Primeiro, o óleo de limpeza. Depois, o limpador à base de água. Em seguida, o esfoliante, o tônico, o toner e as essências. Aí vêm os séruns de tratamento, o creme para os olhos, o hidrante e o protetor solar. À noite, tudo de novo, trocando apenas o filtro por uma máscara super-hiper-mega-hidratante. Ufa! Os dez passos do skincare sul-coreano são mais do que apenas uma rotina de beleza. O K-beauty é um estilo de vida, pontificam os adeptos do método, enquanto exibem orgulhosos sua glass skin — a “pele de vidro”; uniforme, “orvalhada” e iluminada.
A filosofia coreana de como cuidar da pele começou a se disseminar no Ocidente, em meados da década de 2010. Impulsionada pelo sucesso dos artistas do K-pop e dos K-dramas, invadiu as redes sociais, viralizou e, no movimento de valorização do autocuidado deflagrado pela pandemia, se tornou (praticamente) uma obsessão. Agora, o K-beauty revoluciona a indústria global de beleza.
Avaliado hoje, no mundo todo, em US$ 14,6 bilhões, os produtos de skincare made in South Korea devem movimentar, em 2029, cerca de US$ 30 bilhões, avançando, até lá, a uma taxa de crescimento anual composta de 11,3%, avaliam os analistas da Market Data Forecast. Um ritmo de evolução quase duas vezes superior ao dos artigos de cuidados com a pele, em geral, aponta a consultoria Fortune Business Insights.
No Brasil, as buscas na internet pelo termo “skincare coreano”, só neste ano, cresceram 247,1%, nos cálculos da Semrush, plataforma de marketing digital especializada em visibilidade online. Todos querem ter a pele, entre outros ídolos da K-culture., da atriz e cantora Jennie Kim, do grupo Blackpink, e do vocalista Kim Taehyung, do BTS, ambos de 28 anos.
Seu sucesso online foi tão grande que a designer, maquiadora e youtuber Park Hye-min, ou simplesmente Pony, de 34 anos, lançou, em 2015, uma linha própria de maquiagem, a Pony Effect, em parceria com a varejista de beleza coreana Memebox. Em 2017, Pony apareceu na Forbes 30 Under 30 Asia por sua influência na indústria do K-beauty.
Nos Estados Unidos, desde o início de 2024, pela primeira vez, os artigos franceses para o cuidado da pele não lideram as importações. Perderam a primazia para os géis, loções e cremes coreanos, de acordo a comissão de comércio internacional (USITC, na sigla em inglês).
Hoje, os asiáticos respondem por cerca de 20% do mercado americano de importados. No Japão, ocorreu o mesmo movimento.
Slow aging X anti aging
“A principal tendência é que o consumo de produtos de beleza se desloque cada vez mais da ideia do uso apenas para melhorar a aparência e evolua para a preocupação em proporcionar bem-estar e qualidade de vida”, lê-se em relatório da consultoria global Kantar.
Ou seja, perdem espaço no nécessaire os corretivos, as bases, os pós compactos, os redutores de poros dilatados... enfim, toda sorte de maquiagem de disfarce.
Os rituais de beleza coreanos são uma tradição milenar, passada de geração para geração. “Culturalmente, a boa aparência é muito importante para os coreanos. Eles acreditam que uma pessoa com beleza acima da média tem mais oportunidades. E isso é um fato: as chances de ser contratado por uma empresa da Coreia do Sul são maiores para quem é mais bonito”, explica Cindy Oh, maquiadora e influencer especializada em beleza asiática, em entrevista ao NeoFeed.
Talvez porque para os asiáticos, em especial na Coreia do Sul e no Japão, a beleza exterior reflita também autoconhecimento e disciplina. E não há espelho melhor do que a pele, o maior órgão do corpo humano. Por isso, o foco é na prevenção — cuidar sempre (e desde cedo) para não ter de remediar mais tarde.
Obviamente, a rotina de skincare não vai conter a ação inexorável do tempo. Mas pode suavizá-la. Assim, o conceito slow aging ganha força — em oposição ao inalcançável anti aging, como se o envelhecimento fosse uma doença passível de cura. Se a atriz e modelo coreana Song Hye-kyo não mente para seus quase 18 milhões de seguidores no Instagram, ela, aos 42 anos, é a prova do poder de um skincare cuidadoso e paciente.
