Considerada uma obsessão da gestão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a privatização da Sabesp, a maior empresa de saneamento do País, segue avançando em meio a promessas de redução de tarifa para os 376 municípios que atende e a oposição aguerrida de parte do funcionalismo.
Na noite de terça-feira, 26 de setembro, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), que inclui funcionários da Sabesp, aprovou em assembleia virtual com 98% dos votos adesão à greve no próximo dia 3 de outubro, convocada por servidores de outras duas empresas estaduais que o governo paulista pretende entregar à iniciativa privada– o Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
No olho do furacão, a secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, rebate pacientemente os argumentos contrários à privatização da Sabesp, prevista para meados de 2024. “Nosso objetivo é alcançar, até 2029, mais 10 milhões de pessoas, sendo que 1 milhão vivem em áreas fora do contrato atual da Sabesp”, diz Resende, em entrevista ao NeoFeed, concedida na sede da secretaria que comanda, em Pinheiros.
Segundo ela, o projeto atual da Sabesp prevê investimentos de R$ 56 bilhões até 2033. Privatizada, acena com investimentos de R$ 66 bilhões, antecipação da universalização para 2029 e com redução de tarifa, que será custeada com parte da venda de ações pelo modelo follow on (o governo possui 50,3% do capital acionário da empresa e pretende manter uma pequena parcela).
A Sabesp, avisa Resende, sequer será a primeira do pipeline de 15 projetos de desestatização do governo paulista. A Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), sucessora da Light e Eletropaulo, deverá ser totalmente privatizada até o início de 2024. O governo estadual detém 97% do controle (sendo 39% do total das ações).
“A Emae está atraindo investidores por causa do potencial gigantesco que oferece”, revela. Outros projetos de infraestrutura incluem PPPs, como o Trem Intercidades (entre São Paulo e Campinas) e o Túnel Santos-Guarujá, ambos incluídos no novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), do governo federal.
Na entrevista a seguir, Natália Resende ainda detalha o recém-anunciado Plano Estadual de Energia 2050, com portfólio de R$ 16,8 bilhões em investimentos privados, com 21 projetos de transição energética mapeados.
Desde a posse do governador Tarcísio, a privatização da Sabesp está entre as prioridades da gestão. Por que privatizá-la, se a empresa é lucrativa?
A Sabesp já é uma empresa de referência, mas pode ser melhor. O estado precisa levar saneamento para onde esse serviço não é atendido. Nosso projeto é alcançar, até 2029, mais 10 milhões de pessoas, sendo que 1 milhão vivem em áreas fora do contrato atual da Sabesp. Com o novo marco regulatório de saneamento, em 2020, foi incluída a obrigatoriedade de o serviço atingir as áreas rural, de quilombolas e de população indígena. Vamos incluir essas áreas dentro desse projeto. Estamos falando de uma oportunidade de a empresa ficar melhor e levar saneamento para quem precisa e ainda não tem.
Sem privatização, o custo para atingir essa população que não é atendida seria muito alto?
Até 2033, o projeto atual da Sabesp tem investimentos previstos de R$ 56 bilhões, mas não inclui nos contratos a obrigação de atender essas famílias em áreas isoladas. Com a privatização, nosso projeto aumenta o investimento para R$ 66 bilhões até 2029. Portanto, mais investimento e num prazo quatro anos inferior, incluindo, além dessas pessoas que hoje não são atendidas, a possibilidade de se fazer redução tarifária. É o ganha-ganha.
Pelo modelo atual não seria possível diminuir a tarifa?
Não, a tarifa ficaria muito alta. Trata-se de uma conta aritmética. O projeto de desestatização aprovado na primeira fase tem um modelo de oferta subsequente de ações (follow on) que prevê a pulverização do controle acionário da Sabesp, que hoje tem 50,3% das ações. O dinheiro obtido com a redução de participação do estado irá para investimentos e para a redução tarifária. No modelo atual, isso não seria possível.
Quanto, em porcentagem de ações, o estado pretende manter após o follow on?
Ainda estamos analisando. Nosso cronograma foi dividido em três fases: zero, um e dois. Na fase zero, o objetivo era estudar os benefícios, para comunicar à sociedade. Anunciamos os resultados dessa fase zero em 31 de julho. Na fase um, que iniciamos na sequência e vai até o início do ano que vem, vamos definir os detalhes do modelo de operação, o modelo regulatório e fazer a uma análise financeira da empresa, o valuation. A última fase seria para preparar o leilão.
A Sabesp vai precisar de um novo contrato com 376 municípios. Como estão essas negociações?
Nas últimas semanas, fizemos reuniões com todos esses municípios. Vamos fazer novas rodadas em outubro, novembro e dezembro para fechar anexos específicos de cada município.
"O dinheiro da privatização irá para investimentos e redução tarifária. No modelo atual, isso não seria possível"
O que inclui esses anexos?
Queremos mostrar os ganhos: as obras, o que vai ser antecipado, a área que será incluída – e aqui é importante dizer que há municípios em que metade de sua área hoje não é considerada atendida, porque não está prevista em contrato. Em Salesópolis, estamos falando de 4.300 domicílios que estão dentro, mas 3.600 estão fora. No Médio Tietê, são cerca de 100 mil domicílios que não estão dentro.
Funcionários da CPTM, Metrô e Sabesp convocaram greve para o dia 3 de outubro contra a política de privatizações. Qual a estratégia do governo para lidar com essas manifestações?
