No começo da Bossanova Investimentos, João Kepler viveu uma experiência, no mínimo, inusitada. Foi abordado em um banheiro por um empreendedor que fez um rápido pitch ali mesmo. Quem o procurou foi JP Galvão, fundador da VaiCar, uma locadora de carros sem frota própria.
A rápida conversa foi o suficiente para Kepler gostar da ideia e marcar uma reunião, que culminou em um investimento. Esse episódio anedótico, conhecido internamente como ‘pipipitch’, no entanto, ficou para trás.
Se, em 2015, a Bossanova dependia quase que exclusivamente de Kepler e Pierre Schurmann, os dois primeiros fundadores, o cenário agora é totalmente diferente. “Hoje, sigo sendo abordado em eventos, mas encaminho tudo para o time da Bossanova”, diz Kepler, ao NeoFeed.
A Bossanova se transformou em uma empresa com mais de 50 funcionários, sócios como o banco Bmg, o Grupo Primo (do influenciador digital Thiago Nigro), Janguiê Diniz (da Ser Educacional) e o empreendedor Thiago Oliveira. E chegou a um portfólio de mais de 1.000 startups, marca atingida no começo de março.
Qual, então, o próximo passo da Bossanova, que se define como um micro venture capital, por investir nas fases iniciais das startups em rodadas pré-seed e seed? “Estamos estruturando a nossa máquina para um crescimento exponencial”, afirma Kepler. “Não sei ainda onde vamos chegar, se serão 2 mil startups investidas ou 5 mil startups.”
O número, no entanto, não é o dado mais relevante – é apenas uma isca para fazer todos os funcionários trabalharem em torno de um objetivo: transformar a Bossanova na “XP das startups.”
Para atingir esse objetivo, a gestora de Kepler & Cia. está lançando uma academia para formar investidores, terá um evento nos moldes do TechCrunch Disrupt (uma espécie de Disneylândia dos empreendedores do Vale do Silício), começou a montar fundos para empresas e vai criar até um banco no estilo do Silicon Valley Bank, uma referência para as startups americanas.
Assim como a XP, que começou ensinando pessoas físicas a investir na bolsa de valores, a Bossanova quer formar investidores para apostar em startups no mercado brasileiro. “Acredito muito na educação para ampliar o número de investidores e empreendedores”, afirma Kepler. “Se eles estiverem mais preparados vai haver mais investimentos e menos quebra de empresas.”
Pode parecer papo de maluco – como de fato era coisa de louco dizer para todo mundo que iria investir em 1.000 startups em 2015. Mas, ao menos no papel, a estratégia para ser a “XP das startups” está desenhada.
O primeiro pilar é a área de educação com o Bossa Academy, que foi testado em um modelo MVP (minimum viable product) em novembro do ano passado. A ideia é criar cursos online e presenciais que vão ensinar desde o básico de como investir em startups até como quais as métricas mais importantes a serem avaliadas e as estratégias para a formação de um portfólio.
Na sequência vem o Bossa Summit, um megaevento que acontecerá pela primeira vez em abril, em São Paulo. Ele vai reunir empreendedores e investidores. A ideia é unir os dois lados da moeda do ecossistema de empreendedorismo e fazer com que investimentos aconteçam por lá.
As pessoas presentes vão receber também uma moeda virtual (sem valor monetário) para investir nas startups que estão participando do evento. As três que conseguirem mais recursos vão ser de fato investidas pela Bossanova, que faz cheques que variam de R$ 100 mil a R$ 1 milhão.
A terceira perna da estratégia é o banco, chamado internamente pelo codinome de Bossa Bank, que será anunciado ao mercado em abril, durante o Bossa Summit. O objetivo é começar a operar em maio.
Neste primeiro momento, ele será no formato white label. A Bossanova negocia com duas empresas para fornecer a infraestrutura e as licenças necessárias. Mas não custa lembrar que o mineiro Bmg é sócio da gestora e deve, em algum momento, assumir essa “tarefa”.
O Bossa Bank vai oferecer uma conta digital, antecipação de recebíveis e cartão de crédito. Mas o plano que é que ele evolua para oferecer todos os serviços financeiros para as startups do portfólio, bem como aos investidores. Até mesmo venture debt.
