Mais de uma semana após a morte por asfixia de George Floyd, os protestos contra a brutalidade policial e a discriminação da população negra nos Estados Unidos seguem nas ruas de todo o país. E o movimento não dá sinais de enfraquecimento, sobretudo porque, além do engajamento das multidões, a comoção social também "chacoalhou" as corporações.
Marcas de diferentes setores estão abraçando o movimento – e as que se calam não passam despercebidas. Uma das primeiras a colocar no ar um posicionamento forte foi a Nike. No dia 29 de maio, quatro dias após Floyd ter morrido sob custódia da polícia de Minneapolis, a gigante de roupas esportivas mudou seu slogan: o "just do it", "apenas faça", em tradução literal, virou "don't do it" – "não faça".
A companhia explicou a alteração em um vídeo com cartelas de texto. "Pare de fingir que não há um problema na América. Não dê suas costas ao racismo. Não aceite que vidas inocentes sejam tiradas de nós. Não dê mais nenhuma desculpa. Não pense que isso não te afeta. Não fique indiferente e em silêncio. Não pense que você não pode ser parte da mudança. Sejamos todos parte da mudança."
Com a hashtag #UntilWeAllWin (ou "até que todos vençam"), a campanha da Nike no Instagram atraiu mais de 15 milhões de views e 37,4 mil comentários – nem todos elogiosos. "Acho importante que as marcas se posicionem, sobretudo porque o novo consumidor está repensando suas escolhas e seus valores. Mas quando uma empresa resolve embarcar em uma causa social, ela só deve falar daquilo que tem certeza", diz ao NeoFeed o consultor de branding Eduardo Tomiya.
O especialista alerta para o cuidado de a mensagem não parecer oportunista. Não é o caso da Nike. Há tempos a companhia vem se posicionando contra o racismo e apoiou o jogador de futebol americano Colin Kaepernick que, desde 2016, passou a protestar nos campos contra a violência policial do país direcionada aos negros. Nas partidas, durante o hino americano, Kaepernick, que atuava no San Francisco 49ers, se ajoelhava, num ato que foi criticado pelo presidente Donald Trump.
O jogador acabou sendo boicotado na NFL, a liga de futebol americano, e, apesar das críticas, em 2018, a Nike lançou uma campanha com o atleta na qual dizia "Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo". Na época, a empresa viu suas ações despencarem na bolsa, mas manteve a sua posição e o contrato de patrocínio que vigorava desde 2011.
A novidade sobre o tema do racismo vem da Lego, que pouco costuma agir no campo político. Sem medo de desagradar uma parte de sua clientela para fazer o que considera certo, a dinamarquesa, mais do que palavras, empregou ações.
A companhia pausou por tempo indeterminado a publicidade de alguns de seus produtos e, por -email, encorajou que seus lojistas fizessem o mesmo. Foram mais de 30 kits listados na mensagens, entre eles os da Casa Branca e de estações policiais.
No Twitter, a empresa divulgou outro compromisso: "Nós estamos ao lado da comunidade negra para lutar contra o racismo e a desigualdade. Há muito o que se fazer. Vamos doar US$ 4 milhões para organizações dedicadas a cuidar de crianças negras e engajadas a educar todas as crianças quanto à igualdade racial."
Sem meias palavras, a sorveteria Ben & Jerry foi talvez a que tenha se posicionado de forma mais direta. "O assassinato de George Floyd é o resultado da brutalidade policial desumana que é perpetuada pela cultura da supremacia branca", postou a marca em seu Instagram, usando as palavras mais "duras" em relação ao ocorrido.
Mas, a julgar pela trajetória politizada da companhia, seu protesto não é nenhuma surpresa. Em 2005, Ben & Jerry se posicionou publicamente contra a indústria do petróleo na perfuração do solo ártico. Em 2011, apoiou o movimento Occupy Wall Street, que protestava contra a desigualdade econômica.
Já em 2018, a Ben&Jerry lançou o sorvete sabor "Pecan Resist", cuja venda foi revertida para ONGs pacíficas que trabalhavam na resistência contra o governo do presidente Donald Trump.
O republicano, aliás, tem sido duramente criticado por instituições nacionais e internacionais. O ex-secretário de Defesa americano, Jim Mattis, foi uma das vozes mais importantes a se levantar contra o presidente, acusando-o de dividir o país. "Donald Trump é o primeiro presidente da minha vida que não tenta unir o povo americano", escreveu Mattis em comunicado online.
As críticas aumentaram ainda mais depois da última sexta-feira, 29 de maio, quando Trump usou seus perfis nas redes sociais para ameaçar: "Quando o vandalismo começa, os tiros começam", escreveu o presidente.
A postagem foi removida do Twitter porque a plataforma considerou que a mensagem incitava a violência. Mas o Facebook, de Mark Zuckerberg, parece não concordar com essa visão e deixou intacta a postagem do republicano.
Inconformados com o posicionamento da rede social e de seu líder, diversos funcionários usaram seus canais para criticar a empresa e outros até pediram demissão de seu fundador. Para estancar a sangria, Zuckerberg promoveu uma reunião virtual com cerca de 25 mil profissionais de sua equipe.
Por mais de uma hora, o executivo tentou acalmar os ânimos e pediu por mais empatia. Quanto à decisão de manter o post do presidente do ar, ele disse: "Depois de pesquisar e ler muito sobre o assunto, concluímos que ele se refere claramente ao policiamento agressivo e talvez até excessivo. Mas não há ali um chamado para que apoiadores façam justiça com as próprias mãos."
Apesar do discurso, Zuckerberg não conseguiu convencer seu time. Andrew Crow, um dos líderes de design da companhia, foi ao Twitter para dizer o que pensa: "É inaceitável que uma plataforma permite a desinformação e o incentivo à violência. Eu discordo da posição do Mark e vou trabalhar para que as coisas mudem."
Outros 33 ex-funcionários da maior rede social assinaram uma carta aberta, publicada originalmente no jornal The New York Times. "A liderança do Facebook precisa reconsiderar suas regras quanto ao discurso político, a começar pela verificação das informações compartilhadas por políticos e sinalizando publicamente posts perigosos", diz a carta, que defende a ideia de que a última mensagem de Trump é, sim, um chamado à violência.
Enquanto tantas outras usam suas plataformas para expressar sua posição, o silêncio do Facebook talvez fale mais alto sobre os valores da maior rede social do mundo. Como bem explica Tomiya, "a gente já viu, no Brasil, algumas marcas, como Madero, serem prejudicadas por certas declarações de seus donos, e acho que os consumidores vão cobrar cada vez mais um posicionamento legítimo das empresas. O mundo todo está mudando e as companhias precisam acompanhar o ritmo".
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