BOLONHA - Uma visitante se surpreendeu ao bater o olho na exposição da sueca Oquist entre os 2.700 estandes da Cosmoprof, maior feira de beleza do mundo, em Bolonha, na Itália. "Ah, é uma marca de velas", exclamou em italiano, ao ver distribuídas numa mesa as pequenas garrafas e potes de argila cinza.
A percepção de que a Oquist produz objetos de decoração passou longe de frustrar sua co-fundadora, Olga Ringquist. Afinal, a marca usa recipientes de argila para guardar produtos multifuncionais sem água na formulação e se autodenomina de "skinterior" (um neologismo que condensa as palavras "skin", de pele, e "interior", referência a design de interiores).
Arte e sustentabilidade estão no coração da Oquist. Ambas se revelam nas embalagens feitas com terracota italiana, que após o uso podem ser reabastecidas com refis dos cosméticos, ou mesmo virar peças de decoração ou vasos de flor, no banheiro ou na sala. Além disso, todo o processo de produção dos cosméticos é feito sempre sem água, bem diferente da média dos produtos de skincare, que normalmente levam mais de 90% do ingrediente na composição.
Retirar a água da formulação dos cosméticos - ou seja, torná-los "waterless" - é uma das tendências de maior destaque na Cosmoprof, apontada pelo escritório americano Beautystreams, especializado em estudos de futuro para o mercado de cosméticos,
"Encontramos muitos exemplos de marcas trazendo isso como inovação, produzindo sem água. É uma escolha boa para o planeta, mas também para os consumidores, que podem comprar produtos mais concentrados que dispensam conservantes para prolongar sua vida útil", conta Fernanda Pigatto, diretora global de marketing da Beautystreams.
Para o relatório da Cosmoprof, Fernanda e seu time analisaram as inovações das 2.700 marcas presentes na feira para identificar as mais recorrentes, que darão o tom da indústria de beleza global nos próximos anos.
A proposta “waterless” já está sendo adotada pontualmente pelas grandes companhias. No Brasil, em dezembro de 2021, por exemplo, a Natura lançou a marca Biomé, com xampu, condicionador e sabonete em barra, todos produzidos com base no óleo de dendê e guardados em embalagem de papel reciclado e reciclável. Por enquanto, a linha é vendida apenas na loja conceito da Natura, na rua Oscar Freire, em São Paulo.
Até mesmo Chanel embarcou no "waterless", mas por meio de outro formato, o pó. Na linha batizada No. 1 de Chanel, entre cosméticos e maquiagens naturais e sustentáveis, está o limpador para o rosto que vem na consistência de pó e após misturado a algumas gotas de água transforma-se numa espuma que limpa as impurezas da pele.
Caminhando pelos gigantes pavilhões da Cosmoprof era fácil identificar as marcas apoiadas no "waterless". Já não são poucas as empresas do mundo todo investindo, por exemplo, nos cosméticos sólidos - xampus, condicionadores e afins, no formato como de um sabonete. Assim como as versões de cosméticos em pó - outra novidade no formato sem água -, eles agregam ao consumidor o benefício de serem mais fáceis de transportar, com menos risco que os líquidos dentro de malas ou bolsas.
Na Itália, estão entre as representantes dos produtos sólidos as marcas Simplicemente Solido e Senso Naturale - esta leva a categoria a um novo patamar, oferecendo até mesmo séruns de tratamento no formato sem água.
A Beauté Mediterranea, marca independente de Barcelona, levou à Cosmoprof seu produto mais inovador, o Detox Cleansing Powder, feito com cinzas vulcânicas da ilha de Jeju, na Coreia do Sul. A empresa investiu no "waterless" por entender que revelar preocupação com o meio ambiente é um valor importante especialmente entre os jovens, que buscam produtos que sejam mais naturais e sustentáveis.
A Oquist é uma nativa "waterless". A escolha deste caminho veio da experiência do pai e sócio de Olga, Pavel Babneev. Trabalhando para grandes companhias do setor, ele já oferecia há 20 anos fórmulas sem água quando o cliente pedia produtos que fossem mais "gentis para a pele". Tecnologia existia, mas não era de interesse da indústria.
Segundo ela, ao retirar a água, sai de cena a necessidade de estabilizantes e conservantes químicos que podem gerar alergias e, ainda que não sejam considerados tóxicos para o corpo, desequilibram ecossistemas baseados em água quando devolvidos ao meio ambiente.
"O principal motivo para criarmos produtos sem água na formulação é a sustentabilidade. Cosméticos em geral têm de 96% a 97% de água. Isso não é ruim para você, mas está lá só para encher garrafa, para fazer volume e aumentar os custos. Isso criou um padrão pouco sustentável do que é um skincare com pouco ativo, com 70% a mais embalagem e que o cliente precisa usar muito para fazer efeito."
O primeiro produto da Oquist foi o sérum anti-idade 6 em 1, que leva óleos vegetais como base no lugar da água. Suas multifunções são: cuidado noturno e diurno, hidratação para os olhos, pescoço e colo, retirada da maquiagem e pós-barba. Hoje fazem parte do portfólio também uma manteiga hidratante para o corpo, um balm para lábios e um óleo de limpeza.
A ideia é não ter um portfólio enorme. "Com esses produtos já cobrimos todas as necessidades de uma pessoa. São quatro produtos que podem substituir 21", afirma Olga. Sua intenção é inovar nas embalagens, oferecendo aos clientes novos objetos de decoração, em vez de incluir fórmulas.
Ao participar da Cosmoprof, Olga pretende abrir mercado para além de seu e-commerce e das poucas lojas europeias de nicho em que já é distribuída. "Depois que lançamos a marca, em setembro de 2021, começamos a procurar distribuidores do mundo todo, e percebemos que o mercado de beleza tem essa particularidade 'offline'. As pessoas fazem negócios nas principais feiras do mundo". Conseguiu a atenção que queria. Pelo menos da crítica especializada. Seu sérum 6 em 1 foi destacado como um dos mais inovadores na feira de Bolonha.