Quando a China é o foco, é natural que qualquer debate gire em torno de índices, volumes e potenciais gigantescos. Em linha com essa vocação, a Ant Financial, empresa chinesa de serviços financeiros fruto de um spin-off do Alibaba, não se cansa de colecionar números grandiosos.
Carro-chefe da companhia, o Alipay, lançado em 2004, é o maior exemplo dessa disposição. A plataforma de pagamentos tem hoje 1,2 bilhão de usuários. E dá acesso a mais de 100 serviços. Por meio do aplicativo, é possível chamar um táxi, adquirir ingressos de cinema, marcar consultas médicas, reservar hotéis ou comprar produtos de vendedores ambulantes, entre outros recursos.
No roteiro para construir essa base impressionante, a Ant Financial, constituída oficialmente em 2014, atraiu US$ 22 bilhões em quatro rodadas de investimentos. Na principal delas, em 2018, captou US$ 14 bilhões. Com o aporte, liderado pela Temasek e pelo Fundo Soberano de Cingapura, a startup foi avaliada em US$ 150 bilhões. E alcançou o posto de maior fintech do mundo.
Para conquistar esse status, o grupo praticamente não ultrapassou os limites da Grande Muralha. Mas, pouco a pouco, a companhia, que ainda é controlada pelo Alibaba, dono de uma fatia de 33% da operação, começa a ampliar seus tentáculos fora da China.
Essa estratégia ganhou um novo fôlego em dezembro, quando Simon Hu, executivo com passagem por diversos cargos de liderança no Alibaba, assumiu como CEO da Ant Financial. Ele substituiu Eric Jing, que segue como presidente-executivo do grupo.
Em um memorando interno, a empresa destacou que a nomeação integra “os esforços de crescimento em três pilares estratégicos: globalização, demandas domésticas e tecnologia”. Na prática, com a nova estrutura, Hu estará mais concentrado na atuação local. Jing, por sua vez, ficará mais dedicado ao desenvolvimento de tecnologias e de novos mercados no exterior.
Escala internacional
Curiosamente, um dos últimos sinais do apetite além fronteiras da Ant Financial foi dado dentro de casa. Desde novembro, os turistas estrangeiros que visitam a China podem usar boa parte dos serviços ofertados por meio do Alipay. Válido por um período de até 90 dias, o acesso aos recursos do aplicativo é feito por meio de um número de celular e de um cartão bancário internacional.
A “degustação” do aplicativo vai ao encontro de um dos principais dilemas nessa estratégia de expansão. “O maior desafio deles é obter consumidores não chineses em sua plataforma”, diz Jeffrey Towson, professor da Universidade de Pequim.
Em contrapartida, destaca Towson, a principal força da empresa nessa jornada é ser o elo entre os clientes chineses e os varejistas e marcas de todo mundo dispostos a acessar um mercado consumidor desse porte. Seja por meio das compras via comércio eletrônico ou por aquelas realizadas por turistas do país em viagens ao exterior.
Essa abordagem está no centro de outro movimento recente do grupo. Também em novembro, o Alipay divulgou a meta de apoiar o crescimento de 10 milhões de pequenas e médias empresas na Europa nos próximos cinco anos, por meio da oferta de tecnologias. E de conectá-las com um universo potencial de mais de 2 bilhões de turistas e consumidores.
“Nossas soluções vão ajudar os varejistas da Europa a atenderem melhor o crescente número de turistas e consumidores que visitam a região”, afirmou Eric Jing, durante o Alipay Partners Global Summit, evento realizado em Londres.
Como parte dessa estratégia, o Alipay fechou uma parceria com a francesa Worldline para que esses varejistas aceitem pagamentos habilitados pelo aplicativo e por outras carteiras digitais de países asiáticos com as quais a plataforma tem parcerias, entre eles, Coreia do Sul, Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia e Índia.
Ao mesmo tempo, o Alipay desenvolveu funcionalidades em seu aplicativo voltados à experiência dos turistas em aeroportos. O pacote inclui serviços como pagamentos, informações de voos, reservas de transportes, recomendações personalizadas, cupons de desconto e a possibilidade de comprar online e retirar o produto no aeroporto de destino.
As parcerias são, de fato, uma das principais vias para que o Alipay e à Ant Financial ganhem escala internacional. Atualmente, a plataforma já tem acordos com mais de 250 instituições financeiras em todo o mundo, sendo mais de 120 apenas na Europa. O escopo também inclui empresas de outros setores, como agências de viagens.
O acesso ao grande volume de chineses que viajam pelo mundo é também a moeda para fechar acordos em países como os Estados Unidos. Uma dessas parcerias foi firmada em fevereiro do ano passado, com a Walgreens. Desde então, esses turistas podem comprar produtos usando o aplicativo em mais de 7 mil lojas da rede americana de farmácias.
O mercado americano é, no entanto, outro grande desafio para a Ant Financial. E a empresa teve uma grande demonstração das dificuldades de ganhar escala nos Estados Unidos antes mesmo do aumento das tensões comerciais entre o país e a China.
No início de 2018, o grupo viu sua proposta de aquisição da MoneyGram, empresa de pagamentos sediada em Dallas, ser barrada pelo Comitê de Investimentos Exteriores dos Estados Unidos. Nem mesmo os esforços de Jack Ma, fundador e, na época, ainda presidente do Alibaba foram suficientes. Antes do veto, ele se reuniu com Donald Trump para selar as bases e contrapartidas do acordo de US$ 1,2 bilhão.
O investimento em startups e fintechs diretamente relacionadas aos negócios do grupo seguem, porém, em pauta na estratégia de expansão. Nessa frente, a Ant Financial anunciou em novembro o plano de captar um novo fundo, de cerca de US$ 1 bilhão, com foco em novatas de mercados emergentes, especialmente no sudeste asiático e na Índia.
As parcerias são uma das principais vias para que o Alipay e a Ant Financial ganhem escala internacional.
Atualmente, o grupo contabiliza 72 investimentos em seu portfólio. Os mais recentes foram realizados em dezembro e envolveram a eMonkey, serviço vietnamita de pagamentos, e a Anyscale, plataforma americana de desenvolvimento de aplicativos.
“A empresa está construindo uma plataforma global de serviços financeiros”, afirma Towson. “E já são uma preocupação real para companhias como Visa e Mastercard.”
Mercado doméstico
Em paralelo à sua estratégia de internacionalização, a Ant Financial segue desenvolvendo novas ofertas no mercado chinês. Hoje, além do Alipay, o portfólio local do grupo envolve negócios como empréstimos, gestão de fortunas e um banco digital, entre outros serviços.
Para ampliar esse escopo, a companhia fechou em dezembro uma parceria com a gestora americana de ativos Vanguard, para a formação de uma joint venture voltada a serviços de consultoria para investidores chineses.
Além da evolução natural do negócio, esse e outros movimentos são vistos como uma reação diante do crescimento da concorrência, expresso em outros serviços chineses como o WeChat Pay, da Tencent, e mesmo de rivais globais, como a PayPal, que ingressou no país em dezembro, ao comprar 70% da também chinesa GoPay.
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