Califórnia - A empresária Julie Wainwright encontrou a sua alegria na contramão. Aos 42 anos, seu marido pediu divórcio no dia 20 de novembro de 2000. No dia seguinte, a Pets.com, que ela comandava, quebrou, numa das falências mais emblemáticas da bolha pontocom.
Wainwright, divorciada e "fracassada", se afundou em uma maratona de exercícios e negação. Dispensou algumas propostas que lhe cruzaram o caminho e logo entendeu que ninguém ofereceria seu emprego dos sonhos, mas ainda era tempo de criar um para si.
Acompanhando uma amiga numa sessão de "shopping terapia", Wainwright, hoje com 61 anos, descobriu no fundo de uma boutique o potencial do mercado de revenda de artigos de luxo usados. Aquele era um espaço de confiança, que vendia artigos de marcas caras por uma fração do preço da etiqueta original. Era um setor virtualmente inexistente na internet e pouco atrativo para gigantes, como Amazon.
A empolgação da amiga aliada às constatações empresariais a levaram de volta para o seu próprio armário. Saiu de lá com 60 peças usadas, mas em ótimo estado, que poderiam ser revendidas. Nascia ali, em 2011, a The RealReal, um marketplace online.
Atualmente, a RealReal conta com três lojas físicas, em Los Angeles e Nova York, que comercializa itens usados de marcas como Yeezy, Balenciaga, Chanel, Louis Vuitton, Cartier e Hermès, para citar alguns.
Os preços são tão atraentes quanto os designers: um relógio Patek Philippe de US$ 40 mi, por exemplo, está sendo vendido ali por menos de US$ 12 mil.
O modelo de negócio é simultaneamente simples e delicado, mas tem como base a consignação: os vendedores submetem seus itens para aprovação, e a The RealReal se encarrega da autenticação das peças, da negociação e do envio – e abocanha uma parte do valor arrecadado com a venda, claro. Sem nenhum trabalho, os vendedores ficam com até 70% do montante pago por um de seus itens.
A lógica subversiva da The RealReal pode lhe render uma avaliação de US$ 1,5 bilhão, na abertura de capital capital que acontece nesta sexta-feira, 28 de junho, na Nasdaq, a bolsa eletrônica dos Estados Unidos.
A RealReal chega à Nasdaq com um faturamento recorde. No ano passado, faturou US$ 207,4 milhões, uma alta de 55% em relação a 2017. Em 2018, foram processados 1,6 milhão de pedidos provenientes de 416 mil clientes, de mais de 60 países. Por outro lado, o custo operacional da empresa saltou 52%, chegando a US$ 210 milhões, ao mesmo passo que os custos com marketing cresceram 15%, um impacto de US$ 42 milhões. No balanço final, a The RealReal operou com um prejuízo de US$ 75,8 milhões em 2018.
O sobe e desce dos números é compreensível para o momento da ainda jovem empresa, como salientou Wainwright, em um comunicado oficial. "estamos investindo substancialmente em iniciativas de marketing, expandindo nossas operações e infraestrutura, desenvolvendo novas tecnologias e ampliando nossa equipe".
A The RealReal comercializa itens usados de marcas como Yeezy, Balenciaga, Chanel, Louis Vuitton, Cartier e Hermès
De acordo com a companhia, os esforços podem valer a pena se considerarmos que, apenas nos EUA, o mercado de luxo movimenta US$ 198 bilhões, e que neste nicho quase não há alternativas que se enquadrem na economia compartilhada.
"Sentimos que esse é apenas o começo para a área de revenda de artigos de luxo. A empresa e o planeta se beneficiam deste novo conceito, sobretudo do ponto de vista da sustentabilidade, que é tão caro aos consumidores", declarou Jeff Van Sinderen, analista da B. Riley FBR, ao portal FootWearNews.
A opinião do analista se apoia na previsão do ThredUp, outro competidor no mercado de revenda, que aposta que o setor vai fazer girar US$ 51 bilhões em 2023 e que em uma década será mais expressivo que o mercado de fast fashion.
Essas prospecções otimistas pavimentam o caminho da abertura de capital da The RealReal, que levantou US$ 358 milhões em oito rodadas de investimento. As ações, que serão ofertadas entre US$ 17 e US$ 19 cada, podem levar a empresa a captar mais US$ 330 milhões.
Boa parte deste investimento será dedicado aos custos gerais e de folha de pagamento, mas 1% do total vai ser aplicado na The RealReal Foundation, um projeto dedicado a causas beneficentes. Investimentos em tecnologia, produtos, serviços e aluguel também fazem parte do plano.
Enquanto vivencia esses novos desafios econômicos, a empresa segue duelando judicialmente. Em novembro a marca foi processada pela Chanel, que acusou a empresa de vender artigos falsos da maison como se fossem originais. A The RealReal negou as acusações e já entrou com um pedido para dar baixa nas queixas.
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