“As asiáticas não se limitam ao skincare, elas também fazem muitos procedimentos estéticos minimamente invasivos e buscam resultados mais naturais, o que tem se tornado uma visão global também”, diz a dermatologista Karine Cade, em entrevista ao NeoFeed. “Na Coreia, a partir dos 15 anos, as pessoas já começam a fazer procedimentos como, por exemplo, a aplicação dos fios de PDO, muito popular por lá.”
Cada vez mais comuns no Ocidente, os fios coreanos de polidioxanona (PDO) são introduzidos na pele, suspendendo os tecidos faciais e estimulando a produção de colágeno por meio do processo de cicatrização ao seu redor, explica a médica.
Pela tradição, a Coreia se tornou um centro de inovação em cuidados da pele. Além dos fios de PDO, ganham popularidade os cremes à base de PDRN, um ácido extraído do DNA do salmão, e de exossomos, complexos proteicos, que promovem a hidratação e a regeneração celular. Como alerta a dermatologista, todos os tratamentos devem ser avaliados caso a caso e prescritos por médicos.
O Brasil no mapa da beleza
Sendo o Brasil, o quarto maior mercado consumidor de beleza do mundo, com cerca de US$ 27 bilhões movimentados, anualmente, a tendência de cuidados asiáticos, claro, tomou conta do país. As marcas coreanas e japonesas já representam 14% das vendas totais da categoria, o equivalente a um aumento de 10%, em relação a 2020, conforme dados da consultoria Circana. Nenhuma empresa cresceu tanto nos últimos quatro anos quanto as asiáticas — 14% contra 8% das brasileiras.
“Estamos acompanhando com atenção a mudança do conceito de beleza no Brasil, em busca de algo natural e de saúde e todo o movimento do K-beauty e agora mais forte do J-beauty e isso nos ajudou muito a crescer e passamos de terceira principal marca de prestígio no Brasil para a primeira”, diz Jon Larranaga, diretor para a América Latina do grupo Shiseido, em entrevista ao NeoFeed.
O que está em jogo é um mercado de prestígio e de luxo de alto valor agregado, que movimentou cerca de R$ 6 bilhões nos últimos 12 meses, segundo a Circana. O tíquete médio dos produtos da Shiseido é de R$ 600, mas há produtos que chegam à faixa de R$ 2 mil.
Listado na bolsa de Tóquio e avaliado em cerca de R$ 70,3 bilhões, o grupo japonês registrou, em 2023, receita líquida global de R$ 38 bilhões no ano passado. Cerca de 60% do seu negócio está concentrado na Ásia, sobretudo no Japão, seguido pela China.
“O Brasil é um mercado grande e ainda pouco explorado. E estamos crescendo bastante”, afirma Larranaga. “Por isso, hoje consideramos um país chave para o nosso crescimento futuro, nos próximos 10 a 20 anos.” Sem revelar valores, o executivo diz que, por aqui, a companhia dobrou de tamanho, nos últimos quatro anos.
"Cirurgias de ocidentalização"
Até pouco tempo atrás, eram as ocidentais que inspiravam a beleza asiática. Na Coreia, as autoridades médicas chegaram a manifestar preocupação com as chamadas “cirurgias plásticas de ocidentalização”.
Um levantamento feito pela Sociedade Internacional de Cirurgiões Plásticos, em 2014, apontava: um em cada 77 sul-coreanos passou por uma intervenção para alterar a aparência, sem nenhuma indicação médica.
Entre operações, uma das mais procuradas costumava ser a de confecção da prega palpebral. Com o tempo, parte dos asiáticos que nasceram sem a “preguinha” na pálpebra superior podem vir a apresentar problemas visuais, devido ao acúmulo de pele na região.
E, como o resultado desse tipo de cirurgia dá a sensação de que os olhos ficam mais arredondados, menos puxados, muita gente, no passado, se submeteu ao procedimento sem necessidade — o que, como qualquer intervenção, sempre oferece riscos, por menores que sejam. Agora, é a vez dos coreanos conquistarem o Ocidente, com sua devoção à glass skin.