O empreendedor Marcelo Lombardo, fundador da startup de software de gestão na nuvem para pequenas empresas Omie, sempre foi radicalmente contra o home office. Havia uma lógica por traz dessa “implicância”.
Em sua visão, as startups precisam ter ideias rápidas, engajar o time para colocá-las em prática, testá-las e, se der errado, jogá-las no lixo. “Era essencial estar todo mundo junto para ser o mais rápido possível”, diz Lombardo.
Mas, nas últimas três semanas, tudo o que Lombardo acreditava sobre home office foi colocado em xeque. E ele admite. “Eu posso dizer que estava completamente errado.”
Há também uma lógica por trás dessa frase humilde. Nas últimas semanas, Lombardo teve de reinventar a Omie. E, acredite, fez isso de forma remota, em incontáveis reuniões através de ferramentas de videoconferência.
Ora ele estava reunido com as centenas de funcionários da startup. Ora com os 12 diretores. Em outras ocasiões, com os donos das 80 franquias espalhadas pelo Brasil. Em outras, com os investidores.
E, em uma semana, ele redesenhou a estratégia da Omie para enfrentar a queda nas vendas por conta da crise econômica gerada pela pandemia do Covid-19. Ou, segundo o jargão das startups: ele “pivotou” a Omie em sete dias.
Não foi uma decisão fácil. Mas o próprio Lombardo explica. “Uma das coisas mais difíceis de um empreendedor fazer é deixar de lado a sua paixão e ter uma visão fria e realista do momento.”
E qual era a visão de Lombardo naquele momento? Na segunda quinzena de março, o nível de cancelamento de assinaturas do sistema de gestão online da Omie foi considerado normal. Mas as novas vendas caíram abruptamente.
“Vendemos 30% do que estava planejado”, afirma Lombardo. Mais: os sistemas da Omie movimentavam R$ 7,5 bilhões por mês em documentos fiscais. Em março, o volume caiu para R$ 6 bilhões.
Essa situação acendeu o sinal de alerta. A companhia, fundada em 2013, sempre teve uma missão clara: fornecer sistemas de gestão na nuvem para as pequenas empresas. Desde então, ela conquistou 35 mil clientes e atingiu um faturamento R$ 52 milhões no passado. A meta era dobrar sua receita em 2020.
O modelo de negócio da Omie é baseado na cobrança de uma assinatura que varia segundo o faturamento e o porte da empresa que contrata o serviço. O tíquete médio, nos dois primeiros meses do ano, foi de R$ 320 por mês.
Com foco nos pequenos negócios, a Omie atraiu também importantes investidores. Em abril do ano passado, a americana Riverwood Capital fez um aporte de R$ 80 milhões em um investimento série B. Antes, a Astella Investimentos já havia apostado na Omie.
Acontece que a crise causada pela Covid-19 deve afetar de forma mais severa exatamente os principais clientes da Omie. “Frente a esse cenário, qual é a única proposta de valor para o nosso segmento que parece fazer sentido: redução de custo”, afirma Lombardo. “E para quem a Omie significa redução de custo: para as empresas do andar de cima.”
Esse raciocínio foi a chave para Lombardo começar a repensar a estratégia da Omie. Até então, ele focava em empresas com faturamento de até R$ 10 milhões. Agora, a companhia quer buscar clientes com faturamento de até R$ 70 milhões.
São empresas, na visão de Lombardo, que usam sistemas mais caros e devem estar com a corda no pescoço para economizar por conta da crise. “Essas empresas estão gastando fortunas no CPD”, afirma Lombardo.
Da noite para o dia, a Omie passará a brigar por clientes com empresas como Totvs, SAP e Oracle, gigantes de setor de tecnologia, que também têm soluções online para empresas desse porte.
"Se continuássemos fazendo do mesmo jeito, o resultado ia ser cada vez menor”, diz Lombardo
As três companhias contam com uma participação de mercado somadas de 68% nas empresas menores, segundo a pesquisa "Uso de TI nas Empresas em 2019", da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. Só a Totvs ficava com uma fatia de 48%.