A infraestrutura de todos esses pilares será o Bossa One, um software que a Bossanova está desenvolvendo para que a engrenagem de investir em startups, bem como atrair investidores, esteja cada vez mais azeitada. “Todas as áreas vão estar unificadas nesse sistema”, afirma Kepler.
Venture capital para as massas
O objetivo é só um: fazer com que mais pessoas possam investir em startups e não apenas investidores endinheirados ou institucionais. Hoje, a Bossanova se estruturou para coordenar grupos privados de co-investidores.
No total, são mais de 40 grupos, organizados na forma da figura jurídica de Sociedade em Conta de Participações (SCP), que levantam entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões para investir em aproximadamente 10 startups. O tíquete mínimo para participar é de R$ 100 mil.
Para investidores com menos recursos, a Bossanova criou cotas menores que vão de R$ 5 mil a R$ 50 mil. São as chamadas Cédulas de Crédito Bancário (CCB).
No total, a gestora conta com 3 mil investidores (600 deles em SCP), que já aportaram mais de R$ 140 milhões nesses pools que atuam em todos os setores imaginados, de fintechs a lawtechs, de agtechs a foodtechs. A tese é investir em startups B2B, que tenham pelo menos um ano e meio de vida e estejam já faturando no mínimo R$ 20 mil mensais.
Mais recentemente, empresas passaram a formar esses pools no estilo de corporate venture capital. “Já temos duas empresas nas quais estamos fazendo investimentos”, afirma Rafael Ribeiro, head de novos negócios da Bossanova, acrescentando que não pode revelar os nomes das companhias. “E vamos buscar mais corporações para testar essa tese.”
Com os recursos em mãos, começa a funcionar outra parte da engrenagem da Bossanova: selecionar, investir e acompanhar as startups. A gestora conta com um funil que recebe mais de 200 startups por mês via o site ou prospecção ativa.
Depois de passar pela primeira análise, cerca de 70 a 80 startups são avaliadas em diversos comitês de investimentos. E, desse total, de 10 a 12 por mês recebem o cheque da Bossanova.
A aprovação dos comitês de investimento não finaliza o processo. Só aí começa uma due dilligence mais rígida com a startup, em um processo inverso do que é feito pela maioria dos fundos de venture capital.
A razão para fazer a due dilligence depois de investimento é simples. Como o volume de empresas analisadas é grande, a visão é de que não faria sentido fazer antes, o que necessitaria de muito tempo, recursos e, principalmente, advogados. Alguns deals não seguem adiante por conta de contingências encontradas nessa fase.
Após o investimento, outra equipe entra em ação e acompanha as startups investidas. O objetivo é ajudar em networking, colocar a rede de apoio da Bossanova à disposição. Até benefícios, como descontos na AWS, Google, Microsoft, Oracle, entre outros, são oferecidas para as investidas.
“Spray and pray”
Esse modelo, que levou a Bossanova a investir em 1.000 startups, não é exatamente uma unanimidade. No mercado de venture capital, ele é conhecido como “spray and pray”, por apostar em muitas empresas ao mesmo tempo e torcer para que pelo menos algumas delas deem certo, compensando todas aquelas que foram à falência ou não escalaram.
“O modelo de ‘spray and pray’ tende a dar retornos médios”, diz um investidor, ao NeoFeed. “E, em venture capital, retornos médios são ruins.”
A Bossanova diz que o retorno médio de todos os seus pools de investimentos está em 28% ao ano, o que foi considerado por um gestor com quem o NeoFeed conversou “muito bom.”
Do extenso portfólio, as falências somam apenas 7%. As saídas ainda são poucas: 64. Entre elas, empresas como Melhor Envio, Agenda Edu, Kinvo e Repassa.
A média do retorno dos desinvestimentos foi de 7,2 vezes o capital investido. E o prazo médio para deixar o investimento é de 2,5 anos, em rodadas séries A e B de outros fundos ou quando acontece a venda para uma empresa.
Outra crítica que o NeoFeed ouviu foi o fato de a empresa ter um discurso de massificação dos investimentos em startups. Um investidor lembra que venture capital é uma classe de ativos arriscada e que, em um cenário de juros altos, de baixo retorno. “Não é para todo mundo diz”, diz essa fonte.
A resposta da Bossanova para essa crítica é simples: educação. Em resumo, não muito diferente da receita de sucesso da XP.