O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, dá mostras de que a guerra comercial contra a China – iniciada pelo seu antecessor, Donald Trump – não só vai prosseguir a todo vapor como agora ameaça envolver a terceira maior potência econômica do planeta, a União Europeia.

Na prática, começa a ganhar corpo uma tensão que envolve países que, somados, movimentam US$ 57,7 trilhões e são responsáveis por 60% do PIB mundial.

Os Estados Unidos, que impuseram controles sobre as exportações de semicondutores para a China em outubro, estão exercendo pressão sobre o bloco europeu para que adote uma linha dura semelhante.

O recado passado aos europeus pela secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo – de que “a China se tornou uma ameaça crescente para as empresas americanas” –, coincidiu com uma visita a Pequim do presidente do Conselho Europeu da UE, o belga Charles Michel, cujo objetivo era justamente aumentar as relações comerciais do bloco com a China.

Michel se reuniu com o presidente chinês, Xi Jinping, que foi duríssimo ao responder à pressão americana, deixando claro esperar que “a UE rejeite a interferência (dos EUA) e forneça às empresas chinesas um ambiente de negócios justo e transparente”.

A questão é complexa por misturar interesses políticos com comerciais dos três lados envolvidos. Além do apoio chinês à guerra da Ucrânia, a tensão causada nos EUA e na Europa por causa das ameaças de uma eventual invasão chinesa a Taiwan azedou a relação tripartite.

A União Europeia não tem interesse nas rusgas comerciais entre EUA e China, mas ao mesmo tempo tem reclamações pontuais contra cada um deles

A União Europeia tenta dissociar a questão política da comercial. A China é o maior parceiro comercial da UE, enquanto a UE continua sendo o segundo maior parceiro comercial do país asiático.

A dependência econômica do bloco europeu da China aumentou este ano, com as dificuldades causadas pela invasão russa da Ucrânia. Nos primeiros dez meses de 2022, o valor do comércio China-UE atingiu US$ 711,4 bilhões, um aumento anual de 6,3%.

A União Europeia não tem interesse nas rusgas comerciais entre EUA e China, mas ao mesmo tempo tem reclamações pontuais contra cada um deles. No caso da China, as críticas são concentradas no apoio chinês à Rússia na questão da Ucrânia, que gerou uma crise energética na Europa.

A rígida política chinesa de combate à covid, com lockdowns em várias cidades e a queda de consumo no mercado interno, também está impactando as exportações europeias.

Além disso, cresce pressão em países europeus, como a Alemanha, para que as empresas do bloco busquem alternativas ao mercado chinês e reduzam a dependência do país asiático, que se tornou cada vez mais nacionalista e ideológico sob a presidência de Xi.

Protecionismo

Em relação aos Estados Unidos, além da irritação de envolver o bloco numa questão bilateral entre EUA e China, a União Europeia não escondeu as críticas ao teor protecionista da Lei de Redução da Inflação (IRA) – um dos dois pacotes de infraestrutura que Biden aprovou no Congresso.

O IRA prevê benefícios e redução de impostos nas áreas de clima e saúde, incluindo subsídios para apoiar a adoção de carros elétricos -o que está levando muitas indústrias do bloco a migrar para os EUA. A UE disse que isso desafia as regras do comércio internacional e é uma ameaça para as empresas europeias.

O presidente da França, Emmanuel Macron, chegou a conversar com Biden na quinta-feira, na esperança de superar algumas dessas diferenças e evitar uma nova disputa comercial.

Na prática, isoladamente, as três maiores potências da economia global parecem mais interessadas em defender seus interesses políticos e comerciais do que em resolver as pendências com os outros parceiros.