Novas peças no tabuleiro
A decisão mirar empresas de maior porte obrigou a Omie a repensar como seria montado o seu novo tabuleiro estratégico. Nessa análise, algumas peças não faziam mais sentido. E Lombardo teve que demitir.
Os cortes aconteceram em dois momentos. O primeiro deles foi quando a crise começou. A medida foi tomada para preservar o caixa. Foram cortadas 44 pessoas. A escolha recaiu sobre aquelas com baixo desempenho ou que haviam sido recém-contratadas. Com essa atitude, a Omie ficou com uma disponibilidade de caixa de 14 meses.
Em um segundo momento, foram cortados mais 92 funcionários, em função da reestruturação. Os demitidos, dessa vez, faziam parte da força de vendas de campo, focada em pequenos escritórios de contabilidade. O quadro de funcionários, que era de 439, passou para 303, uma redução de quase um terço do total. “Optamos por fazer cortes em vez de reduzir os salários”, afirma Lombardo.
Com o novo quadro, Lombardo passou a reposicionar as peças no seu novo tabuleiro. A começar pela área comercial. O principal canal de vendas da Omie são os contadores, que “indicam” a startup para seus clientes. Foram criados gerentes de contas que vão ficar mais próximos dos contadores que têm os clientes do porte que a Omie busca agora.
O roadmap de desenvolvimento da plataforma online também passou a atacar funções que são mais apropriadas ao novo perfil de cliente. “Eles precisam de um acesso mais granular. Numa pequena empresa, o responsável pela área financeira tem acesso a tudo. Na média, não”, afirma Lombardo.
O marketing também começou a comunicar a nova proposta de valor. Antes, o discurso de venda focava na eficiência do sistema online. Agora, o novo mantra da Omie é redução de custos. “Antes, eu não admitia que alguém falasse que iria migrar para a Omie para economizar custos”, relembra Lombardo.
Toda a equipe de atendimento ao cliente também foi reconfigurada, para prestar um serviço mais personalizado. “Estamos dando um reboot na Omie”, diz Lombardo.
Dará certo? Lombardo ainda não sabe. A estratégia começou a ser implementada nesta segunda-feira, 6 de abril, quando as franquias, que são responsáveis por 80% das vendas da Omie, começaram a trabalhar no novo modelo.
“É muito cedo ainda para saber os resultados”, diz Lombardo. “Mas os primeiros indícios são bons, pois os contadores entenderam que pode ser uma boa oportunidade para ajudar os clientes que estão em apuros.”
Mas os desafios não são poucos. O principal deles é convencer as empresas a mudar seu software de gestão, num momento em que o foco da maioria delas é controlar o fluxo de caixa e o nível de endividamento.
“Nesse momento, eu tenho dúvidas se alguém vai falar que agora é a hora de trocar um ERP”, afirma Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. “É uma estratégia que faz sentido, mas que precisa ser sustentada por um fluxo de caixa.”
Uma crise, como diz o jargão, é também um tempo de oportunidade. Enquanto alguns choram, outros vendem lenço, diz outro lugar comum.
Mas o fato é de que nas crises muitas empresas estão dispostas a experimentar outros produtos e serviços. Não custa lembrar que o Airbnb, uma das startups mais afetadas pela pandemia do coronavírus, surgiu na crise financeira global de 2008.
Antes de “pivotar”, Lombardo fez duas longas reuniões do conselho de administração. “E o que entendemos? Se continuássemos fazendo do mesmo jeito, o resultado ia ser cada vez menor”, afirma Lombardo. “E essa é a dura realidade que tínhamos de encarar.”
Não existe uma receita a ser seguida pelas startups para enfrentar essa crise. Para algumas delas, a fórmula apropriada é cortar custos, demitir, preservar o caixa e esperar tudo passar. Para outras, é a hora de se reinventar.