Tudo certo, mas nada em ordem. Este é o retrato do Brasil no mercado financeiro, onde imperam a aversão ao risco, a volatilidade dos ativos e a suspeita de que a fatura do governo Lula com o Congresso está cada vez mais alta.
Acomodar tantos aliados tem um preço que já está sendo cobrado. E essa constatação sugere ser precipitada a ideia de que a fatura do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, com forças políticas estaria saturada com a aprovação da PEC da Transição – em votação pendente no Câmara.
A duas semanas da posse do novo governo, o mercado está arisco. Aflige investidores e gestores a percepção de que é real o risco de politização de cargos-chave no governo Lula. Mas o momento fortalece Fernando Haddad no comando do Ministério Fazenda como interlocutor do mercado com o governo.
Declarações de Haddad, na quarta-feira, 14 de dezembro, foram decisivas para acalmar o mercado e conter a sangria na bolsa de valores, onde o Ibovespa chegou a zerar os ganhos do ano.
O futuro ministro da Fazenda agradou ao afirmar que uma expansão fiscal seria contraproducente e atrapalharia a economia neste momento, ao sinalizar que as políticas fiscal e monetária poderão ser coordenadas e ao demonstrar empenho para a definição de nova âncora fiscal no começo de 2023.
A PEC da Transição – que viabiliza expansão do teto de gastos em R$ 145 bilhões por dois anos – prevê a apresentação de um arcabouço fiscal pelo governo Lula em agosto de 2023. Haddad vê chance de antecipar esse cronograma.
Também relevante para uma discreta reação positiva dos ativos, na quinta-feira, 15 de dezembro, foi a informação amplamente divulgada entre operadores de instituições financeiras de que a pauta do Senado, para a sessão do dia, não comportava o projeto de lei que muda a Lei das Estatais.
A informação foi interpretada como sinal de que a mudança aprovada em votação retumbante na Câmara – 314 votos a 66 – não deverá ser aprovada pelo Senado. O tema pode voltar à pauta na semana que vem ou até em 2023.
Na terça-feira, 13 de dezembro, a Câmara reduziu o período de quarentena de indicados à presidência ou à direção de estatais que tenham participado de estrutura decisória de partidos políticos ou de campanhas eleitorais.
A decisão desnorteou investidores. Foi recebida como o desmonte da blindagem contra o uso político de empresas públicas. E teve sua repercussão ampliada por abrir espaço para que o ex-ministro Aloizio Mercadante – petista histórico – assuma a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Horas antes da mudança da Lei das Estatais ser aprovada pela Câmara, Lula confirmou Mercadante para o comando do BNDES. O anúncio foi a gota d’água para o tombo da bolsa, o salto do dólar e dos juros e sucessivas interrupções da plataforma do Tesouro Direto por instabilidade na precificação de títulos públicos.
Por curto espaço de tempo, analistas de grandes bancos calcularam que a turbulência seria atenuada com a nomeação de Pérsio Arida ou André Lara Resende para o Ministério do Planejamento, como desejava o mercado.
Isso não aconteceu. E a possibilidade de o Ministério do Planejamento ser dividido em dois gera expectativa e também apreensão. Há dúvida quanto à eficácia da divisão para os trabalhos da Pasta e certeza de que a divisão garante ao governo um cargo a mais e de alto prestígio para entregar a aliados.
De positivo, a reação de investidores ao comando do BNDES, anunciado por Lula e temperado por declarações do presidente eleito – que deu por concluído o processo de privatizações no país – a preocupação do mercado com Fernando Haddad no comando do Ministério da Fazenda encolheu.
E resistências à sua indicação ao comando da Pasta são atenuadas pela expectativa de que Haddad vai se cercar de secretários de perfil técnico, o que começa a se confirmar.
O futuro ministro da Fazenda já definiu o economista Gabriel Galípolo para secretário-executivo da Pasta e o especialista em questões tributárias, e com longa experiência no setor público, Bernard Appy, como secretário especial para reforma tributária.
Também de saldo positivo, o comportamento do mercado nos últimos dias – que teve como catalisador a mudança na Lei das Estatais e o comando do BNDES – escancarou de vez o temor de politização de órgãos técnicos que pode colocar em risco a gestão da política monetária.
O mercado demonstra estar atento e o Banco Central (BC) também. Tanto que disparou seu alerta na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2022, publicada na terça-feira, 13 de dezembro.
No documento, divulgado horas antes da cerimônia de encerramento dos trabalhos da equipe de transição e apresentação de Mercadante para o comando do BNDES, o BC destacou o quadro fiscal.
Na mensagem, reforçada no Relatório Trimestral de Inflação divulgado na quinta-feira, 15 de dezembro, o BC afirma que “há elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal” e que se manterá “vigilante” quanto aos impactos de estímulos fiscais em 2023 e sobre sua transmissão para a atividade econômica e, por tabela, sobre a inflação.
Uma avaliação semântica da ata do Copom é emblemática sobre o grau de atenção do BC notadamente com a política fiscal. No texto, o termo “fiscal” foi repetido 10 vezes, ante 3 vezes na ata referente à reunião anterior. E o termo “parafiscal” estreou no documento, em que o comando do BC mencionou “inflação” 46 vezes, ante 32 na ata anterior.
Ainda na ata, o Comitê alerta que mudanças em políticas parafiscais ou a reversão de reformas estruturais, que levem a uma alocação menos eficiente de recursos, podem “reduzir a potência da política monetária”.
Nos diferentes exercícios analisados, segundo o Copom, o efeito final, seja sobre a inflação ou sobre a atividade, dependerá tanto da combinação quanto da magnitude das políticas fiscal e parafiscal a serem praticadas. O Copom não disse, mas a atuação do BNDES é entendida como um instrumento parafiscal.
Especialistas consultados pela Coluna entendem que, apesar da apreensão do mercado, o BNDES não deverá atuar como instrumento de política anticíclica – papel fartamente desempenhado na esteira da crise financeira global de 2008/2009, quando o banco supriu a escassez de crédito externo.
Hoje há sobra de recursos no mundo que atravessa uma crise inflacionária, mas não financeira ou bancária. Além disso, em mais de uma década, o sistema financeiro local mudou e, atualmente, dispõe de instrumentos substitutos ao crédito tradicional.
A semana termina com o mercado buscando incentivos para reequilibrar os preços dos ativos. E um desses incentivos, sem dúvida, é o interesse dos estrangeiros pelo Brasil. O ingresso de capital estrangeiro para investimentos em ações já listadas na bolsa brasileira, neste ano, supera R$ 90 bilhões, segundo a B3.
Dados do BC sobre transações internacionais serão atualizados na quinta-feira, 22 de dezembro, mas de janeiro a outubro ingressaram no país US$ 73,9 bilhões em Investimento Externo Direto (IED).
A cifra supera em quase 60% o montante registrado um ano antes e é elevada o suficiente para justificar a expectativa de investidores com a completa definição do gabinete de Lula.