Da mesma forma que conversamos com os prefeitos, estamos tentando mostrar aos funcionários da Sabesp, em especial, que a empresa tem a oportunidade de vir a ser uma multinacional de saneamento. Estamos passando isso de forma clara e transparente. Quando entendem que, se a empresa ficar maior, os funcionários também vão crescer, a resistência diminui.
O governo paulista não teme uma repetição do que ocorreu com a privatização da estatal gaúcha Corsan, que parou meses na Justiça mesmo após o leilão?
É natural haver insegurança dos funcionários nesse processo, daí a necessidade de tentar levar a informação técnica e correta. Fizemos um planejamento robusto e temos segurança com os estudos que fizemos. Sabemos que temos prazos a cumprir, inclusive legais. Não estamos fazendo nada açodado. As discussões contra as desestatizações estão no radar? Sim, pois já fizemos vários leilões, sabemos que isso acontece, é natural e faz parte do processo, que é complexo.
O governo conseguiu apoio do prefeito Ricardo Nunes, da capital, para viabilizar a privatização. Um eventual apoio à reeleição do prefeito Nunes seria natural?
Sempre tivemos um diálogo aberto com a Prefeitura de São Paulo. Na parte de saneamento, mostramos os benefícios da regionalização e, agora, da privatização. O município de São Paulo não tinha aderido à unidade regional. Com a adesão, o município passou a cumprir uma exigência do Marco Regulatório do Saneamento. Houve também o entendimento, correto, de que a cidade São Paulo tem grande parte da receita da Sabesp (46%), mas tem também uma interdependência do sistema como um todo.
Como se dá essa interdependência?
Na Zona Leste da capital, por exemplo, grande parte é abastecida por cinco grandes reservatórios que estão situados entre Suzano e Salesópolis. Grande parte dos resíduos que a Sabesp gera na capital é tratada em Barueri, outro município. Não tem como ver saneamento se não for de forma regionalizada. O que o município de São Paulo fez foi compreender isso.
Qual era a preocupação do prefeito?
Manter os benefícios que estavam previstos no contrato do município com a Sabesp. Isso foi confirmado pelo estado: manter repasse de 7,5% da receita obtida pela empresa na cidade e ter no mínimo 13% de investimento no município – que, com a privatização, vai aumentar. Foi o mesmo diálogo com outras prefeituras.
Além da Sabesp, há outras privatizações no horizonte?
Estabelecemos um pipeline robusto desde a primeira reunião do Conselho de Desestatização do governo, com 15 projetos, entre eles o da Sabesp. Mas o primeiro a ser estudado, que sentimos muito interesse dos investidores, foi o da Emae, empresa geração de energia da região metropolitana.
Por que tanto interesse pela Emae?
Por causa do potencial gigantesco que ela oferece. A Usina Henry Borden, a maior da empresa, tem potencial instalado de 961 megawatts (MW). Com a iniciativa privada, entendemos que é possível melhorar ainda mais a eficiência. Já fizemos a contratação dos estudos e devemos lançar audiência e consulta pública nos próximos meses. A ideia é fazer o leilão no final do ano ou no início de 2024, antes da Sabesp. O modelo de desestatização será um processo simples, com venda de ações. Seria uma privatização total, o governo estadual sairia da empresa.
"Estabelecemos um cronograma de desestatizações com 15 projetos. O primeiro a sair será o da Emae"
Quando o governo planeja avançar o processo de privatização da CPTM e do Metrô?
Existe um cronograma estabelecido. A Emae é a primeira e o cronograma da Sabesp deve ser concluído em meados do ano que vem. CPTM e Metrô não estão na minha pasta, mas o modelo de desestatização ainda está sob estudos. Na parte de mobilidade, o governo tem uma prioridade no Trem Intercidades (São Paulo a Campinas), incluído no PAC, que será por PPP. O mesmo ocorre com o Túnel Santos-Guarujá. Estamos analisando a modelagem econômico-financeira, documentos jurídicos e dialogando com o governo federal a parte de governança para avançar. Também será PPP.
O governo estadual acaba de lançar o Plano Estadual de Energia 2050. Qual o modelo de governança?
Esse plano é prioritário pelo potencial que o estado de São Paulo tem. Somos o maior produtor nacional de etanol, responsáveis por 45% da produção nacional. Pela biomassa conseguimos gerar energia, fazer uma economia circular. Imaginamos um portfólio de projetos a longo prazo e com estímulos, tendo como perspectiva a ação climática, também ligada a 2050, com um ambiente de negócios favoráveis para atrair investidores.
São vários projetos?
O portfólio completo prevê R$ 16,8 bilhões em investimentos privados. Foram mapeados 21 projetos voltados para transição energética. O plano tem duas fases, uma qualitativa e outra quantitativa. Na primeira, apresentamos aos investidores os projetos que estamos estudando nos eixos de regulação, infraestrutura, meio ambiente, social e de tecnologia, o que precisamos fazer em cada um deles. Na parte de ambiente regulatório, estamos reabilitando o Conselho Estadual de Política Energética.
Quando será lançada a fase quantitativa?
Até o final do ano. Devemos regulamentar também um fundo que vai beneficiar pequenas e médias empresas (PMEs) em relação ao potencial energético, o que deve levantar cerca de R$ 400 milhões para mais de 450 empresas. A ideia é aproveitar o potencial do estado nessa área de transição energética e descarbonização.