O executivo John Donahoe mal calçou os tênis de CEO da Nike e já tem de pisar em ovos. Há pouco mais de uma semana no lugar de Mark Parker, que deixou o comando da empresa mediante uma série de acusações de bullying e assédio, o ex-CEO do eBay tem agora que lidar com uma crise particular: os últimos tênis de alta performance da Nike podem ser banidos de competições internacionais por serem… bons demais. 

A World Athletics (antiga Associação Internacional de Federações de Atletismo, a IAAF) pode proibir o uso dos modelos da linha Vaporfly, da Nike, em competições internacionais. A organização estuda se a sola do tênis, composta por espuma e fibra de carbono, serve como uma "mola" e garante mais impulso aos corredores.

Uma equipe especializada nomeada pela entidade é agora responsável pela condução dos testes que vão decidir se os tênis deram vantagem aos corredores e se devem ser banidos das corridas profissionais.

"Um grupo composto por oficiais técnicos, atletas, profissionais da saúde, cientistas e advogados está revisando o calçado, a tecnologia e as regras das competições. Esperamos divulgar o resultado dessa perícia o quanto antes", disse a World Athletics, em comunicado.

A mesma organização traz à tona preocupações quanto ao teor do impacto que os novos modelos impõem aos atletas, sobretudo aqueles que usam o calcanhar, e não os dedos dos pés, para impulsão.

Enquanto nenhuma resposta conclusiva é divulgada, o desempenho de alguns profissionais "a bordo" do tênis jogam "contra" a Nike. Desde que apresentou, em 2017, o primeiro modelo Vaporfly,  o Zoom Vaporfly 4%, a empresa acumula recordes.

Foi com um desses que o queniano Eliud Kipchoge tornou-se o primeiro homem a correr uma maratona abaixo das 2 horas. O campeão olímpico e mundial percorreu os 42,2 km em 1h59min40s2, em Viena, em outubro do ano passado. O tempo não foi considerado recorde mundial, pois o evento era patrocinado pela Nike e aconteceu em condições diferentes das de uma prova normal.

No mesmo mês, a corredora queniana Kenya Kosgei calçava um ZoomX Vaporfly Next% quando venceu a Maratona de Chicago e estabeleceu um novo recorde para maratonas femininas. A marca anterior, estabelecida pela britânica Paula Radcliffe, em Londres, era de 2h15min25s. Kosgei e seu Nike cruzaram a linha de chegada em um minuto a menos. 

Justamente por figurar tantas vezes nos pódios do mundo todo, como Tóquio, Berlim, Chicago e Nova York, é que o modelo da Nike chamou a atenção – dos reguladores, inclusive.

A World Athletics ainda não decidiu, ou pelo menos não divulgou, se vai manter os recordes mundiais, apesar das proibições.  A entidade, por outro lado, faz sua parte trabalhando em novas regras que contemplem o uso de placas de carbono e estipule um limite para a espessura das solas dos tênis usados pelos profissionais.

Impulsão para as vendas – e para o mercado também

Ter um modelo proibido de competições de alta performance pode ser o fim da linha para muitas empresas, mas talvez seja só o começo para quem tem a experiência da Nike, fundada em 1964 e hoje avaliada em US$ 162 bilhões.

Em meio a polêmicas, Mark Parker (esq.) cedeu o cargo de CEO a John Donahoe

Essa, aliás, nem é a primeira vez que polêmica semelhante recai sobre a empresa – e, provavelmente, esteja longe de ser a última.

Em 1984, o jovem jogador de basquete Michael Jordan, então com 21 anos, entrou em quadra para defender o Chicago Bulls contra o New York Knicks usando o Air Jordan 1. Todo em vermelho e preto, o modelo infringiu o código de conduta da NBA, que estipulava que o calçado dos atletas fosse predominantemente branco.

Banido das quadras de basquete, o modelo capitalizou em cima dessas polêmicas e até hoje é um dos mais valiosos no mercado de revenda de calçados. 

Da mesma forma, a Nike pode usar todas essas discussões envolvendo a linha Vaporfly para lucrar com "a fruta proibida". Para Marcus Stridjen, especialista em marketing, todo esse "barulho" em torno da liberação ou não do tênis já pode ser considerada uma espécie de propaganda – porque muita gente que não conhecia o produto e de suas possíveis vantagens, agora o sabe.

Em entrevista ao NeoFeed, Stridjen diz que "controvérsias como essa são boas para os negócios", uma vez que gera muita mídia espontânea e, ao mesmo tempo, não afugenta corredores amadores e atletas de finais de semana – potenciais clientes do modelo. 

Nos últimos 12 meses, as ações da Nike acumulam alta de 29,7%. Para a casa de análise Raymond James, os papéis da empresa seguem com uma recomendação de compra.  O episódio, acredita a Raymond James, só prova o poder de inovação da companhia, que deve ser potencializado com a nova liderança de Donahoe, executivo com forte veia digital.

Siga o líder

Quarto executivo a assumir o cargo de CEO ao longo dos 56 anos da Nike, John Donahoe promete fazer diferente por ser diferente.

Desde que deixou o comando da toda-poderosa eBay, em 2015, o americano de 59 anos tem focado em autoconhecimento, usando ferramentas como retiro silencioso e meditação. Sua jornada para dentro de si o leva a afirmar coisas como "o caminho para a felicidade é a saúde interior", como disse, em entrevista, ao site Barron's. 

Isso dá sinais de que o approach do novo CEO, que já fazia parte do conselho de administração da Nike, deve ser mais humano e responsável, o que vem a calhar depois que seu antecessor, Mark Parker, foi denunciado por má conduta dentro e fora do escritório. Atletas mulheres revelaram cláusulas em seus contratos que indicavam penalização em casos de gravidez.

Mas a pá de cal na gestão de Parker foi quando o jornal The Wall Street Journal revelou que ele sabia de um esquema de doping liderado por Alberto Salazar, treinador de uma equipe patrocinada pela Nike.

O treinador foi banido do esporte por fazer experimentos com testosterona e Parker deixou a empresa em meio a essa polêmica. Um relatório da agência mostrou que o executivo tinha acesso aos e-mails sobre os experimentos e um deles havia sido feito dentro da sede da companhia.

Para mudar essa imagem, além do cuidado mais "holístico" com a marca, Donahoe deve focar no ambiente digital da companhia, uma vez que sua carreira foi toda sedimentada em empresas de tecnologia.

Formado em economia pela Dartmouth College e com um MBA da Universidade de Stanford, o americano foi presidente da consultoria Bain & Company antes de assumir o comando do eBay, em 2005. 

Ali ficou até 2015, quando saiu para focar em seu desenvolvimento pessoal – e usufruir de um período sabático. O executivo voltou a ativa em 2017, na liderança da ServiceNow, uma plataforma em nuvem feita para melhorar o fluxo de trabalho em grandes empresas.

O analista da Evercore ISI, Kirk Materne, afirma que, graças ao bom trabalho de Donahoe, reposicionando a marca da ServiceNow, a companhia pode não apenas atingir seu objetivo de lucrar US$ 4 bilhões ainda em 2020, como também deslanchar para US$ 10 bilhões até 2025. A receita da Nike em 2019 cresceu 7%, chegando a US$ 39,1 bilhões.

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