas atribuem a irregularidade no comportamento da economia do país ao “excesso de expectativa” com a rápida recuperação registrada no primeiro trimestre – quando a China registrou crescimento do PIB de 4,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Muito desse crescimento refletiu o grande aumento dos gastos do consumidor nos setores de serviços - em especial com alimentação, cinema, hospedagem e turismo -, principalmente a partir do feriado do Ano Novo Lunar, que começou em 21 de janeiro. Os pedidos de autorizações de viagens para o exterior chegaram a bater recorde em Xangai.

Enquanto isso, o número de contêineres vazios esperando por mercadorias de exportação nos portos de Xangai e Shenzhen atingia um nível recorde em fevereiro – problema atribuído à crise econômica nos Estados Unidos e Europa, às voltas com inflação em alta e uma taxa de juros acima da média, o que inibe o consumo.

Passado a euforia de consumo do período pós-pandemia, o setor chinês de serviços segue aquecido. Mas é consenso que esse segmento não vai conseguir compensar a queda de produção de outros setores da economia.

Yuans na poupança

Parte da resposta do que ocorre hoje na China tem a ver com comportamento dos chineses, que passaram a ser mais cautelosos nos gastos.

No ano passado, por exemplo, em meio aos lockdowns, o aumento acentuado da poupança, que atingiu recorde histórico de 17,9 trilhões de yuans (US$ 2,589 trilhões), deveu-se em grande parte à redução dos gastos com investimento das famílias de renda média e alta em meio à desaceleração do setor imobiliário – alvo de ações do governo para controlar uma bolha imobiliária que supervalorizou os preços dos imóveis.

Uma pesquisa do Banco Popular da China (o banco central chinês) mostrou que mais de 60% dos poupadores urbanos preferem "mais poupança", enquanto apenas 16% preferem "mais investimento". Esse dado reforça que a reabertura da China dificilmente vai desencadear um fluxo de poupança para o setor de consumo.

Na prática, os chineses simplesmente não estão comprando bens – os preços de produtos nas fábricas caíram pelo sexto mês consecutivo, ou seja, ainda há produtos encalhados desde a época da pandemia.

De acordo com vários economistas, a chave para uma recuperação sustentável dos gastos do consumidor na China passa pelo aumento da renda disponível das famílias de baixa e média renda. Mas esses são os grupos mais prejudicados pela desaceleração dos investimentos imobiliários e pelo encolhimento da demanda estrangeira por produtos manufaturados chineses neste ano.

“A próxima etapa da recuperação do consumo dependerá de maior crescimento da renda e maior confiança do consumidor, o que tornará o modelo de recuperação mais sustentável”, afirma um relatório recente do Goldman Sachs.